expresso.ptJosé Miguel Júdice - 10 jul. 20:00

As Causas. Alegorias do Bom e do Mau Governo

As Causas. Alegorias do Bom e do Mau Governo

Em Portugal, parece-me que estamos a entrar num período de acalmia e de criação das condições de concórdia e paz sem as quais o Bom Governo não pode existir

Em Siena, que foi uma República independente do Século XII ao Século XVI, no Palácio Público (Século XIV), existem os famosos frescos de temática cidadã, a Alegoria do Bom Governo e a do Mau Governo, obras de Lorenzetti, de que um detalhe (do Bom Governo) surge nos vossos ecrãs.

Talvez seja um sinal dos tempos: as alegorias estão a ser restauradas. Infelizmente é impossível analisar e desenvolver aqui o que num Século XIV mais democrático e liberal do que seria antecipável se entendia ser a resposta para esta grande questão política desse tempo e do nosso, mas vivamente recomendo que pesquisem sobre isso na internet.

O que posso dizer é que muito me lembrei ontem dos tempos que vivemos na Europa, infelizmente repletos de exemplos de maus governos em Estados, instituições e estruturas político-sociais.

Irei tentar falar hoje disso e sob essa inspiração.

FRANÇA: RISCOS DE MAU GOVERNO

Vejamos, para começar, o que nos trouxe a 2ª volta das eleições legislativas francesas.

Em primeiro lugar, uma vitória eleitoral dos moderados. Cerca de 58% dos deputados não são radicais de Direita ou de Esquerda.

Mas também é verdade que são muito radicais os programas da Nova Frente Popular (NFP) e do RN e sob essas bandeiras foram eleitos 56,5% dos deputados.

A possibilidade de um Bom Governo ou a inevitabilidade de um Mau Governo dependem disso e da possibilidade dos eleitos do NFP que não são radicais se separarem dos radicais ou de se manterem unidos e ser uma parte do Ensemble (centristas) que se junte a todos eles.

Ou seja, a questão é saber se rebenta a 2ª classificada (Ensemble) ou a coligação vencedora (NFP). Na primeira hipótese teremos seguramente um Mau Governo, mas na segunda talvez consigamos ter um Bom Governo.

Mas também pode acontecer pior: a coligação informal de desistências mútuas anti-RN, que conseguiu isolar os mais de 10 milhões que votaram RN na 2ª volta (nesse politicamente irrelevante critério a RN ganhou as eleições), não conseguir ser capaz de encontrar uma solução de Governo.

Se tivermos um Mau Governo ou se o Bom Governo falhar, se os moderados forem incapazes de isolar os radicais do LFI (Mélenchon), ou se isolando-os não forem capazes de governar bem, a consequência será muito má.

É que, se assim for, nas presidenciais de 2027 teremos com grande probabilidade a Direita radical e a Esquerda radical na 2ª volta e, em qualquer dos casos, um Mau Governo.

REINO UNIDO: ESPERANÇA DE BOM GOVERNO

As eleições britânicas deram uma esmagadora vitória aos trabalhistas, apesar da dimensão do voto popular neles ter sido pouco maior do que na derrota brutal que tiveram com Jeremy Corbyn.

Isso demonstra que foi sobretudo o Mau Governo do Partido Conservador que se afundou, mas sem dúvida que a viragem ao Centro do líder do Labour sossegou os moderados.

Mas o essencial é que as condições para o Bom Governo estão aí agora reunidas. Copiando da Sala do Consistório do Palácio de Siena, considero que Kier Starmer revela “Patriotismo, Justiça e Harmonia” e que as virtudes alegóricas do Bom Governo do Século XIV não estão em falta: O gestor virtuoso a personificar o Bem Comum, apoiado na Justiça, Temperança e Magnanimidade, de um lado, e pela Paz, Fortaleza e Prudência do outro, com a Fé, o Amor e a Esperança a pairar em cima.

