sol.sapo.ptJoana Andrade - 11 jul. 11:44

A jogada de Macron

A jogada de Macron

Mas o histerismo das hostes socialistas e comunistas gaulesas, eufóricas com uma pretensa maioria de esquerda na nova assembleia nacional, e cujos ecos se propagaram até terras lusas, esbarram com a realidade.

As notícias sobre a vitória da esquerda nas recentes eleições legislativas francesas são manifestamente exageradas.

Os admiradores de Marx, de Trotski e de Lenine terão que se refrear no lançamento de foguetes para os céus, porque, muito provavelmente, o sorriso com que se têm exibido nos últimos dias irá passar a amarelo.

A frente popular foi, não a mais votada, conforme nos querem fazer crer, mas sim quem mais deputados elegeu; porém, facto que tem de ser levado em conta, não se trata de um movimento homogéneo, mas sim de uma salganhada de quatro partidos arqui-rivais e com projectos políticos absolutamente distintos entre si.

Estes partidos concorreram em listas conjuntas com um único objectivo, o de inviabilizar uma vitória parlamentar da direita de Le Pen, pretensão que, há que o reconhecer, lograram obter.

Mas o histerismo das hostes socialistas e comunistas gaulesas, eufóricas com uma pretensa maioria de esquerda na nova assembleia nacional, e cujos ecos se propagaram até terras lusas, esbarram com a realidade, que é a de que os partidos que compõem a frente popular representam menos de um terço do total dos deputados agora eleitos, muito longe, portanto, de uma maioria absoluta que lhes permita governar.

A direita francesa, que engloba a União Nacional e o que resta dos gaulistas, junta tem maior representatividade do que toda a esquerda, e o centro político, concentrado na base de apoio de Macron, dispõe igualmente de cerca de um terço dos novos parlamentares.

Tendo em conta este cenário, é preciso ser-se dotado de acentuada cegueira para se acreditar que Mélenchon, o principal obreiro da aliança de todas as esquerdas, desde a socialista, mais moderada, até aos ultra radicais da França insubmissa, vai conseguir liderar um futuro governo. 

Também a ideia adulterada de que os franceses rejeitaram, maciçamente, o projecto político de uma direita conservadora e soberanista, que a generalidade da imprensa, acossada pelos partidos do sistema, teima em identificar como sendo de extrema-direita, não corresponde à verdade, atendendo a que o partido de Le Pen obteve mais de dez milhões de votos, bastantes mais do que os sete milhões que votaram nos partidos de esquerda e extrema-esquerda e os seis milhões e meio que depositaram a sua confiança nos partidos que integram a coligação de Macron.

Ou seja, a União Nacional é hoje o maior partido político de França, sendo que a instabilidade resultante da precipitada decisão presidencial de convocar eleições antecipadas vai jogar a seu favor e reforçá-la, a breve prazo, com o voto dos descontentes.

O sistema eleitoral francês tem destas incongruências, o de permitir que partidos mais votados sejam penalizados na distribuição de lugares no parlamento, catapultando para o topo, na câmara legislativa, quem recolheu menos simpatias por parte do eleitorado.

No entanto, a ideia que esteve na base deste regime, idealizada por De Gaulle, em que as eleições legislativas se realizam a duas voltas, foi acertada, porque tinha como ambição a de facilitar o aparecimento de maiorias absolutas, permitindo, desta forma, uma governabilidade mais eficaz.

Numa primeira volta são eleitos os candidatos que obtenham um resultado igual ou superior a 50%, sendo repescados para uma segunda volta todos quantos consigam atingir mais do que 12%, o que, na prática, implica, regra geral, uma corrida apenas a três, salvo escassas exceções.

Ou seja, na segunda volta não é obrigatório atingir-se a meta dos 50%, bastando uma maioria  simples para se ser eleito.

Durante décadas, este propósito não foi posto em causa e os governos dispuseram sempre de uma base de apoio sustentável, o que lhes conferiu a capacidade de implementar os programas sufragados pelo eleitorado.

Macron, que ficará para a História como o pior presidente desta 5ª República, cuja incompetência somente poderá ser comparada à de Holland, que o precedeu no Eliseu, veio agora pôr termo a este costume visionário, quando, por uma questão de sobrevivência política, se aliou a toda a esquerda, com o falso argumento de procurar impedir a vitória do que considerou ser a extrema-direita.

Macron, a quem, apesar da sua evidente inabilidade para o cargo que exerce, não se pode ignorar a atribuição de alguns rasgos de inteligência, tem perfeita consciência de que o perigo para a França não está nos conservadores soberanistas, falsamente apelidados de extremistas, mas sim no radicalismo de uma esquerda anti-democrática liderada por Mélechon.

No entanto, e perante o desaire de uma primeira volta em que a coligação que o suporta corria o risco de quase desaparecer do mapa político, o presidente gaulês arriscou tudo numa jogada decisiva, ao acertar com a frente popular a desistência do candidato pior colocado para enfrentar a candidatura de direita.

Com este ardiloso esquema, que veio contrariar a lógica do sistema político vigente, tanto a coligação de esquerda, protagonizada por Mélechon, como a centrista dirigida pelo ainda primeiro-ministro, sairam largamente beneficiadas, acabando por terem no assembleia nacional uma representação que está longe de corresponder à vontade expressa nas urnas pela maioria dos franceses.

Na verdade, Macron vendeu a alma ao diabo para que os partidos que o apoiam não fossem reduzidos à sua insignificância, conseguindo, justiça lhe seja feita, sucesso nesse jogo em que se envolveu, considerando que se não fossem as cerca de duzentas desistências, em ambos os campos, a coligação presidencial teria agora bem menos do que metade dos parlamentares que acabaram por ser eleitos.

E, naturalmente, a frente esquerdista estaria também muito longe de poder reivindicar qualquer tipo de vitória.

Macron não quis salvar a França de nenhum perigo imaginário, mas sim salvar a sua própria pele!

O chefe de estado francês sacrificou os interesses da Nação, da qual é o primeiro magistrado, em benefício da sua ambição pessoal, safadeza cujas consequências imediatas apontam para a ingovernabilidade do país e, a médio prazo, para o afundar da sua economia, que, por sinal, e fruto da incapacidade da administração em exercício de funções, se encontra já em queda livre.

E, bem mais grave, abriu a porta a uma esquerda radical, anti-europeia e anti-democrática, e cujo principal propósito é acabar com a riqueza e tornar todos os franceses pobres.

Em sinal contrário, um governo da União Nacional, que a lógica do sistema imaginado pelo fundador da 5ª República colocaria no limiar da maioria absoluta, isto se todos os candidatos apurados para a segunda volta tivessem ido a jogo, conforme seria sua obrigação, daria a necessária estabilidade a uma solução governativa, indispensável para o cumprimento dos compromissos internos e externos a que os governantes gauleses se encontram obrigados.

Mas a realidade, no presente, é bem diversa: os franceses ficaram reféns da estratégia suicida do seu presidente, pelo que os tempos que se seguem afiguram-se bem sombrios!

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