visao.ptvisao.pt - 10 jul. 14:11

Visão | Curtas de Vila do Conde - Um festival que dá cartas

Visão | Curtas de Vila do Conde - Um festival que dá cartas

O 32.º Curtas, que decorre de 12 a 21, coloca novamente Vila do Conde no epicentro do cinema de autor. O JL percorre o programa com a ajuda do diretor Mário Micaelo, que revela que uma das grandes novidades foi dar “carta branca” aos realizadores em foco, desafiando-os a contribuir para a programação do festival

“Se há edição do festival que eu gostaria de ver enquanto público, é esta”. Quem o diz é Mário Micaelo, diretor responsável pela 32.ª edição do Curtas de Vila do Conde.

Tal justifica-se, em parte, pela qualidade e quantidade de convidados para retrospetivas e exposições. Não se trata necessariamente de novas presenças no festival, quase todos já passaram pelo Curtas para apresentar os seus filmes e este ano merecem uma retrospetiva. O que só abona a favor da história e do prestígio do festival.

O caso mais curioso é o de Elina Löwensohn, atriz americana que é um dos rostos mais marcantes dos filmes de Hal Hartley, realizador que esteve em concurso logo na primeira edição do Curtas, em 1992, com Ambition. Agora Elina merece uma pequena retrospetiva enquanto acompanha o seu marido, Bertrand Mandico.

Mandico, por sua vez, também já esteve várias vezes em concurso, enquanto realizador de curtas-metragens, antes de se tornar um dos fenómenos do cinema francês – realizou 15 curtas antes da primeira longa, Les Garçons Sauvages, em 2018. A retrospetiva permite-nos traçar um caminho e descobrir de forma mais profunda a sua obra, desde as raízes. É sem dúvida uma das grandes figuras.

Outra é Morgan Quaintance. O artista e escritor londrino já teve filmes em exibição no Curtas, mas desta vez apresenta Efforts of Nature IV, uma exposição que ocupa a galeria Solar, sendo que as videoinstalações comunicam diretamente com os sues filmes (e outros escolhidos por si) que passam em sala.

Mais surpreendente talvez seja a escolha do galego Alberto Vásquez. Surpreendente, em parte, porque se trata de um realizador de animação. O seu mais carismático filme, Decorado, ganhou o prémio do público no Curtas e, enquanto se prepara para fazer a sua primeira longa de animação, mostra a sua obra. Uma animação desconcertante, com humor negro e personagens fortes.

A estes ainda se juntam os dois convidados da secção New Voices que, como o nome indica, se propõe a mostrar o trabalho relevante de realizadores ainda bastante jovens. É o caso da catalã Laura Ferrés, com apenas uma longa realizada, La imatge permanent; e o grego Yorgos Zois, que acaba de lançar a sua segunda longa, Arcadia.  Duas fascinantes perspetivas de cinema numa secção que, como explica Micaelo, acaba por substituir o “Da curta à longa”.

A todos estes, o Curtas concede este ano carta branca. Ou seja, o que era comum fazer com os realizadores em foco alarga-se a outras áreas, permitindo que todos façam seleções de obras que foram marcantes para o seu trabalho.

Como Mário Micaelo explica, esta secção acaba por ocupar o espaço do cinema revistado. As cartas brancas permitem uma visão ampla do cinema, que vai desde grandes clássicos a cinema emergente.

Diretamente de Cannes e Annecy

Para o Curtas ser bom, é necessário uma competição nacional forte. E é sem dúvida o que acontece este ano, beneficiando também dos filmes que se estrearam em Cannes (e por isso não passaram no Indie).

A expectativa maior vai para uma animação: Percebes, de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, que ganhou o mais importante prémio de animação da Europa, o do festival de Annecy. Para um realizador de animação, é mais significativo ganhar Annecy do que Cannes ou Veneza.

O filme vai poder ser visto pela primeira vez em Portugal no Curtas. Trata-se de um documentário de animação em que, através dos Percebes, reflete sobre um Algarve gentrificado (ver entrevista no último JL).

De Cannes vieram três curtas portuguesas, que podem agora ser vistas pela primeira vez em Portugal. As minhas Sensações são todo o que tenho para oferecer, de Isadora Neves Marques, anteriormente conhecida como Pedro Neves Marques, realizadora e artista plástica, que representou Portugal na Bienal de Veneza e que venceu um tigre em Roterdão, com Tornar-se um Homem na Idade Média; Inês Lima, com a ficção O Jardim em Movimento, que inclui uma grande dose de experimentalismo; e Daniel Soares, com a ficção Mau por um Momento.

O mais inesperado regresso é o de Pedro Caldas, realizador veterano que fez história em Vila do Conde, com prémios importantes, e que regressa às curtas, com a história alentejana Sara, Manuel e João, 14 anos depois da sua única longa, Guerra Civil, ter ganho o IndieLisboa.

(Da esq-ª para a dt-ª)  Percebes, de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves; Sara, Manuel e João, de Pedro Caldas

Em estreia mundial o curtas apresenta Os Caçadores, o novo filme de David Pinheiro Vicente, vencedor da competição nacional do Curtas, em 2018, com Onde o Verão Vai: Episódios da Juventude.

