expresso.ptJosé Miguel Júdice - 23 jul. 21:00

As Causas. Os erros evitáveis em política

As Causas. Os erros evitáveis em política

Ao adiarem a exigência de um suicídio político ritual de Biden, os que mandam no Partido Democrata podem ter gerado um harakiri do Partido e dado Trump como um presente a Putin, Xi Jiping e aos islamistas, apesar de Biden ter sido um baluarte contra eles

Na passada semana falei aqui da imprevisibilidade em Política.

Hoje o tema comum é dos erros evitáveis na Política.

Para isso, volto a falar de lixo e falarei de violência e insegurança em certas zonas de Lisboa e em algumas outras autarquias.

Mas, sobretudo, vou abordar o erro do Partido Democrata em recandidatar Biden, insistir em mantê-lo e só conseguir obrigá-lo a desistir à vista da meta.

A razão é simples: a política faz-se muito mais de erros e desatenções do que de tudo o que racionalmente acharíamos dever ser o essencial e as derrotas muitas vezes eram claramente evitáveis.

HARAKIRI NOS EUA: MAS DE QUEM?

Ainda pensei que continuaria a faltar coragem ao Partido Democrata e aos seus “grandees” para forçarem Biden a um “harakiri” político depois da tentativa de assassinato de Trump.

A razão é simples: Trump tornou-se a seguir quase imbatível. Se corresse mal com Biden a culpa seria dele, sem Biden seria da elite do Partido Democrata.

Mas afinal a conspiração ganhou mais força: o estado de Biden era ainda pior do que se pensava e as sondagens estavam a revelar um descalabro que iria atingir como uma infeção as eleições para o Congresso e para governadores e não apenas causar a derrota de Biden.

O que tudo isto revela é um erro de dimensão histórica do Partido Democrata, ainda que haja atenuantes:

a) É muito difícil convencer um presidente dos EUA no ativo a desistir;

b) Biden era dos poucos líderes democratas capazes de unir as alas radicais e centristas, os apoiantes tradicionais (classes mais desfavorecidas brancas, negros, apoiantes de Israel) e a nova aliança “woke” (defensores da prioridade a causas fraturantes, intelectuais, classes médias-altas urbanas, proto-socialistas);

c) Biden tinha vencido Trump em 2020 e isso funcionava psicologicamente como um talismã.

Mas visto de longe parecia há muito evidente que não devia nunca ter sido escolhido. Agora sabe-se que mesmo lá perto, em Washington, era evidente há muito a rápida degenerescência de Biden.

Todos afinal sabiam da sua inadequação para ganhar ou, ganhando, para liderar os EUA e o Mundo livre até 2028, período com terríveis desafios internacionais (no Mar da China, no Leste Europeu, no Médio Oriente).

A falta de coragem política, o abandono da regra KISS (“keep it simple, stupid”, que veio do design para a campanha de Bill Clinton), a incapacidade de gerar uma linha político-estratégica que não fosse apenas “não a Trump”, deram nisto.

O Partido Democrata tinha tudo para ganhar. Em condições normais, Trump não teria a menor hipótese de ganhar em novembro deste ano a um candidato em boa forma.

Mas as coisas são como são: ao adiarem a exigência de um suicídio político ritual de Biden, os que mandam no Partido Democrata podem ter gerado um harakiri do Partido e dado Trump como um presente a Putin, Xi Jiping e aos islamistas, apesar de Biden ter sido um baluarte contra eles.

Agora está-se apenas na política de “anyone but Trump”, com a qual concordo, mas que temo não ser suficiente. A não ser que Michelle Obama tivesse avançado o que já é inviável.

Mas regressemos a Portugal.

BLOCO CENTRAL CONTRA LIXO E INSEGURANÇA?

Por causa da minha “Pergunta sem Resposta” da passada semana, Carlos Moedas teve a gentileza de me informar sobre os problemas da recolha de lixo em Lisboa. Fico grato pelo que pude saber, designadamente o muito que está em curso na área dos resíduos e é pouco conhecido.

Entretanto, o Presidente socialista da Freguesia de Santa Maior (que inclui os bairros lisboetas de Alfama, Baixa, Chiado, Castelo e Mouraria) tomou a iniciativa de dar a palavra à população sobre os seus receios (agora está na moda falar-se de “perceções”…) quanto a assaltos, violência, drogados a injetar-se no meio da rua, traficantes e até a queixas com alguma carga anti-imigrantes.

Se o presidente da Junta fosse um dirigente do CHEGA imagino como isto teria sido tratado pelos “media”. Mas ainda bem que Miguel Coelho do PS o fez, porque varrer os problemas para debaixo das calçadas nunca foi uma boa solução.

Ao contrário dos seus adversários políticos (que com o exagero proverbial afirmam que com Moedas os lisboetas vivem “em absoluta mediocridade” e lançam outras frases identicamente bombásticas), como munícipe acho que ele está a ser um bom Presidente da CML.

