eco.sapo.ptBernardo Seixas - 23 jul. 18:25

Fundos (pouco) europeus

Fundos (pouco) europeus

Perigo da corrupção nas candidaturas a fundos públicos prejudica a integridade do sistema democrático e a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e no processo de distribuição de recursos.

Desde o início das operações Maestro e Influencer que as alegações de fraudes e burlas associadas à obtenção de fundos europeus tomaram uma proporção nunca antes vista. Terá aumentado a corrupção ou estará a Justiça a funcionar ao seu ritmo? A verdade é que, desde então, a Polícia Judiciária já abriu 43 investigações, constituiu 93 pessoas e empresas arguidas e soma o montante de 200 milhões de euros desviados em faturas inflacionadas e falsas.

A questão importante é refletir sobre se estamos perante uma inevitabilidade ou se podemos dar uso a novas ferramentas, principalmente tecnológicas, que possam contribuir para a solução deste problema.

A tecnologia pode ser um grande aliado no que diz respeito ao combate à corrupção na obtenção de fundos públicos, tornando a aplicação dos fundos mais eficiente e fortalecendo a confiança pública nas instituições europeias. Com recurso à tecnologia, são vários os métodos que se podem utilizar para alcançar transparência e democratização no acesso à informação, a automatização de processos, um rastreamento e uma auditoria eficazes e táticas de deteção e prevenção de fraudes.

A Inteligência Artificial (IA) é um excelente exemplo. Esta tecnologia pode contribuir para um mundo mais justo e democrático, especialmente no que toca à igualdade de acesso a financiamento e contratos públicos, combatendo a corrupção na candidatura a fundos europeus.

Para as empresas portuguesas, como para muitas outras empresas europeias, os fundos públicos são uma fonte importante de financiamento para uma variedade de projetos, desde infraestruturas até iniciativas sociais e culturais. Desta forma deixam de ser somente uma fonte de financiamento e passam a ser também uma fonte para a inovação, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, possibilitando a presença das empresas em mercados estrangeiros e oportunidades de exportação. Para além disso, reduzem a dependência das empresas a empréstimos bancários ou capital próprio, sendo bastante atrativos para PME e startups. Paralelamente, são uma ferramenta fantástica para os governos investirem nos próprios países e promover o seu crescimento, de acordo com os objetivos estratégicos nacionais e europeus.

Apenas no ano passado, o programa de incentivos “Portugal 2020” recebeu mais de 31 mil candidaturas e o “PRR – Plano de Recuperação e Resiliência” cerca de 93 mil, demonstrando a dependência do tecido empresarial português nos fundos comunitários. No entanto, a falta de fiscalização eficaz e a burocracia infindável, tradicionalmente associadas a este tipo de subvenções, podem afetar estes sistemas e facilitar que empresas ou indivíduos explorem as suas ligações para obter vantagens ilícitas, o que mina os princípios da justiça e da igualdade de oportunidades. Os processos complicados pelos quais as empresas passam aquando da sua candidatura criam o terreno perfeito para subornos, nepotismo e tráfico de influências, recentemente expostas na comunicação social.

O perigo da corrupção nas candidaturas a fundos públicos prejudica a integridade do sistema democrático e a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e no próprio processo de distribuição de recursos. Além disso, a economia é também impactada significativamente, dado que o capital que poderia ser investido de forma eficiente e produtiva é desviado, corroendo a competitividade das empresas e desencorajando o investimento estrangeiro, o que se traduz em graves danos no desenvolvimento sustentável do país. É impressionante o número de empresas pequenas empolgantes e inovadoras que já me disseram que o financiamento público era “apenas para as grandes empresas que têm os contactos certos”.

Porém, nem tudo são más notícias! Felizmente, temos assistido à evolução da tecnologia em diferentes formas, com maior destaque para a utilização da Inteligência Artificial, sendo a base, aliás, do meu trabalho e da equipa da Granter.ai, onde nos esforçamos, diariamente, para democratizar o acesso a financiamento público.

Usufruindo da IA, a maioria destes processos morosos (e dolorosos) podem ser automatizados, documentados e auditados, evitando que ocorram situações de corrupção e manipulação. A capacidade de seguir e rastrear o processo de tomada de decisão aumenta a responsabilização e cria confiança entre as empresas, os seus responsáveis e os avaliadores e promotores das linhas de financiamento. Ao utilizar modelos de IA aperfeiçoados para avaliar os candidatos com base no mérito, são eliminados os preconceitos e os negócios obscuros. Isto significa que as oportunidades são distribuídas de forma mais justa, independentemente das ligações ou influências que possam existir.

Mas não devemos negligenciar as limitações atuais da tecnologia! A IA não é uma varinha mágica que resolve todos os problemas. Tem de ser implementada em conjunto com enquadramentos legais e regulamentares sólidos para garantir uma utilização ética e evitar quaisquer preconceitos e enviesamentos involuntários que possam surgir nos modelos. Para isso, é necessária uma cooperação estreita entre o Governo, as entidades públicas como o IAPMEI ou a Agência Nacional de Inovação (ANI) e as empresas que vão ser as beneficiárias diretas destes fundos.

Uma utilização mais eficiente de recursos, alavancada por tecnologias como a IA, permite aos avaliadores terem mais tempo para se focarem no que realmente importa, que é a fiscalização dos projetos financiados, garantindo que o dinheiro público está a cumprir o seu desígnio estratégico. Em conjunto com esta maior supervisão na aplicação dos fundos, é importante incentivar a denúncia de práticas corruptas e punir os infratores de forma a que consigamos promover uma cultura de integridade e ética, tanto no setor público como no privado.

Parece-me que o caminho passa pela necessidade de um movimento coletivo de aproximação das entidades proponentes e promotoras dos fundos europeus aos avanços tecnológicos e disruptivos existentes, ou a criar, contribuindo para um processo mais transparente e justo.

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