sol.sapo.ptmagalhaes.afonso@newsplex.pt - 25 jul. 20:46

Omo lava mais branco

Omo lava mais branco

Um dia destes, com toda a convicção, Carlos Branco afirmava que o hospital pediátrico em Kiev atingido por um míssil foi vítima de um erro ucraniano, e que os russos nada tinham a ver com aquilo. Ora, de que meios dispunha o general para contradizer a ONU, que dizia o contrário?

A publicidade, há umas décadas, era mais direta. Os slogans publicitários iam direitos ao assunto – ou seja, ao produto. ‘Omo lava mais branco’ era o slogan de um detergente. Havia outros, também certeiros, como ‘O que é Nacional é bom’, ou o, ainda mais simples, ‘Bosh é bom’. 

 Agora a publicidade sofisticou-se, e em muitos casos nem se percebe bem a relação entre a ‘história’ e o produto que se publicita. Penso que se regrediu, o que é natural: há 50 anos, os publicitários eram escritores e poetas. Era uma forma de terem um emprego e ganharem a vida. Alexandre O’Neil era publicitário, Orlando Costa era publicitário, e assim por diante.

Lembrei-me deste ‘Omo lava mais branco’ a propósito de um general-comentador chamado exatamente Carlos Branco. A sua função é basicamente ‘branquear’ as ações russas na Ucrânia. Note-se que acho legítimo esse branqueamento. É uma opinião. Não concordo com algumas vozes que gostariam de ‘sanear’ Carlos Branco ou Agostinho Costa, os dois generais mais abertamente pró-Putin. Para saneamentos bem bastaram os feitos no tempo de Salazar (de que o meu pai foi vítima) ou no período pós-25 de Abril (de que o meu tio José Hermano foi vítima). 

Desde que defendam os seus pontos de vista honestamente, os generais têm naturalmente todo o direito à sua opinião.

Mas o facto de terem liberdade de opinião não significa que estejam acima da crítica.

Carlos Branco é um homem muito afirmativo, como se tivesse sempre a razão do seu lado e os outros não soubessem do que falam, mas já cometeu erros clamorosos.

No caso do hospital pediátrico em Kiev atingido por um míssil, garantia que se tratava de um erro ucraniano. E acrescentava que não fora atingido o hospital mas sim uma ala, pois a fachada estava intacta. O facto de terem morrido 38 pessoas, entre as quais 4 crianças, não lhe interessava muito. O que lhe interessava era ilibar os russos e branquear o ataque.

Ora, nesse mesmo dia, o porta-voz do secretário-geral da ONU falava abertamente de «um ataque russo» ao hospital e uma porta-voz oficial da ONU referia um «quase certo ataque por um míssil russo», cujo tipo especificava.

Note-se que a ONU tem mantido neste conflito uma posição equilibrada, por razões óbvias: a Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança. E, perante isso, pergunto: que fontes tinha Branco melhores do que a ONU? O que lhe dava a certeza de estar ele certo e a ONU errada?

E vou mais longe: já tendo errado várias vezes de forma evidente, não deveria o general ser mais humilde? À primeira cai qualquer, à segunda cai quem quer, à terceira cai quem é parvo… 

A verdade é que Carlos Branco já ‘caiu’, que se visse, pelo menos duas vezes em momentos importantes. 

Logo no princípio da guerra, quando uma coluna de tanques russa se aproximava de Kiev, perguntaram-lhe.

– Acha que os russos vão tomar Kiev?

E ele respondeu, de pronto:

– Vão de certeza! Os ucranianos ou se rendem ou os russos arrasam a cidade…

Como é sabido, os russos não ocuparam Kiev.

Mais tarde, quando foi noticiada a possível morte do almirante Viktor Sokolov, que estava num palácio atingido por um míssil ucraniano, Carlos Branco afirmou:

– Isso é quase impossível. Naquele palácio não se fazem reuniões de estado-maior. Essas reuniões são num bunker situado a alguma distância dali. Sei muito bem do que falo, porque já lá estive.

Ora, o dito almirante sumiu-se. Nunca mais apareceu. Estará escondido?

Podia citar mais histórias de Carlos Branco. Como quando garantiu que a situação económica da Rússia é ótima, mostrando-se muito documentado, embora desconhecesse os prejuízos da Gazprom, que são do domínio público. Ou quando levantou dúvidas sobre o assassínio de Prigozhin pelos russos. Ou quando desvaloriza o afundamento de navios russos no Mar Negro mas considera «extremamente importante» a conquista de uma aldeia em escombros por parte de Moscovo. 

Agora, a propósito da ida dos F-16 para a Ucrânia, comentou, irónico: 

– Sempre que vão novos meios ocidentais para a Ucrânia diz-se: «Agora é que é! Agora é que a guerra vai mudar!». E depois não muda nada…

Ora, muda, muda. Tanto que muda, que o poderoso exército russo, o ‘maior exército do mundo’, não conseguiu conquistar até agora um país muito mais pequeno, que Putin planeava ocupar em 5 dias. E já lá vão quase dois anos e meio. Ou também isto será uma mentira das pouco credíveis fontes ocidentais?

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