Também considero que o tema do lixo e da sujidade de Lisboa, que abordei na passada semana, e o da violência e da insegurança, agora trazido para o espaço público com relevo televisivo, pouco dependem do Presidente da Câmara; ou, ao menos, não podem ser solucionados pela autarquia municipal por si só.

Mas isso não invalida a minha convicção: a renovação da vitória de Moedas no outono de 2025 depende mais deste tipo de temas do que daquilo que tem feito para tornar Lisboa uma sociedade cosmopolita e elogiada pela sua modernidade.

Por isso – e porque estes temas são aplicáveis cada vez mais a outras cidades portuguesas – creio que vale a pena dedicar-lhe hoje especial atenção.

FACTOS E IMPOTÊNCIA?

Antes do mais, cinco factos para se perceber que o sistema de recolha de lixo, como está organizado (isto é um eufemismo), parece ser uma decisão depois uma noite de insónia, de um gestor louco, que apanhara uma grande bebedeira.

Isso reflete-se aliás no curioso cartaz que encontrei na Internet:

a) O serviço camarário ocupa-se do lixo colocado em recipientes normalizados, tudo o resto que não esteja neles ou a limpeza circundante, compete às juntas de freguesia;

b) Ao domingo o serviço camarário não pode recolher lixo porque os trabalhadores mantêm direito a descanso absoluto nesse dia, numa cidade que está a ser cada vez mais (de novo) habitacional e sobretudo repleta de estabelecimentos comerciais que têm no fim de semana uma parte essencial do lixo que produzem;

c) Os recipientes e todo o sistema de recolha foram pensados para uma produção muito menor de lixo e de um tipo muito diferente;

d) Não há qualquer hipótese legal da autarquia contratar empresas privadas que tratem do lixo em certos dias ou em certas áreas;

e) Os lixos são levados a uma estação de recolha (Valorsul) controlada pela Mota-Engil e pela Urbaser (52%) e em que a CML tem apenas uma posição de 20% e nada pode decidir.

Ou seja, a Vereação de Lisboa (como outras) está, quanto aos lixos, dependente de entidades ou realidades que não controla (freguesias, legislação laboral, força sindical, impossibilidade de contratar privados, dependência de um único “comprador” final dos resíduos).

E quanto à violência e segurança, vejam-se os seguintes cinco factos:

a) A manutenção da ordem pública depende da PSP, entidade estatal;

b) A atratividade da Polícia Municipal de Lisboa depende de remunerações e outras regalias em que só o Estado tem palavra determinante, pois a legislação que regula as polícias municipais é de âmbito nacional;

c) As regras sobre consumo de droga dependem do Estado legislador e regulador;

d) A punição dos prevaricadores ou a sua impunidade depende de legislação, da investigação criminal e de decisões judiciais;

e) A entrada de imigrantes sem contrato de trabalho, as suas remunerações e horários não dependem das autarquias.

Ou seja, a Vereação de Lisboa está quanto a segurança “entalada” por normas, instituições, poderes sobre que não tem qualquer controlo e seguramente na prática nenhuma influência.

Estes problemas repetem-se, com maior ou menor complexidade, em muitas outras autarquias urbanas.

UM MOMENTO BIDEN: RISCO OU OPORTUNIDADE

Quanto a tudo isto Moedas pode evidentemente agir como o Partido Democrata em relação a Biden. Ainda mais porque tem menos poderes do que eles para resolver estes problemas.

Foi aliás o que fez a PSP: veio dizer que as populações dos bairros lisboetas são afinal histéricas ou assustadiças pois, e cito, “na freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave diminuíram, comparando com o período homólogo do ano transato".

Este parece-me ser, pois, um “momento Biden” em Lisboa.

É verdade que Carlos Moedas não pode sozinho resolver os problemas do lixo e da insegurança.

Mas tem de ter a coragem política de (nos) falar verdade, de aplicar a regra KISS, e de mobilizar os munícipes para que fique claro que fez tudo o que era possível (para além do que tecnocraticamente está a ser feito) e com isso criar as condições políticas para ser dada prioridade a estes temas.

A entrada em cena de um “grandee” do PS de Lisboa, Miguel Coelho, a propósito da icónica área da freguesia de Santa Maria Maior, é uma oportunidade e um risco para Carlos Moedas:

a) Uma oportunidade, por provar que existe uma “coligação” para enfrentar os problemas;

b) Um risco, porque se não assumir a liderança da prioridade a esses temas, vai acabar entalado neles pela aliança objetiva do CHEGA e do PS.

Ele que escolha, mas que o faça sem ilusões: na política ganha-se com coisas que agradam aos eleitores, mesmo sem méritos; perde-se com as que desagradam, mesmo sem culpa.

