www.sabado.ptRicardo Borges de Castro - 25 jul. 14:16

Sopram ventos de mudança na Europa – Parte 2

Sopram ventos de mudança na Europa – Parte 2

Opinião de Ricardo Borges de Castro

Visto de Bruxelas, se sem segurança não há democracia forte, sem prosperidade e crescimento económico não há segurança. É sobre o capítulo final da Agenda Estratégica 2024-2029 – "Uma Europa próspera e competitiva" – que nos debruçamos hoje, não esquecendo aquilo que poderá estar em causa se os ventos que sopram na Europa mudarem de direção no que toca ao processo de integração europeia nos próximos anos. 

Uma Europa próspera e competitiva

A Agenda estabelece o reforço da "soberania [europeia] em sectores estratégicos" e o desígnio de "fazer da Europa uma potência tecnológica e industrial" aliada a uma "economia aberta" como objetivo principal. Para além querer reduzir a distância que tanto parceiros como concorrentes internacionais já levam em termos de "crescimento, produtividade e inovação," a UE quer "aprofundar…o mercado único… nos domínios da energia, das finanças e das telecomunicações." Por outro lado, deve garantir a sua integridade "e condições de concorrência equitativas" mantendo um equilíbrio entre as chamadas "ajudas de estado" e condições concorrenciais justas. A União procurará também acelerar "a integração financeira através…da União de Mercados de Capitais e…da União Bancária" que estão ainda por concluir, apesar dos esforços nesse sentido tanto da segunda Comissão Barroso, como da Comissão Juncker. 

Em termos de comércio internacional, Bruxelas continuará a "promover o papel central da Organização Mundial do Comércio" e uma política comercial que "defenda os interesses da UE" e permita o "desenvolvimento de cadeias de abastecimento duradouras e fiáveis," garantindo reciprocidade no acesso a novos mercados. Para além disso, o desenvolvimento da chamada "segurança económica" vai continuar a ser uma prioridade com a redução de "dependências prejudiciais" e diversificando "cadeias de abastecimento estratégicas, nomeadamente através do reforço da…segurança marítima." Este aspeto é especialmente relevante para Portugal e para a chamada economia azul pelas oportunidades que pode trazer. 

O desenvolvimento de capacidades autónomas em tecnologias de ponta e de futuro vai centrar-se em áreas tais como "a defesa, o espaço, a inteligência artificial, as tecnologias quânticas, os semicondutores, o 5G/6G, a saúde, as biotecnologias, as tecnologias verdes, a mobilidade, a indústria farmacêutica, a química e os materiais avançados." Para além das tecnologias, a UE deve também "investir em amplas infraestruturas transfronteiriças de energia, água, transportes e comunicações." 

É neste capítulo da prosperidade que surge a primeira referência ao aproveitamento do "potencial das transições ecológica e digital para criar os mercados, as indústrias e os empregos de elevada qualidade do futuro," mantendo o objetivo europeu de neutralidade climática em 2050. Ao mesmo tempo, a Agenda pede "uma transição climática justa e equitativa," que mantenha os 27 "competitivos a nível mundial" aumentando também a "soberania energética." Sobre esta última, os líderes europeus querem desenvolver uma "união energética, garantindo o fornecimento de energia abundante, acessível e limpa." Na mesma linha, a UE quer continuar a desenvolver uma economia "mais circular e eficiente" no que toca à utilização de recursos. 

Muito importante neste contexto – também à luz dos protestos recentes dos agricultores – é a referência à promoção de "um setor agrícola competitivo, sustentável e resiliente que continue a garantir a segurança alimentar." Aliás, o tema da segurança alimentar deveria ser visto de forma mais ampla e como instrumento para melhorar as relações com o "Sul Global" que foram bastante afetadas nos últimos anos por causa da pandemia e da agressão russa à Ucrânia. 

Depois de se debruçar sobre o que é preciso fazer para apoiar "as empresas e a indústria da UE, atrair e reter talento e continuar a ser um local atrativo para o investimento," a Agenda compromete-se com o desenvolvimento de esforços para desburocratizar, simplificar e digitalizar procedimentos para o tecido empresarial europeu, em particular para as Pequenas e Médias Empresas. 

Finalmente, os 27 propõem-se "defender a dimensão social da União Europeia" e a "abordar de forma abrangente os desafios demográficos e o seu impacto na competitividade, no capital humano e nas desigualdades." A demografia, que será um dos maiores desafios dos próximos tempos para os europeus, parece ter sido deixada para o lúmpen das prioridades da UE… 

A lista de aspirações é longa, mas a preocupação central é que a UE tenha os níveis de prosperidade e crescimento económico que serão indispensáveis para que os 27 consigam também gerar os avultados níveis de investimento que vão ser precisos para garantir que a democracia, a segurança e a defesa e o bem-estar económico e social sejam mais do que apenas uma legítima aspiração de todos os europeus. 

Ventos de mudança

O crescente euroceticismo dos últimos anos – diferente do saudável euro-pragmatismo que os britânicos (os pró-europeus) sempre defenderam – pode agravar-se nos próximos tempos especialmente se as forças antieuropeias se moverem mais da periferia para o centro político europeu. Ou seja, uma coisa é o Sr. Orbán da Hungria, que já causa dores de cabeça e embaraços que cheguem. Outra diferente seria a Sra. Meloni de Itália abandonar a postura pragmática que tem mantido com Bruxelas ou, pior ainda, se a extrema-direita francesa da Sra. Le Pen ou o seu programa ideológico chegarem (finalmente) ao poder em 2027 – ou antes mesmo dada a turbulência política que se vive e viverá em França. 

Uma agenda nacional-soberanista que chegue ao núcleo central de decisão política da UE – o Conselho Europeu e o Conselho da UE – pode comprometer não só os planos com que os líderes europeus se comprometeram nos dias 27 e 28 junho, mas também o futuro do projeto europeu tal como o conhecemos hoje. Neste caso, o recurso que estará em falta já não será só o dos investimentos avultados, mas também a ausência da unidade e a da vontade políticas que são indispensáveis para que Bruxelas funcione e avance. 

Não há, pois, tempo a perder para lançar as bases da agenda estratégica 2024-2029 – antes que o vento mude. 

PS: No contexto da Agenda Estratégica, sugiro a leitura das Orientações Políticas 2024-2029 apresentadas por Ursula von der Leyen no PE no dia 18 julho antes da sua eleição para um segundo mandato à frente da Comissão Europeia. 

NB: Os ventos das próximas semanas serão as nortadas de que tanto gosto em Portugal. Visto de Bruxelas vai de férias e regressa no início de setembro. Se for caso disso, na praia ou no campo, aproveitem para arejar e descansar!  

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