sol.sapo.ptJoana Andrade - 23 jul. 13:52

A selecção do poucochinho

A selecção do poucochinho

este é o nosso triste fado: os portugueses são, de entre os povos do mundo desenvolvido, daqueles que mais horas passam nos seus locais de trabalho, mas, em contrapartida, dos que menos produzem.

A recente participação da selecção nacional de futebol no campeonato da Europa retrata bem o que é a sociedade portuguesa de hoje: pouco ambiciosa e com tendência a aceitar e a conformar-se com um fraco rendimento produtivo.

Sejamos sinceros, de uma constelação de estrelas, a terceira selecção mais valiosa da Europa e a quarta do mundo, esperava-se muito mais. Corrijo, exigia-se muito mais!

E, de início, até teve a vida facilitada, porque lhe calhou em sorte um grupo bastante acessível, com países num ranking futebolístico muito abaixo do nosso.

Somente num dos jogos fomos capazes de mostrar um pouco daquilo que sabemos, enquanto que nos restantes dois, num conseguimos uma vitória bem sofrida e injusta, obtida já no cair do pano, e no outro uma derrota contra uma equipa ao nosso perfeito alcance.

Em ambos esses jogos deixámos uma péssima impressão, com exibições absolutamente sofríveis.

Nos oitavos de final saiu-nos, de novo, o brinde, mas mesmo assim tivemos que ir a penaltis e só nos safámos porque o nosso guarda-redes estava numa noite inspirada.

Contra a França, por acaso a pior selecção gaulesa dos últimos anos, também ela com uma prestação fraca n

Os futebolistas que nos representaram nesta competição retrataram bem esta nossa desgraçada característica, ou seja, muita posse de bola mas zero de eficácia!

Os jogadores portugueses deixaram uma outra imagem nada abonatória, a de que não jogaram verdadeiramente como uma equipa coesa, na qual se deve dar primazia ao conjunto como um todo, mas sim pareceram mais preocupados em satisfazer a ambição de um dos seus, este demasiado focado no objectivo de bater mais um recorde, meta que não atingiu, apesar de ter tido toda uma equipa à sua disposição para o efeito e que lhe ofereceu flagrantes oportunidades que não soube aproveitar em nenhum dos jogos.

Jamais poderá ser posto em causa o papel de Ronaldo na História do futebol português, sendo certo que muitas das nossas e mais importantes vitórias, nas duas últimas décadas, foram fruto da sua inspiração e da extrema dedicação ao desporto que abraçou, mas o interesse último do grupo tem que se sobrepor, sempre, ao benefício pessoal de apenas um, independentemente da  relevância e da liderança que este desempenha junto dos restantes.

Tempos houve em que Ronaldo levou a selecção ao colo, mas não é nada razoável, porque impeditivo de que possamos regressar ao topo, conforme é nossa vontade, que agora os papéis se invertam, por muito justo que o sentimento de retribuição possa parecer aos olhos de uns quantos.

E este é igualmente um dos males de que padecemos enquanto povo. São poucas as empresas portuguesas com capacidade de se revitalizar, sendo que a maioria se continua a seduzir por um passado que já não corresponde às exigências do presente e revelam-se incapazes de modernizar os métodos de trabalho e de reformar os seus principais quadros dirigentes quando estes dão prova de cansaço e de impossibilidade de adquirir novos e melhores conhecimentos.

Os mais velhos têm receio de serem ultrapassados pelos mais jovens, criando sucessivos obstáculos para que estes não lhes façam sombra, condicionando, dessa forma, a progressão deles numa carreira em que tudo apostaram.

Por esta razão, os jovens com valor tendem a procurar noutros horizontes, para além-fronteiras, as oportunidades que lhes são negadas no seu próprio país, triste realidade que está na origem de um progressivo e acentuado empobrecimento da sociedade portuguesa.

Quando a principal força de trabalho de uma Nação desiste de produzir em prol desta, oferendo a outros os seus relevantes serviços, a decadência nacional torna-se irreversível.

Também as jovens promessas do nosso futebol se vêm forçadas a apostar a sua carreira em países que lhes proporcionam melhores condições, nomeadamente salários mais atractivos, deixando os clubes portugueses à mercê de jogadores de qualidade discutível e desprovidos do indispensável amor à camisola que vestem.

Além de que parece ter-se instituído uma regra na nossa selecção, a de que para se ser chamado a representá-la é preferencial que um jogador esteja a espalhar a sua magia futebolística em clubes estrangeiros.

Esta imposição teve igualmente eco neste último Europeu, em que jovens com imenso talento, e com provas dadas nos clubes que os formaram, foram sub-aproveitados, permanecendo no banco para que colegas mais experientes, mas já em notória decadência física, sejam chamados à titularidade, dispondo aí de um lugar cativo, mesmo que em campo estejam longe de justificar essa opção.

Sem dúvida que este é um dos problemas de que enferma o mundo do trabalho em Portugal, o de que a ascensão na hierarquia tem como principal base o tempo de serviço, desvalorizando-se a competência e a dedicação profissional daqueles que mais se entregam ao seu ofício.

A Espanha sagrou-se campeã europeia por duas razões primordiais: revolucionou a sua maneira de jogar, desistindo de uma esmagadora posse de bola assente em passes sucessivos, mas com dificuldade em chegar à baliza adversária, substituindo-a por um futebol ofensivo e focado somente no golo; e apostando na titularidade indiscutível de jovens talentosos que dão agora os primeiros passos na alta-roda do futebol mundial, não tendo mesmo tido quaisquer pruridos em lançar um miúdo que iniciou o torneiro ainda com 16 anos, deixando como suplentes de luxo os pesos-pesados, que num passado ainda recente foram peças fundamentais, mas que no presente estão já no inverno da sua carreira.

Esperemos que a sociedade portuguesa, em geral, e a selecção nacional de futebol, em particular, aprendam alguma coisa com estes exemplos vindos do país vizinho e passem a dar maior crédito ao talento, em prejuízo da experiência.  

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