www.sabado.ptCarlos Neto - 14 jun. 12:52

Os espaços de jogo exteriores públicos para crianças

Os espaços de jogo exteriores públicos para crianças

Opinião de Carlos Neto

Numa notícia recente publicada no Jornal "El País" de 2 de junho e intitulada "Você não tem espaço suficiente: e se o problema não for muitas telas, mas pouco tempo ao ar livre?" Nesse mesmo artigo de opinião é citado um estudo da OnePoll, em que se afirma "que apenas 27% das crianças brincam regularmente na rua. Os dados são impressionantes, mas assumem outra dimensão quando comparados aos de seus pais e avós. 71% dos baby boomers (pessoas nascidas entre 1946 e 1964) jogavam na rua regularmente quando tinham a sua idade. Além disso, adultos que relataram brincar na rua quando crianças, tiveram uma auto - perceção de saúde mental consideravelmente melhor, de acordo com o estudo. Hoje em dia há uma sensação de perigo que, embora não seja real, faz com que as crianças não usem muito a rua. Tiramos crianças da cidade para colocá-las em casas ou condomínios fechados. Assim, os pais que antes brincavam ao ar livre agora proíbem seus filhos de fazê-lo sem supervisão. As coisas mudaram, argumentam, e estão certos. As ruas são muito mais seguras hoje na Espanha do que há 30 anos. Os assassínios e os homicídios caíram 30% (são cerca de 300 por ano), as mortes nas estradas diminuiram 80% (1145 mortes em 2023) e os raptos de crianças continuam a ser um fenómeno muito raro. Em 2021, segundo a associação ANAR, especializada nestes casos, foram 18 em toda a Espanha. No ano anterior, foram oito. Mas a perceção é outra. Um declínio no capital social – o grau em que as pessoas conhecem e confiam em seus vizinhos e instituições – exacerbou os medos dos pais. As redes sociais virtuais foram ganhando força à medida que as redes sociais reais, aquelas que nos ligavam ao bairro e à cidade, a perderam. A rua começou a ser vista como um lugar perigoso e foi esvaziada de crianças. Os novos empreendimentos foram construídos com essa ideia em mente, adicionando um espaço de jogo fechado. As atividades extracurriculares começaram a se popularizar para proporcionar às crianças um lazer produtivo e seguro. Na década de 1990, os pais começaram a colocar os filhos em casa ou no centro desportivo. Um relatório do Ministério da Cultura já estabelecia em 2009 que 90% dos alunos do ensino primário (6-12 anos) dedicavam as suas tardes a atividades desportivas, línguas, música ou dança."

