visao.ptsvicente - 11 jul. 08:30

Visão | A contradição do luxo

Visão | A contradição do luxo

O mercado do luxo pode estar a tornar-se demasiado caro até para quem tem muito dinheiro

Os resultados das marcas de luxo dispararam de forma estratosférica durante e após a pandemia, a refletir um aumento exponencial das vendas. Em 2023, o grupo LVMH, o maior conglomerado de marcas de luxo, ultrapassou a mítica marca dos €500 mil milhões em capitalização bolsista, enquanto o mercado dos carros neste segmento atingia os €566 mil milhões em vendas e o da hospitalidade registava €191 mil milhões.

Muitas casas como a Burberry, a Mulberry, a Richemont ou a Chanel decidiram fazer um movimento clássico nestas alturas: subir os preços, repetidamente, aproveitando o momento em que os consumidores estavam dispostos a gastar. A título de exemplo, algumas malas Chanel sofreram um aumento de 74% entre 2019 e 2023. Depois do Grande Confinamento, e graças a muitas poupanças acumuladas nessa altura, o preço das peças de alta relojoaria subiu, em média, 20%, com os consumidores a fazerem filas para ter os modelos mais desejados de cada marca e, muitas vezes, a venderem-nos em mercado paralelo.

No ano passado, os dados já mostravam um ligeiro abrandamento nas compras, o que muitos analistas adjetivaram de “normalização” do ritmo de consumo, após os picos provocados pelo fim dos confinamentos. Este ano, no entanto, as notas de análise são um pouco mais assertivas: o mercado do luxo pode estar a tornar-se demasiado caro até para quem tem muito dinheiro. Sinal disso é que marcas como a Burberry anunciaram recentemente uma redução considerável na sua estrutura de recursos humanos – cerca de 400 pessoas em 9 000 –, justificando a decisão com a quebra nas vendas.

Também muitas marcas de moda independentes, como a britânica The Vampire’s Wife, a australiana Dion Lee ou a chinesa Calvin Luo, decidiram encerrar a sua operação no decorrer dos últimos meses, afirmando que não estavam a conseguir manter-se rentáveis.

A contribuir para este contexto tem estado não apenas a falta de dinheiro da classe média alta – os grandes consumidores de artigos de pele da LVMH, por exemplo –, mas também uma absurda subida dos preços de grande parte dos bens, sem uma contrapartida que os clientes considerem fazer sentido. É claro que há marcas que contrariam este movimento, como a Hermès (mas 200 anos de História garantem muita coisa) ou da Ferrari (que subiu os preços em troca de maiores personalizações e que mantém a oferta abaixo da procura), mas, na generalidade do mercado, os sinais não são otimistas. A verdade é que o conceito de luxo também se tem alterado profunda e rapidamente nos últimos anos, e agora não chega apenas ser caro. Porque ser caro já nem sequer garante exclusividade – muitos clientes de marcas históricas não querem comprar a mesma peça que um novo milionário da tecnologia. No mesmo sentido, os novos consumidores são particularmente exigentes no que concerne aos critérios de sustentabilidade e transparência dos produtos que consomem, o que atira as marcas que se focaram apenas no preço para um cenário muito complexo. Num mundo em que as desigualdades se acentuam cada vez mais, é certo que falar do mercado do luxo pode parecer meio distópico, mas não se engane, caro leitor. São muitas destas empresas que alimentam a restante economia. Além de que, inevitavelmente, nos fazem sonhar com bens ou serviços que, possivelmente, nunca poderemos adquirir. E sonhar – como verá numas páginas mais à frente – pode contribuir para a nossa felicidade.

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