Alfredo Pereira da Cruz - 9 jul. 07:02
A Paz através da Força – as novas realidades da Segurança e Defesa na Europa
A Paz através da Força – as novas realidades da Segurança e Defesa na Europa
A próxima cimeira da NATO em Washington será da maior importância para o futuro da Europa, talvez a mais importante na história da Aliança. Em Portugal o poder político continua calmo e sereno, parece ainda não ter compreendido a emergência securitária na Europa
Autor: Alfredo Pereira da Cruz, tenente-general piloto aviador
O dictum “si vis pacem, para bellum”, significando que “se pretendes a paz, prepara a guerra”, surgiu no reinado do imperador romano Adriano, baseado no axioma, que lhe é atribuído, “Peace through Strenght - Paz através da Força”. O tempo não apagou o axioma de Adriano, bem pelo contrário, ele continua a ser a base da dissuasão.
A Europa atravessa uma crise existencial, com ameaças que se pensava terem-se esbatido, a guerra é de novo uma realidade. Depois de décadas de um desenvolvimento económico e condições de bem-estar nas suas populações, ímpares na sua história, esqueceu, contudo, investir na sua Segurança e Defesa (S&D), abrigando-se sob o manto protetor americano. Subitamente é confrontada com novas ameaças e descobre que não está preparada para as enfrentar.
A Europa das Nações sempre resistiu às ameaças ao longo dos séculos, unindo-se. Foi assim perante a ameaça das invasões otomanas no século XVII, foi assim no fim da WW2 com as ameaças do comunismo de Estaline. Perante a invasão da Ucrânia em 2022 e da renovada ameaça da Rússia, voltou a unir-se. Veremos se a Europa das Nações, centradas agora na União Europeia e na NATO, se mantêm unidas no futuro.
A UE, mesmo atravessando tempos de tempestade, continua a ser a segunda potência económica no mundo, só ultrapassada pela florescente economia americana. A Europa descobriu que não tem as capacidades necessárias à sua S&D, esta, desde o fim da WW2, sempre foi garantido pelo apoio massivo das forças militares americanas. A realidade é evidente, não tem capacidade autónoma de defesa. A Europa não tem uma indústria de defesa desenvolvida e forte, compra 70% dos seus equipamentos militares no exterior, dos quais 63% são oriundos dos EUA, simultaneamente tem grande dificuldade de repor os seus stocks de munições. A maioria dos países europeus têm problemas com o recrutamento para atingirem os efetivos militares necessários. Muito dos jovens europeus não interiorizou, que os princípios onde Europa das nações se alicerçou, estão ameaçadas, isto é, a democracia e as liberdades.
Com o continuar da guerra na Ucrânia, a Europa acordou da sua letargia de décadas, há um claro reforço do investimento na defesa e segurança, 24 dos 32 países da Aliança, atingiram ou vão ultrapassar a fasquia de 2% do PIB nacional, o que é um sinal de mudança. A próxima cimeira da NATO em Washington será da maior importância para o futuro da Europa, talvez a mais importante na história da Aliança. A guerra veio mostrar uma mudança tectónica na segurança global, além de demonstrar que a segurança europeia deixou de ser um assunto regional, é cada vez mais global. Um dos pontos da agenda da cimeira será certamente sobre as parcerias globais, particularmente na região do Indo-Pacifico, onde a Europa poderá contribuir com as suas reconhecidas capacidades diplomáticas “soft power”.
Esta cimeira poderá ser um ponto de viragem da Aliança, tanto no médio-prazo, como em referência à guerra na Ucrânia, sobre este último, não será provável um convite formal para um eventual acesso à NATO, mas um conjunto de acordos bilaterais de defesa entre os países membros, para a edificação de medidas de confiança e, em termos práticos, apoio militar para a defesa de Kiev.
A Europa no seu caminho para o desenvolvimento de uma dissuasão credível, necessita de uma forte liderança política, seja no âmbito NATO, dentro da União Europeia, ou numa coordenação entre as duas. A Europa tem de revigorar a sua base industrial de defesa, através dos sectores publico e privado. O apoio dos EUA à S&D europeia é de vital importância, mesmo com uma administração Trump 2.0, vão continuar o seu apoio, os interesses estratégicos são mais importantes que as ideologias e o isolacionismo. O apoio à Europa, nas premissas da dissuasão pela força, será sempre mais económico para o tesouro americano do que envolver soldados em combate em solo europeu.
Vozes discordantes na Europa opinam sobre uma região completamente decadente, sem rumo e incapaz de se defender, algumas estarão certas, contudo as premissas não são verdadeiras. A Europa das Nações, velha de séculos, não vai soçobrar, certamente não atingirá os níveis áureos da riqueza e importância no mundo durante a revolução industrial, dificilmente voltará a ser uma potência militar como no passado. A sua experiência diplomática de séculos, o seu “soft power”, poderá ser uma mais-valia na dissuasão e na paz no concerto das nações.
Alguns, não a maioria, defendem, sem um racional forte, a entrega da Ucrânia à Rússia por um “prato de lentilhas”, como é o caso do plano anacrónico de paz, do candidato à presidência americano. Esquecem a ambição de uma nação de preservar a sua soberania, conseguida depois de uma luta de séculos contra o vizinho usurpador, esquecem princípios morais e éticos de um povo sofredor.
Em Portugal o poder político continua calmo e sereno, parece ainda não ter compreendido a emergência securitária na Europa.