rr.sapo.ptrr.sapo.pt - 26 jul. 11:40

​“Ser melhor ou pior depende de quem consegue sofrer mais”: uma conversa com um preparador físico na Volta

​“Ser melhor ou pior depende de quem consegue sofrer mais”: uma conversa com um preparador físico na Volta

Treino individual, multivitamínicos, descompressão e alimentação. Bola Branca ajuda-o a perceber “as pancas” dos “gajos que não parecem humanos” e que aguentam pedalar 1.500 quilómetros em 12 dias.

Uma média de 160 quilómetros por dia, durante 12 dias, com subidas a alguns dos pontos mais altos de Portugal pelo meio. A pergunta é obrigatória: como é possível um ser humano aguentar tamanho esforço físico?

É uma pergunta legítima, colocada por muitos dos que acompanham o ciclismo profissional, mas que nunca se atreveram a experimentar uma prova de estrada. Bola Branca está na 85.ª edição da Volta a Portugal e foi até ao autocarro da equipa Efapel Cycling procurar respostas.

“Eles são humanos”, começa por dizer, com um ar sério, Hélder Miranda, um dos diretores da equipa. “Agora, sofrem muito? Sofrem. São muito duros, têm uma capacidade de sofrimento muito acima da média, só quem foi ciclista consegue ter noção do que se sofre em cima de uma bicicleta.”

Miranda acumula as funções de diretor com as de preparador físico, uma responsabilidade que divide com outros elementos da equipa Efapel.

Numa conversa debaixo do sol tórrido do interior de Portugal, revela-nos algo que pode parecer chocante à primeira vista, mas que até é compreensível numa segunda análise: "Para se ser ciclista tem de se aprender a sofrer, é uma das principais características".

E continua: “Entre os bons corredores, ganhar ou perder é a diferença entre quem sofre mais um bocadinho ou quem sofre menos um bocadinho. Não é uma questão de ser melhor ou pior, é quem consegue sofrer mais aquele metro, dar mais aquela pelada e ganhar”, finaliza.

Para além da capacidade inata de suportar o sofrimento, outros fatores determinam o sucesso ou insucesso numa Volta. Um dos principais é a recuperação. Felizmente, Hélder Miranda é um especialista.

“A primeira parte da recuperação é feita com o treino. Todos os meses de treino que antecederam a Volta a Portugal, a forma intensa de ciclos de treinos que eles têm de fazer obriga o corpo dos atletas a perceber que tem de estar recuperado para no dia seguinte ter um novo esforço”, explica o diretor da Efapel Cycling.

A hidratação, principalmente quando o termómetro revela temperaturas muito perto dos 40ºC, é outro aspeto importante, bem como o consumo de "vitaminas e aminoácidos”, porque, como se costuma dizer, “só com massa, arroz e bifes dificilmente se ganha uma Volta a Portugal”.

“Temos um médico na equipa que controla tudo isso e que lhes diz, dia a dia, o que é importante consoante a etapa, o calor, o número de quilómetros e o tipo de percurso”, explica. “No fim dessa etapa, mediante todos estes fatores, tomam alguns produtos à base de sais minerais, antioxidantes, multivitamínicos e muitos complexos de vitamina B1, B6 e B12, que são essenciais na recuperação muscular.”

Depois, a alimentação. Até porque “um problema intestinal é o suficiente para deitar todo o trabalho por água abaixo”.

E pancas, há? “Há, mas fazem o que lhes mandam”, esclarece.

Outra pergunta legítima que poderá estar a fazer é: “Então e no meio de tanto esforço e sofrimento, ninguém se queixa ou se recusa a fazer alguma coisa?”. Pois, foi exatamente isso que perguntámos a Hélder Miranda, de 45 anos.

“São ciclistas profissionais, não ganham nada em não acatar as ordens. Pelo contrário, nós estamos aqui para ajudar”, foi a resposta, o que não surpreende.

Embora muitos tenham vários anos de experiência, com muitas horas de treino nas pernas, “continuam a não saber tudo e nem se têm de preocupar com isso”. Pelo que a responsabilidade fica inteiramente do lado dos responsáveis da equipa.

“Eles vão treinar, se houver alguém que lhes diga o que é que eles têm que fazer para eles é mais fácil, só têm de seguir aquele plano. Não têm de se preocupar se estão a fazer bem ou se estão a fazer mal, simplesmente fazem o que lhes mandam. Se correr mal, a culpa é minha”, afirma, sem rodeios, nesta conversa com a Renascença.

Como recuperar de pedalar? Pedalar mais um pouco

Uma das chaves para recuperar bem de uma etapa para outra é a descompressão que os atletas fazem quando terminam a tirada. Para quem não está por dentro da preparação física pode parecer estranho, mas o diretor da Efapel Cycling explica que, depois de centenas de quilómetros a ritmo elevado, o indicado é fazer “cinco a 10 minutos de rolos, a pedalar de forma muito suave, para acelerar a recuperação muscular”.

A explicação para tal é simples. “Isto porque o músculo chega muito tenso depois de um esforço muito intenso e pedalando mais uns minutos, mais devagar, elimina-se uma substância que se produz com o esforço que se chama lactato ou ácido lático. Essa substância provoca acidez nas pernas e muitas dores musculares. Se pedalarem cinco a 10 minutos devagar, acelera muito o processo de limpeza, a nível muscular, desse produto final do esforço”, diz Hélder Miranda.

Por fim, é imperativo compreender que não existe uma fórmula certa que sirva para todos. Cada um tem as suas necessidades e reage de forma diferente a cada treino, prova ou suplemento.

Um dos exemplos abordados nesta conversa é o do treino que, de acordo com o preparador físico desta equipa profissional UCI continental, "é completamente diferente para todos os corredores".

Ou seja, “cada atleta tem o seu treino individual, porque cada atleta tem os seus valores pessoais. Se o treino fosse igual para todos, toda a gente ganhava Voltas a França ou Voltas a Portugal”, diz, entre risos.

“Toda a gente tem a sua genética, toda a gente tem as suas características e são essas características que nós, que os preparamos, temos de conhecer”, conclui.

A Volta a Portugal está na estrada até ao dia 4 de agosto e conta com 119 ciclistas, divididos por 17 equipas, que correm para tentar levantar o troféu da prova de ciclismo mais importante do país.

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