eco.sapo.ptJoana Garoupa - 9 jul. 13:24

O motim dos panamás

O motim dos panamás

Entre as várias atrações que um festival pode oferecer poderia enaltecer a organização, o cartaz, as infraestruturas, a nomenclatura do espaço, mas vou evidenciar... os brindes!

Iniciámos timidamente o verão. Os dias de maior calor fazem-nos suspirar pelas noites quentes, os churrascos, os dias longos e preguiçosos na praia, as muito ambicionadas férias e, claro, as feiras e os festivais de verão.

Já tivemos o Primavera Sound no Porto, com alguma chuva à mistura, e estamos no rescaldo de mais uma edição do gigante Rock in Rio Lisboa. Esta edição foi histórica, visto que marcou os 20 anos em Portugal ocorrendo numa nova morada. – o Parque Tejo, que recebeu 300 mil visitantes nacionais e internacionais vindos de 106 países. Esta semana temos o Nos Alive e temos ainda uma longa lista de festivais pela frente, até setembro.

Os festivais de música são eventos que, há décadas, atraem multidões em busca de experiências inesquecíveis. Esses eventos não são apenas uma oportunidade para ver artistas favoritos, mas também um espaço de socialização, cultura e, claro, de consumo. Participar num festival de música é, antes de mais nada, mergulhar numa atmosfera única. O som das bandas, a energia das multidões e o ambiente geralmente vibrante criam uma experiência sensorial completa.

Nestes locais conseguimos sentir verdadeiramente o chamado fenómeno de massas. Entre as várias atrações que um festival pode oferecer poderia enaltecer a organização, o cartaz, as infraestruturas, a nomenclatura do espaço, mas vou evidenciar… os brindes! Têm ganho um papel de destaque, exercendo um fascínio quase hipnótico sobre os participantes e são uma parte significativa da experiência.

Mas o que torna os brindes tão irresistíveis? Neste contexto, contaram-me um episódio caricato que alguém intitulou do “motim dos panamás”. O patrocinador principal do Rock in Rio (#galp) de entre as muitas atividades que desenvolveu no recinto estava a oferecer panamás. As filas eram intermináveis para receberem o dito chapéu desafiando a paciência insana dos festivaleiros para estas lides. Em determinado momento, num dos dias, alguém perdeu a cabeça e começou a gritar que queria o dito chapéu e “recuso-me a esperar, nem mais um minuto!”, repto a que se juntaram vários festivaleiros que estavam na mesma fila e literalmente “atacaram” o stand da marca. Gerou-se uma autêntica guerra campal, com e segurança reforçada à mistura, e com requintes de verdadeira telenovela mexicana.

Confesso que não é a primeira vez que oiço ou sou testemunha de comportamentos que desafiam a lógica em busca de algo tão trivial quanto um brinde. Mas o que leva as pessoas a perderem a cabeça por um objeto aparentemente sem valor? Esse fenómeno não apenas me intriga, mas também é revelador de aspetos profundos do comportamento humano e da sociedade contemporânea.

Uma possível explicação reside na psicologia do consumidor e na maneira como somos condicionados a valorizar o que é gratuito, mesmo que isso implique sacrificar tempo, dignidade e até mesmo o bom senso. Primeiramente, é crucial entender que o conceito de gratuidade ativa áreas específicas do cérebro associadas ao prazer e à recompensa. Receber algo sem ter que pagar por isso ativa um senso de ganho, por menor que seja o valor do objeto. Além disso, a escassez percebida de um brinde pode desencadear um comportamento de competição entre indivíduos, levando-os a agir impulsivamente para garantir sua parte.

Em segundo lugar, o marketing desempenha um papel decisivo ao explorar essas vulnerabilidades humanas. A promoção de “ofertas limitadas” ou “brindes exclusivos” são desenhadas para criar um senso de urgência e exclusividade, fazendo com que as pessoas ajam rapidamente antes que a oportunidade se esgote. Essa tática é tão eficaz que muitas pessoas se sentem compelidas a participar mesmo quando racionalmente sabem que estão a ser manipuladas.

Além disso, o comportamento de manada desempenha um papel significativo nesse fenómeno. Quando as pessoas veem outras a empenharem-se muito na busca do brinde, cria-se uma pressão social que reforça a ideia de que perder a oportunidade seria perder algo valioso, mesmo que o objeto em questão seja trivial.

Por fim, há também uma componente emocional envolvida. Muitos brindes são associados a marcas ou eventos que despertam emoções positivas ou aspiracionais nas pessoas. Ao adquirir o brinde, o indivíduo não está apenas recebendo um objeto, mas também reforçando sua identidade pessoal ou social através da associação com a marca.

O fenómeno das pessoas perderem a cabeça por um brinde não é apenas uma curiosidade comportamental, mas acaba por ser uma reflexão sobre como todos somos influenciados e manipulados pelo ambiente em que estamos.

Diante desse panorama, antes de se deixar ir para uma fila para receber um brinde, sugiro questionar a real necessidade do objeto, avaliar o custo real em termos de tempo e esforço investidos e resistir às pressões sociais. Em última análise, o verdadeiro valor dos festivais reside na criação de memórias e conexões, e os brindes podem complementar mas nunca ofuscar, essa essência fundamental.

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