SAÚDE E “ANTERIOR AUTARQUIA”

E veja-se também o exemplo da Saúde a nível do Governo.

Há alguns factos incontroversos:

a) É o tema que hoje mais aflige os portugueses;

b) O Governo PS em 8 anos não conseguiu resolvê-lo;

c) O Governo AD não podia em 100 dias inverter a tendência;

d) Sejam quais forem as razões, não parece ter havido habilidade política em algumas substituições e nomeações que foram feitas;

e) Medidas foram tomadas (por exemplo quanto a atrasos em cirurgias do cancro) que são positivas e revelam sinais de mudança de paradigma.

Se o caso Biden for revisitado, é possível concluir que ele foi um Presidente acima da média, mas isso de nada lhe serviu agora e provavelmente de pouco vai servir ao seu Partido Democrata.

É também possível que o SNS não tenha solução sem uma profunda reforma que demora tempo.

Pois é, mas culpar a “anterior autarquia”, como no famoso sketch de Ricardo Araújo Pereira, ainda que justo, não dura sempre.

Ou seja, a Saúde pode ser para o Governo o que o lixo e a insegurança podem ser para Moedas. Para bem e para o mal.

Tudo é Política e é a ação política que pode tornar um problema numa oportunidade … ou ficar como problema.

O ELOGIO

Era suposto ser apenas para o que tornou possível recuperar a Casa de Aristides Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato, e transformá-la num museu e espaço de memória contra o Holocausto. O tema diz-me muito pois defendi que ele fosse votado como o maior português de sempre (pelo que simbolizava) em 2006, conseguindo-se que fosse o 3º mais votado pelos portugueses.

Mas também elogio hoje Pedro Reis e Miranda Sarmento por recusarem colocar mais dinheiro dos nossos impostos para evitar a insolvência de uma empresa, no caso a INAPA, onde a Parpública tinha 44%. Que sirva de exemplo para o futuro… já que não pode servir para o passado.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Duas sugestões que têm em comum se referirem a autores que admiro e respeito e serem divulgadores culturais de excelência.

De Carlos Fiolhais (Professor Catedrático emérito de Física, antigo Diretor da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra), “Toda a Física Divertida” (Gradiva), uma reedição atualizada desta excelente obra de divulgação científica.

E “Crítica XXI”, uma revista quadrimestral, que reúne o que de melhor tem o pensamento ideológico de Direita (Jaime Nogueira Pinto e Rui Ramos são os Diretores e Carlos Maria Bobone é o Coordenador Editorial).

Fiolhais merece também destaque pela doação da sua excelente biblioteca científica à Câmara Municipal de Coimbra, que a vai colocar acessível ao público na antiga Estação Elevatória no Parque da Cidade, junto ao Rio Mondego.

Os responsáveis da Crítica XXI (a revista tem o lema “Liberdade Incondicional”) são um estímulo para se mantenha e renove a história de revistas político-culturais, infelizmente praticamente desaparecidas em Portugal.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

O Governo anunciou hoje que vai comemorar os 100 anos da morte de Carlos Paredes em 2025 e desde já os 20 anos do seu falecimento. Excelente decisão, que me apresso a louvar.

Entretanto, em 24 de dezembro deste ano, completam-se 500 anos da morte de Vasco Gama, talvez a personalidade mais relevante da nossa História e figura da História Universal, a ponto de Toynbee ter chamado “Era Gâmica” ao que começou com a sua chegada por mar à Índia.

Uma pesquisa no Google não me permitiu encontrar nenhuma notícia de que o Governo esteja a preparar iniciativa semelhante à que em boa hora e com antecedência de 7 meses anunciou para Paredes, já com Comissão Organizadora e tudo, como deve ser.

A pergunta é óbvia: vão fazer ao camoniano “forte capitão” uma homenagem como a que farão ao “grande mestre” Paredes?

E se vão fazer, será que vai prevalecer a crítica à luz dos nossos dias ao guerreiro (Gama) e ao filiado no então partido estalinista PCP (Paredes) ou vão realçar as suas qualidades e importância histórica?

A LOUCURA MANSA

O PS e o CHEGA, em coligação conjuntural, resolveram acabar com as portagens nas ex-SCUT.

Segundo referiu o Presidente da Brisa, e não vi que fosse desmentido, isto significa que os impostos de todos os portugueses vão aumentar (ou não diminuir) 200 milhões de euros por ano, para que turistas e outros não residentes no interior sejam subsidiados, em vez de o serem apenas os ali residentes (mesmo que isso fizesse sentido, o que em minha opinião também não faz).

Esta loucura faz parte da lista das “loucuras como se não houvesse amanhã”. E falo eu que daqui a uma semana volto a deslocar-me para o interior, como espero fazer cada vez mais nos anos que me restem de vida.

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