expresso.ptMário Leite da Silva - 22 jul. 22:10

Relação Portugal-Angola: ainda há um “irritante” por resolver

Relação Portugal-Angola: ainda há um “irritante” por resolver

Sou um cidadão português a quem, há mais de 4 anos, as contas bancárias pessoais e as das minhas empresas foram congeladas a pedido da justiça angolana. 4 anos depois, tendo sido prestados todos os esclarecimentos solicitados e ultrapassados todos os prazos razoáveis para tal situação, nada mudou

O Primeiro-Ministro de Portugal tem agendada por estes dias a sua primeira visita oficial a Angola, um momento relevante nas relações entre os dois países e uma oportunidade para corrigir aquilo que corre menos bem. A justiça é, seguramente, uma das áreas em que há muito trabalho a fazer para que a relação seja, de facto, bilateral, sem qualquer tipo de vassalagem ou subalternização.

. Continuo sem acesso aos meus bens e aos das minhas empresas, sem possibilidade de me defender adequadamente e sem qualquer tipo de resposta por parte da justiça angolana relativamente ao caso. Em Portugal, esbarro também na incapacidade da justiça portuguesa para resolver a questão, refém das instruções que, para isso, terá de receber de Luanda....mas que não chegam.

Ao longo dos últimos quatros anos, apresentei vários requerimentos ao Ministério Público de Angola, aos quais juntei vasta documentação, dando sempre conhecimento dos mesmos à Procuradora-Geral da República de Portugal, uma vez que foi pública a solicitação por esta entidade, às autoridades judiciárias angolanas, de certidão da acusação proferida. Nunca obtive qualquer resposta das autoridades angolanas. Em causa está o processo- crime em que é acusada Isabel dos Santos - com quem trabalhei - por atos praticados no âmbito do projeto de reestruturação da Sonangol, entre os anos de 2016 e 2017.

Por considerar que me encontro impedido de exercer adequadamente a minha defesa – direito que assiste a qualquer cidadão de um Estado de direito – escrevi ao Presidente da República Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, em Março de 2023, sensibilizando o mais alto magistrado da nação para a situação kafkiana em que me encontro e para a necessidade de uma clarificação urgente da minha situação processual.

Analisados os meus argumentos, a Presidência da República enviou a carta ao então Primeiro-Ministro Dr. António Costa que, por sua vez, informou que a missiva tinha sido encaminhada para o gabinete da Ministra da Justiça Dra. Francisca van Dunen de onde não recebi qualquer resposta. Na esperança de que agora seja dada outra atenção ao caso, pedi, recentemente, uma audiência à atual Ministra da Justiça Dra. Rita Júdice.

Já este ano apresentei também um requerimento ao Supremo Tribunal de Angola com um pedido de separação processual - ao abrigo da cooperação judiciária internacional - e um pedido de transferência do caso para a Justiça portuguesa, para que o processo possa correr, desde já, em Portugal.

Neste requerimento, entregue a 27 de fevereiro, explico como, além de se verificarem todos os requisitos legais para a delegação do processo, o pedido é ainda legitimado pelo princípio da reciprocidade, acionado em 2018, no caso em que é arguido Manuel Vicente, ex- Presidente do Conselho de Administração da Sonangol. A aplicação deste critério foi então reconhecida por ambos os Estados e o processo aberto em Portugal foi entregue a Angola para que lhe dessem o melhor seguimento, estancando assim o que já era conhecido como o caso “irritante” que maculava as relações entre os dois países.

Sendo um simples cidadão, não tenho, naturalmente, a pretensão de que o meu problema seja, na mesma proporção, “irritante” para a relação bilateral entre Portugal e Angola, mas tenho o direito a reclamar que me seja aplicado o mesmo critério e que o processo aberto em Luanda seja entregue a Portugal para as tramitações subsequentes.

A minha defesa não conflitua com a de ninguém nem com a Convenção de Auxílio Mútuo, no quadro da qual os meus bens foram arrestados. Como afirmei na altura, a Engenheira Isabel dos Santos, que é angolana, defender-se-á em Angola. Eu, que sou português, pretendo defender-me em Portugal. Apenas peço que Angola, reconhecendo a soberania portuguesa, tal como Portugal reconheceu a soberania angolana no processo de Manuel Vicente, aceite a transferência, da minha parte no processo, para o meu país. Já há um precedente, apenas peço tratamento igual.

Reforçado pela existência de um precedente, importa, no entanto, clarificar desde já que o meu pedido de tratamento igual ao que aconteceu já entre ambos os Países, não tem associada qualquer expectativa de algum tipo de arquivamento ou solução de secretaria, mas simplesmente a esperança de, finalmente, ter acesso ao direito básico de tudo clarificar junto da justiça do meu país na qual, apesar de tudo, continuo a acreditar.

Estou certo de que no decorrer da visita que o Primeiro-Ministro de Portugal Dr. Luís Montenegro fará a Luanda a cooperação judiciária será um dos temas mais sensíveis a debater com as altas figuras do Estado angolano, no contexto das relações bilaterais que todos pretendem aprofundar. Mas será isso efetivamente possível enquanto continuar a haver um tratamento diferenciado entre cidadãos, que faz do elementar princípio da reciprocidade num mero exercício de retórica? Para que os habituais brindes, as palavras de circunstância e as promessas de cooperação a que iremos assistir nos próximos dias façam sentido, é imperativo que se façam acompanhar de uma estratégia de resolução efetiva dos problemas concretos das pessoas.

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