expresso.ptPedro Gomes Sanches - 17 out. 23:13

Pedro Nuno Santos não disse que viabiliza o Orçamento

Pedro Nuno Santos não disse que viabiliza o Orçamento

O que Pedro Nuno Santos anunciou foi que o voto do PS na generalidade será a abstenção. É verdade que isso, à primeira vista, permite a leitura da promessa de viabilização. Mas, tratando-se do PS e de Pedro Nuno, talvez valha a pena olhar com atenção para as palavras e para o momento e o contexto em que aparecem no seu discurso

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O discurso de 5ª feira tem 1.165 palavras. As palavras “viabilizar”/”viabilização” são ditas 3 vezes. A primeira vez (“viabilizar”) é a 315ª palavra do discurso, a segunda vez (“viabilização”) surge 47 palavras depois e a terceira e última vez (“viabilização”) é a 659ª palavra. Já explico por que é que isto importa. Primeiro, vejamos o contexto em que cada uma surge: “Não partilho, por isso, da tese daqueles que consideram que o PS deve viabilizar o orçamento do estado apresentado pelo PSD só para afastar o Chega da responsabilização política.” (1ª vez); “No limite, condenaria o PS à viabilização sistemática dos orçamentos do estado dos governos minoritários do PSD. E a prazo, teria como efeito a gradual irrelevância política do PS e impossibilitaria o partido de cumprir a missão fundamental de assegurar aos Portugueses uma alternativa progressista à governação da Direita.” (2ª vez); “Tentámos assegurar, tão só, condições mínimas para a viabilização de um orçamento que nunca seria o nosso, o do Partido Socialista, e do qual naturalmente discordaríamos.” (3ª vez), para depois concluir que “No entanto, as nossas condições de base não foram respeitadas na totalidade.”

Por que é que a contabilização importa? Seguramente, não é pelo amor recente do PS às contas certas. É que se são as palavras finais, a partir da palavra 945ª, onde se anuncia o sentido de voto, que nos diz alguma coisa sobre a táctica, são as primeiras palavras - 944 em 1.165 - que nos dão a verdadeira afirmação política e que nos dizem tudo sobre a estratégia.

E que afirmação política é essa? Ficámos a saber que o PS admite acordos com o PSD em “matérias relacionadas com a nossa soberania e com a nossa segurança.” E que é “contra acordos de incidência parlamentar entre PS e PSD, a não ser em situações limite e muito excepcionais, em que a própria democracia esteja em causa.” Ou seja, para este PS, acordos de regime com o PSD que visem a reforma da Justiça - designadamente em matéria de simplificação administrativa e combate à corrupção -, um acordo de competitividade e aumento da produtividade da nossa economia, uma estabilização das políticas de avaliação na escola pública, uma reforma da Segurança Social visando a sua sustentabilidade, designadamente revendo as suas fontes e modo de financiamento, são coisas que estão fora da possibilidade de entendimento.

“É por isso que defendo que, o normal, é que o principal partido da oposição vote contra a proposta do Orçamento do Estado que o Governo entrega no Parlamento”: eis a verdadeira posição do PS assumida por Pedro Nuno Santos. E é por isto que, depois de o Governo ter apresentado um orçamento centrista, social-democrata, que frustra as expectativas de uma boa parte do seu eleitorado e da direita, modelando o IRS Jovem à imagem do Programa Eleitoral do PS e cedendo, para um resultado pífio considerando o seu propósito inicial, no IRC, com uma redução de apenas 1%, o PS entende não concordar com ele.

O que de tudo isto se pode concluir é que o PS abandonou a social-democracia, para se radicalizar à esquerda. Honra a Pedro Nuno Santos que, nesta matéria, nunca enganou ninguém. Disse ao que vinha, sabíamos ao que vinha e não pode haver surpresas. A única surpresa para alguns é, talvez, o cisma que Pedro Nuno Santos abriu e que tentou disfarçar, debalde, na fase das perguntas da comunicação social: “que ninguém tenha ilusões sobre a unidade do partido”. Debalde, porque limitando a mínimos olímpicos a possibilidade de acordos de regime com o PSD e repudiando com asco este orçamento baunilha, este PS de Pedro Nuno Santos está mais perto de Mariana Mortágua do que de Sérgio Sousa Pinto, mais perto de Paulo Raimundo do que de Álvaro Beleza, mais perto de Rui Tavares do que Francisco Assis.

Mas, então, porquê a abstenção? Apenas e só (“É por estas duas razões, e apenas por estas duas razões”) porque “passaram apenas sete meses sobre as últimas eleições legislativas” e porque “um eventual chumbo do orçamento poderia conduzir o país e os portugueses para as terceiras eleições legislativas, em menos de 3 anos, sem que se perspetive que delas resultasse uma maioria estável.” Traduzo: Pedro Nuno Santos teve medo e está convencido que perde as eleições, pelo que meteu, como diz o povo, “o rabo entre as pernas”. Mais: está convencido que o “povo” penalizará quem as provocar de forma visível.

A história, todavia, não acaba aqui. Primeiro, a libido dominandi, ADN inconfundível do PS, ferve o sangue dos camaradas do Largo do Rato, ineditamente afastados dos poderes visíveis. Segundo, porque este PS, apesar de bastante previsível ideologicamente, não é mais leal, menos oportunista, nem mais responsável do que a obsessão do regime: o Chega. Depois da abstenção na generalidade, o PS sente-se livre para votar de acordo com as suas convicções na especialidade, apenas “respeitando o equilíbrio orçamental”. Ora, equilíbrios orçamentais apenas significam equilíbrio entre a despesa e a receita, não significam necessariamente a mesma despesa nem a mesma receita da AD. Ou seja, desfez a dúvida da generalidade sem desfazer a incerteza da especialidade. E se o PS, ora com o Chega, ora com a extrema-esquerda, escavacar o Orçamento na especialidade?

Eu, com um orçamento desvirtuado, se fosse Luís Montenegro, rasgaria vestes, rangeria dentes, exibiria a hipocrisia do PS e apresentaria uma Moção de Confiança a votação.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

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