www.sabado.ptBruno Nogueira - 9 jul. 20:34

A verdade soa bem, mas sabe mal

A verdade soa bem, mas sabe mal

Opinião de Bruno Nogueira

AS PESSOAS são um bicho estranho, cheias de contradições e pontos de interrogação, a quererem ser melhores, numa busca por qualquer coisa que dê sentido a isto tudo, um objectivo maior que não as desiluda. Andam cheias de autoconhecimentos e de auto-ajudas, a apregoar a verdade como caminho para tudo, para se encontrarem, para sermos todos melhores uns para os outros, para resolvermos o que nos divide até descobrirmos o que nos aproxima.

Elas não dizem umas às outras, mas a verdade é que as pessoas não querem assim tanto a verdade. Elas estão apaixonadas pela ideia daquilo que acham que são, e não há nenhuma verdade que lhes interesse mais do que aquela que querem ouvir. Gostam da palavra porque tem bom marketing, está associada a coisas bonitas, saudáveis, coisas que vão ao encontro daquilo que de mais puro há – mas não gostam da imprevisibilidade que essa palavra traz com ela. O que as pessoas gostam é de ser enganadas, de mentiras bem ditas, uma coisa tão bem feita que quase pareça verdade. Assim ficam satisfeitas, como se tivessem superado uma prova.

Experimentem explicar a uma pessoa a verdadeira razão pela qual recusam um convite, ou porque não gostaram de determinada coisa que elas fizeram. Experimentem fazer isso, e depois vejam o que acontece a essa relação, o amargo de boca que vai ficando, a distância que se vai começando a criar entre quem diz e quem ouve. Gostam da verdade se ela for uma peça que encaixa delicadamente no espaço que lá têm guardado para ela. As pessoas não querem a verdade, querem é que lhes passem a mão pelo pêlo, que lhes digam o que elas sempre quiseram ouvir, e o resto é uma fantasia que criamos na nossa cabeça para parecer que estamos cada vez mais perto daquilo que vemos ao longe. Juan Cavia



A verdade é um caminho sinuoso, porque não tem arestas limadas, está cheia de farpas e esquinas, sítios onde uma pessoa se encosta e se magoa, não é feita de matéria leve e delicada. É preciso ter tudo muito bem arrumado dentro da cabeça para se deixar entrar a verdade. Não se deve ir à procura daquilo que não se quer ver, porque podemos encontrar. Estamos tão habituados a passar ao lado do que não queremos, a evitar o desconfortável e a abraçar o que não magoa; é disso que andamos à procura – de um sítio onde todos sejam feitos de espelhos que nos mostram aquilo que achamos que somos. Há muito pouca gente que quer ouvir uma verdade, com tudo o que ela traz às costas.

Vivemos numa era de verdades múltiplas, de narrativas sobrepostas que se contestam e se aceitam em alturas diferentes do dia. Aquilo que é e que não é vai ficando sobreposto num jogo de sombras cada vez mais indecifrável. Mas uma verdade pode ser muitas coisas, porque cada um acha que tem a sua. E depois de cada um se agarrar a uma, é preciso o cabo dos trabalhos para que aceite receber outra. Se vos convidarem para ir a uma festa, e vocês não gostarem da maneira como essa pessoa recebe, não vão querer dizer a verdadeira razão para falharem a essa noite. Vão querer dizer que estão sem tempo, ou que têm outros planos para a mesma data. Vão contornar a verdadeira razão, porque sabem que a que têm para dar vai criar um alvoroço em quem a ouve.

A verdade é uma coisa que nos apanha de repente, e que vira tudo do avesso. Há verdades que nos apanham a meio de um jantar com amigos, coisas que não sabíamos que lá estavam, e que agora fazem tanto barulho. Verdades que nem acreditamos que tenham demorado tanto para as descobrirmos. Há verdades que se camuflam para só serem vistas quando já estamos desligados emocionalmente de alguém. Elas estavam lá, toda a gente à volta as via, mas nós nessa altura tínhamos uma lente grossa que distorcia a nossa visão, e que nos impedia de ver detalhes. Ou então víamos, mas empurrámos para longe a ideia, com medo que ela se agigantasse e tornasse insuperável o que estava à frente.

De uma maneira ou de outra, há verdades que destroem vidas, e outras que ajudam a começar. A verdade é uma incógnita, porque não se sabe se vem em paz ou em guerra. Chega quando menos se espera, e instala-se no meio de alguém, a levantar perguntas e respostas que nunca arriscámos querer saber. Falar sobre a verdade é como tentar apanhar o vento com as mãos. Há noites que sou visitado por verdades que estavam mesmo ao meu lado, que me viam a mim, mas eu não as via a elas; estavam a dar-me tempo para que as conhecesse na idade certa. Talvez o melhor seja guardarmos as verdades para nós, até que alguém pergunte por elas, disposto a aceitar o embate. Caso contrário pode ser um estrondo que desordena a ordem natural das coisas. 

Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico Mais crónicas do autor 10 de julho A verdade soa bem, mas sabe mal

As pessoas não querem a verdade, querem é que lhes passem a mão pelo pêlo, que lhes digam o que elas sempre quiseram ouvir, e o resto é uma fantasia que criamos na nossa cabeça para parecer que estamos cada vez mais perto daquilo que vemos ao longe.

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