Temos por certo alguma dificuldade na necessária transposição da alegoria com quase 700 anos para os nossos dias. Mas em minha opinião o essencial é então como hoje o mesmo: a defesa de um governo justo, que proteja os mais fracos, que seja pacífico e moderado, que assegure a Concórdia e a Paz cívica.

E isso ressalta ainda mais evidente se nos voltarmos para a alegoria do Mau Governo (curiosamente, este fresco estava muito mais necessitado de restauro…) com uma figura diabólica representando um Tirano, cercado de vícios e pecados capitais: de um lado, Crueldade, Traição e Maldade; do outro, Furor, Divisão e Guerra, e gravitando em cima a Avareza, a Soberba e a Vanglória.

Para o nosso tempo, dir-se-ia que a violência, o conflito interno, a guerra externa, os abusos de poder, no fundo o radicalismo, são o que define o Mau Governo.

TEMPOS DE BOM GOVERNO EM PORTUGAL?

Foquemos agora em Portugal. Não quero falar da Justiça e nela em instituições com poder próprio (apesar de tanta coisa a dizer e de me reconhecer capaz de o fazer), mas olhemos para o Estado e para Partidos Políticos.

Em primeiro lugar, Luis Montenegro está globalmente a conseguir assegurar as condições de um Bom Governo: falando apenas do que posso e quero, lembro-me do que vai ser feito na regularização da imigração, nos acordos com sindicatos, nas medidas para Transportes, Habitação, Saúde, Educação, redução de impostos e nas agora anunciadas medidas para a Economia, sem esquecer o que se está a fazer para colocar nos eixos o PRR.

Seguramente nem tudo vai ser possível, provavelmente algumas medidas não vão ter sucesso e erros serão cometidos. Mas estamos a tratar do que é um Bom Governo e não de um que seja Perfeito, que isso nem no século XIV com a ajuda de Deus se antecipava possível.

Falo também do Bom Governo de muitos sindicatos que foram capazes de optar pela Concórdia e Paz, que nascem em regra de negociações difíceis, mas de boa fé.

Continuo com o Bom Governo do PS, que se exprime na recusa do líder em defender uma frente de Esquerda (como em França), nos claros sinais de abstenção viabilizadora do Orçamento 2025, e num ambiente claro de viragem ao Centro.

Mesmo do lado do CHEGA, no meio de muitos apelos a chamar um Mau Governo, a viabilização de governos nos Açores e na Madeira, inserem-se – por muito que prefiram não o realçar – numa linha de razoabilidade e de sensatez que merece ser louvada.

Restaria falar dos partidos radicais de Esquerda. Não são diferentes do CHEGA no apelo ao Mau Governo, mas a sua real insignificância política permite-lhes sem desgaste não mostrar a menor preocupação com o problema das condições para um Bom Governo.

Em resumo, talvez paradoxalmente, não obstante a teatralidade em que os partidos gostam de se digladiar a pensar nos seus militantes e clientelas, parece-me que estamos a entrar num período de acalmia e de criação das condições de concórdia e paz sem as quais o Bom Governo não pode existir.

UM BOM GOVERNO PARA UM PACTO DE REGIME

E para culminar, gostaria de voltar ao artigo de Cavaco Silva publicado no Expresso no final do mês passado.

Como já referi mais de uma vez, ninguém em Portugal tem a preparação e a experiência de quem durante 20 anos foi Primeiro-Ministro e Presidente da República.

O seu texto foi lido incorretamente por quem o criticou ou elogiou. Cavaco não o escreveu para forçar eleições antecipadas, mas para ajudar a forçar outras coisas bem mais difíceis e essenciais:

(i) como conseguir que em 10 anos ocorra em Portugal um salto no bem-estar dos portugueses?

(ii) Para isso ser possível, como conseguir um forte crescimento da produção interna, da produtividade nacional e da competitividade da economia?

(iii) E como assegurar as condições de governança política reformadora com um governo minoritário?

Para mim, isso só será possível com um pacto de regime entre moderados: hoje com um governo da AD, mas a partir de certa altura muito provavelmente com um governo do PS.