A atriz Margarida Vila-Nova apresenta a sua segunda curta como realizadora, Penélope, que fica aquém da anterior. Patrícia Rodrigues e Joana Nogueira correalizam a animação quase didática Treze vírgula catorze; Luís Costa desafia-nos com o seu Grito; e Mário Macedo traz da Croácia a ficção That’s How I Love You.

Também há uma série de estreantes portugueses no Curtas. Destaca-se O Jardineiro no Convento / A Jardineira no Convento, de Patrícia Neves Gomes, em que apresenta duas versões de um conto de Boccaccio, já levado ao cinema por Pasolini, com um grande rigor estético.

Mas também 53, de Sofia Borges, um dos mais surpreendentes filmes, com uma incursão histórica e sensorial em São Tomé e Príncipe. E ainda Amanhã não dão Chuva, uma animação de Maria Trigo Teixeira; o filme brasileiro Rinha, de Rita M. Pestana; a aventura juvenil Francisco Perdido, de Frederico Mesquita; e o documentário Deus e Meio, de Margarida Assis.

Entre os portugueses, destaca-se ainda a antestreia de Estamos no Ar, a primeira longa de Diogo Costa Amarante, realizador que venceu um Urso de Ouro, em Berlim, com Cidade Pequena, e que tem marcado presença em Vila do Conde, com vários prémios.

E, claro, há ainda espaço para o Take One, secção dedicada a filmes de escola, de onde, no passado, emergiram grandes talentos, como João Salaviza e Leonor Teles.

Será uma competição nacional bastante desafiante, em que se nota que há uma nova geração a emergir, depois da chamada geração curtas, de Miguel Gomes, Sandro Aguila e João Nicolau, entre outros. De resto, verifica-se um equilíbrio entre géneros (havendo desta vez menos documentário) e entre gerações.´

Um mundo de curtas

Esse género de equilíbrio é de certa forma replicado nos filmes selecionados para a Competição Internacional. Mas aqui tudo se torna mais difícil Mário Micaelo explica: “São mais de 5000. Começamos a fazer a seleção em outubro e depois alguns dos filmes selecionados acabam por fazer o seu percurso por outros festivais”. De resto observa: “As categorias de ficção, documentário e animação aparecem cada vez mais misturadas”.

A diversidade geográfica é tão evidente que este ano o festival até consegue ter um filme do Principado de Andorra: Friadlad, de Andrea Sanchez.

Entre outros estão The Man Who Could Not Remain Silent, de Nebojša Slijepčević, Palma de Ouro em Cannes, com Few Can See, de T, Frank Sweeney, e Workers’ Wings, de Ilir Hasanaj , premiados em Roterdão, e Making Babies, de Eric K. Boulianne, premiado em Locarno.

De regresso ao festival estão nomes com Torill Kove (Maybe Elephants), Samir Karahoda (On the Way), Florence Miailhe ( Papillon), Nina Gantz (Wander to Wonder), Nicolas Keppens ( Beautiful Men), Corina Schwingruber Ilić (Been There), e Elena López Riera, vencedora do Grande Prémio do Curtas em 2019.

Raul Brandão, João González e Rafael Toral

Uma das secções mais esperadas do festival é a Stereo. Só que desta vez, como Mário Micaelo explica, resolveram fazer algumas alterações no formato. “Já há muitos festivais de música no país, e quisemos dar espaço para algumas aventuras mais estapafúrdias entre música e cinema”. Exemplo dessa aposta é o laboratório tutorado por Rafael Toral, uma semana antes do festival, cujos resultados serão mostrados durante o certame.

Logo na abertura, João González, o autor de Ice Merchants, a animação portuguesa que chegou aos Oscars, vai interpretar ao vivo as bandas sonoras dos seus filmes, compostas pelo próprio.

A Pedra Sonha Dar Flor, de Rodrigo Areias

A Pedra Sonha Dar Flor, de Rodrigo Areias, a partir de Raul Brandão, vai ser interpretado ao vivo pelo vimaranense Dada Garbeck. Lula Pena dá um concerto para plantas, a que os humanos também podem assistir. Filipe Melo junta-se a João Pereira e a Beatriz Batarda para recriar uma banda sonora para Chris Marker. E, em volta da Inteligência artificial, mas sempre com um sentido crítico ou irónico, o projeto HHY & The Macumbas + Lunar Ring.

À parte disso, mantêm-se as habituais secções paralelas, como o Curtinhas, a pensar nos mais pequenos, além de encontros com os realizadores, masterclasses, o fórum de coprodção de animação ou uma entrevista de Bertrand Mandico a Elina Löwensohn.

NewsItem [
pubDate=2024-07-10 15:11:48.0
, url=https://visao.pt/jornaldeletras/cinema/2024-07-10-curtas-de-vila-do-conde-um-festival-que-da-cartas/
, host=visao.pt
, wordCount=1458
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_07_10_1533496551_visao-curtas-de-vila-do-conde--um-festival-que-da-cartas
, topics=[curtas vila do conde, cinema]
, sections=[vida]
, score=0.000000]