expresso.ptRui Lage - 25 jul. 13:36

Casas para os comuns na casa comum da Europa

Casas para os comuns na casa comum da Europa

Se esta nova pasta da habitação tiver êxito, teremos assentado no chão da construção europeia uma pedra-angular da tão almejada Europa Social

Perante a crise da habitação que desde há anos fustiga milhões de europeus, o nosso continente tornou-se num laboratório de políticas habitacionais. Há para todos os gostos nos tubos de ensaio dos urbanistas e decisores nacionais e locais. Mas são já poucos os que ainda experimentam com os reagentes do mercado. As soluções mercantilista e liberista falharam estrondosamente. Elas estão, de resto, na raiz do problema.

No período que vai de 2010 a 2024, os preços das casas subiram quase 50% na UE a 27. Os aumentos mais aparatosos ocorreram na Estónia (+223%) e na Hungria (+207%). A receita liberal é, portanto, tão fruste quanto a fórmula iliberal. No abastado Luxemburgo, os preços aumentaram 124%. O m2 atingiu aí os 13.000€ para uma habitação nova. Cada vez mais famílias do Grão-Ducado atravessam a fronteira para se alojarem na Bélgica, na França ou na Alemanha. Nas liberais Holanda e Bélgica os preços subiram 70% e 50%, respetivamente, sendo que, na Holanda, há uma escassez de casas estimada em 1 milhão.

Quanto às rendas, elas deram um salto de praticamente 24% no mesmo período. A Irlanda, o tigre celta que os nossos liberais tanto festejam, é o terceiro país onde estas mais aumentaram (+104%). . O sucesso na habitação fará alastrar a intervenção da União a outras áreas fulcrais do Estado social, como a saúde e a educação, também elas em crise na quase totalidade dos países europeus. É certo que esta trajetória não agradará aos detratores do federalismo, pois ela encaminha-nos para esse horizonte, passo a passo, degrau a degrau, tijolo a tijolo.

A casa é o nosso primeiro mundo, a porção dele que cabe a cada um. A possibilidade do recolhimento e do recuo, do refúgio e da convalescença. É uma extensão da nossa intimidade. É recipiente das nossas aflições e teatro das nossas alegrias. Modela a nossa relação com o mundo e connosco mesmos. A casa é o vaso do nosso enraizamento. O antídoto da errância e da indigência. Concebê-la como um artigo de consumo a que só alguns podem aspirar é uma estocada imperdoável naquilo que podemos apelidar de identidade social europeia. A Europa é a nossa casa comum. Falta-lhe ser a Europa das casas para os comuns.

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