É aliás o que se estará a fazer na União Europeia para os próximos 5 anos com a aliança entre o PPE, os Socialistas e os Liberais, para fins idênticos aos que Cavaco resumiu para Portugal.

Por isso esse pacto de regime (em Portugal e na Europa) deve ter como núcleo central alcançar um forte crescimento do PIB, com aumento da produtividade interna e da competitividade internacional.

E para o pacto de regime ter sucesso será preciso decliná-lo nas áreas da imigração, dos impostos e da redução da punção fiscal na economia, da justiça e do Estado de Direito, da reforma do Estado em Portugal (e da União Europeia) e das garantias essenciais do Estado Social.

Neste momento o PS e PNS – assumindo que o desejem fazer – precisam de tempo para se afastar da cultura política dos radicais de Esquerda, como a AD já demonstrou ter-se afastado da cultura política dos radicais de Direita.

Por isso, e até que as condições objetivas permitam o pacto de regime, a grande missão de LM é governar como se o fizesse no âmbito de um pacto de regime com a Esquerda moderada com as caraterísticas estratégicas que Cavaco resumiu, mas que tantos outros têm afirmado.

No fundo, e acabo como comecei, o desafio é a AD ser capaz de apoiar um Bom Governo, como afinal – o Mundo não muda tanto quanto às vezes parece… – há 700 anos se desenhou nas paredes de uma pequena sala, de uma pequena república numa Itália que se digladiava em guerras intestinas de guelfos e gibelinos.

O ELOGIO

António Vitorino pela entrevista que deu há dias ao Diário de Notícias basicamente sobre migrações e em que teve a coragem de elogiar as propostas para a imigração de um governo de centro-direita.

Quando falo de pacto de regime esta entrevista é um bom exemplo a copiar.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Após várias semanas, faço a última sugestão de obras camonianas. Trata-se da reedição de “Luís de Camões” de António José Saraiva, que há mais de 25 anos eu lera com entusiasmo.

E para acompanhar este grande nome da Cultura Portuguesa, proponho que leiam “Eduardo Antes de Ser Lourenço”, recolha de textos de juventude deste gigante da nossa cultura, feita por Luciana Leiderfarb.

São as duas editadas pela Gradiva, que merece elogio por mais de 40 anos a lutar pela divulgação cientifico-cultural do mais elevado coturno.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

As eleições americanas este ano parecem ser um “remake” dos anos finais do Império Romano ou de um romance de terror.

Como é possível, dirão alguns, que a liderança da maior potência mundial seja disputada entre estes candidatos totalmente inadequados, um seguramente que pelo menos por razões éticas e outro por razões de patente degenerescência?

Mas a minha pergunta é outra: que se pode fazer para que evitar esta tragédia?

A LOUCURA MANSA

A atual ministra da Cultura, em novembro e de modo enfático, afirmou ser “fundamental assumir o imperativo da restituição de bens apropriados, independentemente das condições da sua receção”, quem sabe se assim ficando na história como inspiradora do atual Presidente da República.

Já Ministra veio afirmar há dias que afinal “até ao presente, os estudos realizados do ponto de visa da apropriação não dão conta de nenhum bem cultural que esteja em condições de restituição".

Entretanto, nomeou para lhe suceder como Diretora do Museu dos Jerónimos e da Torre de Belém alguém que não tinha competência jurídica para nomear, e para dirigir o Património Cultural – Instituto Público (PC–IP) alguém que alegadamente começou logo a fazer “bullying” e a ameaçar com um acaciano código de boas maneiras os funcionários.

Como se não fosse pouco, nomeou para dirigir a Biblioteca Nacional alguém que se tornou sobretudo conhecido por se agigantar atacando grandes figuras da cultura e da edição de Portugal.

Já estou meio perdido, mas a loucura pode ser a propensão da Ministra para erros (alguns de “casting”), ou até o erro de “casting” de ter sido nomeada que algumas das suas escolhas podem revelar.

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