expresso.ptHenrique Burnay - 9 jul. 09:17

Óleo de fígado de bacalhau

Óleo de fígado de bacalhau

Jordan Bardella não será primeiro-ministro, o que é bom. Para a UE, o melhor que a Nova Frente Popular tem é não ser a extrema-direita. Mas o seu programa e as posições da França Insubmissa não sossegam

O melhor que se pode dizer do resultado das eleições legislativas francesas de domingo é que foi bom porque a alternativa era pior. E que a escolha arriscada de Macron travou a dinâmica vitoriosa de Le Pen. O que não é pouco, mas não é grande virtude.

Sabemos quem perdeu, o Rassemblement national (RN) de Marine Le Pen, mas não sabemos quem ganhou porque a “Frente Republicana” foi uma espécie de junta de salvação nacional, sem outro propósito que não fosse derrotar a extrema-direita. Um propósito meritório. Mas, numa democracia liberal e numa economia funcional, ser necessário juntar esta gente toda para derrotar a extrema direita dificilmente é motivo de satisfação para lá desse sucesso.

Agora, é a confusão. Não é evidente quem está com quem e para quê, nem o que se irá passar. Até porque em França as legislativas são eleições de segunda, e está tudo já a pensar nas presidenciais de 2027.

Depois da vitória nas eleições europeias e do resultado na primeira volta das legislativas, o país político uniu-se, da extrema-esquerda à direita conservadora, para impedir uma vitória do RN. Com sucesso. Porém, os aliados só têm isso em comum. Daqui para diante, a alguns quase tudo os separa, a outros pouco os une. E os resultados eleitorais foram fruto do voto tático, não de apoios convictos. Um detalhe que os vencedores estão a desconsiderar.

Depois de uma campanha com Jean-Luc Mélenchon escondido atrás dos seus aliados menos radicais e mais moderados, para que a Nova Frente Popular não assustasse, o líder da França Insubmissa (FI) apareceu a declarar-se o vencedor da noite e a exigir que o Presidente Macron se curvasse (diante de si, presume-se), reconhecesse a derrota e oferecesse a Mélenchon e companhia o lugar de primeiro-ministro. Quem o ocuparia, ou ocupará, é outra conversa. E é aqui que começa a desunião nacional da “Frente Republicana” e, eventualmente, da Nova Frente Popular (NFP).

Mélenchon é o líder do maior partido da NFP, onde também estão os mais moderados ecologistas, socialistas e até comunistas. E, fora do seu partido, a França Insubmissa, o primeiro-ministro que ninguém quer. Sendo que o próprio provavelmente quer ser (candidato a) Presidente da República, e o lugar de primeiro ministro seria um meio, não um fim.

Como a NFP não tem deputados suficientes para formar uma maioria, precisa de contar com o apoio, ou a não objecção, de parte dos deputados à sua direita. Onde as coisas não são mais simples. Os Republicanos, a direita tradicional, dividiram-se. Para um lado, foram os poucos que aceitam o convívio com a Le Pen e companhia. Do outro, ficaram os da direita conservadora que recusam a extrema-direita, mas a extrema esquerda também. Ao meio, os apoiantes de Macron também têm alas. Uma, virava à direita e unir-se-ia facilmente aos Republicanos. A outra, mais de esquerda, poderia estar com os Socialistas e Ecologistas, mas com os Insubmissos não.

Perante este cenário, os moderados, da direita ao centro, esperam que haja traições à esquerda. Os radicais, à esquerda, confiam nos compromissos assumidos.

Depois destas eleições, o centro pode manter-se, ao mesmo tempo que os extremos crescem, ou dividir-se, recuperando o confronto tradicional entre esquerda e direita, e deixando de fora os extremos. Ou acontecer outra coisa qualquer.

Entretanto, na maioria das capitais europeias respira-se moderadamente de alívio. Viktor Órban foi a Moscovo e a Pequim falar da paz na Ucrânia como um aliado de Putin, ao mesmo tempo que criou um grupo político no Parlamento Europeu. O seu líder, Jordan Bardella, não será primeiro-ministro de França, o que é bom. Mas o programa da Nova Frente Popular e as posições da França Insubmissa não sossegam ninguém sobre a Rússia, a Ucrânia, a defesa, a NATO, o alargamento, a relação com a Alemanha ou o fundamental do modelo económico europeu e a estabilidade do Euro. Para a União Europeia, o melhor que a Nova Frente Popular, liderada pela França Insubmissa, tem é não ser a extrema-direita. E poder desfazer-se.

O resultado estas legislativas é como o óleo de fígado de bacalhau: desagradável, imposto e eventualmente faz bem, mas não é certo. E, em todo o caso, era preferível não ter de o tomar.

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