Em Portugal esta situação não é muito diferente. Existe uma grande semelhança de comportamentos parentais e de constrangimentos quanto ao uso de espaços públicos ao ar livre que permitam oportunidades de brincar livre e com um "design" de espaços e equipamentos lúdicos que permitam seduzir as crianças para atividades de aventura e brincadeiras arriscadas. Temos ao longo dos anos apresentado algumas críticas como são adjudicados projetos de espaços exteriores de jogo para crianças feitas por catálogo e numa conceção ultrapassada do velho modelo de "parque infantil". A paisagem de espaços de jogo exteriores públicos (e também escolares) destinados às primeiras idades são desoladores, sem valor lúdico e de risco, em que as crianças não são atoras e participativas na sua conceção, construção e manutenção. A maior parte destes espaços espalhados pelo nosso país são habitualmente plastificados (cimento e sintético) e de uma padronização excessiva, numa ideia aparente de garantir a segurança das crianças. Ainda que se tenham desenvolvido algumas políticas públicas municipais, com muito interesse na perspetiva de assegurar condições ao brincar livre e participado, estamos ainda longe, como país integrado na União Europeia de termos uma consciência e uma política dirigida aos direitos das crianças a brincar na cidade. Existem muitos condicionamentos que ainda têm lugar num planeamento urbano caótico e uma invasão de trânsito automóvel que impedem uma atitude cívica e política de respeito pelas culturas de infância. A consequência tem–se centrado numa diminuição acentuada de independência de mobilidade, restrição de poderem brincar fora de casa e na rua, aumento da densidade rodoviária e um aumento considerável de currículos escolares muito saturados a par de escolas paralelas para atividades estruturadas após o horário escolar formal. Considerando ainda a progressiva e violenta apropriação do tempo de écran, estes novos dispositivos digitais vieram trazer um roubo substancial de tempo para as crianças poderem ter equilíbrio entre o brincar ativo e o tempo verdadeiramente livre para poder realizar experiências em contato com o ar livre, a natureza e contatos com os amigos no desenvolvimento de socialização. Os espaços de jogo e recreação públicos para crianças, estão muito padronizados, formatados e centrados em normas europeias muito rígidas e hipocondríacas quanto à interpretação do conceito de segurança infantil (felizmente que a situação parece estar a mudar!!!). Estes espaços e equipamentos normalizados e padronizados (parques infantis), estão concebidos e delimitados numa ótica adulta e empresarial e muito pouco na perspetiva do que as crianças gostariam de ter em termos de jogo de atividade física, jogo de risco, jogo simbólico e jogo social. As crianças necessitam de espaços de jogo públicos que lhes permitam possibilidades de perceção do espaço e território da cidade, oportunidades de descoberta e experimentação com elementos naturais, espaços menos estruturados e organizados, mais selvagens e mais livres de descoberta e interação. As crianças devem também colaborar em projetos participativos comunitários em relação à sua localização, conceção, construção e manutenção. Os projetos comunitários para a elaboração de espaços de jogo ao ar livre para crianças, deveriam mobilizar a parceria dos municípios, instituições locais, associações de pais, agrupamentos de escolas, crianças e jovens numa perspetiva pedagógica e um "design" inovador, respeitador das caraterísticas culturais e sociais de cada região e projetada para todas as idades. A cidade não deveria estar centrada apenas nas necessidades de vida dos adultos, mas numa perspetiva lúdica para todas as idades e principalmente no divertimento das crianças em poderem brincar e serem ativas considerando a saúde pública e numa visão de sustentabilidade do meio ambiente. Em muitos casos, é criticável ter espaços de jogo públicos que exigem um enorme investimento financeiro ao erário público para depois se verificar que esses espaços não são de fato utilizados de forma regular pelas crianças e seus pais ou mesmo pelas escolas.

Estamos na maior parte das vezes preocupados com a excessiva segurança das crianças nas muito pouco sensíveis em perceber as suas necessidades de confronto com a adversidade, o risco e a capacidade de adaptação motora, percetiva, sensorial, cognitiva e social. Sair à rua e brincar com as crianças é um comportamento que os pais deveriam fazer com mais regularidade. No entanto, todos sabemos como o tempo dos pais é escasso na sua vida quotidiana para terem tempo disponível para estarem com os seus filhos nos espaços lúdicos ao ar livre. Não existe também coerência entre a disposição geográfica desses espaços e o local de habitação e a localização escolar. Outro problema, normalmente esquecido, tem que ver com as acessibilidades para crianças com dificuldades de mobilidade e necessidade de acompanhamento adulto.

De acordo com evolução histórica sobre a conceção de espaços de jogo e recreio para crianças e após a elaboração da primeira legislação publicada pelo Decreto-Lei nº 379/97, foi possível alterar algumas diretrizes dirigidas a câmaras municipais e a organismos do Estado. Esta legislação foi uma grande inovação nessa altura, mas tem vindo a criar uma fobia muito negativa na forma excessiva como interpretam as normas de segurança. Muitos espaços foram encerrados, abandonados ou esquecidos e as crianças é que acabaram por ficar prejudicadas nas oportunidades de poderem brincar.

No entanto, em todo o mundo e também entre nós, a conceção de espaços de jogo e recreio está a mudar de forma progressiva para modelos mais apropriados às necessidades das crianças. Numa taxonomia simples, podemos classificar estes espaços públicos de recreação e jogo para crianças em quatro tipos:

1-Espaços de jogo tradicionais, os chamados parques infantis, que se caraterizam pela disposição, em separado, de vários equipamentos padronizados como o baloiço, balancé ou o escorrega, etc., com diferentes modelos em função da idade e sempre orientados para uma experiência individual e normalmente com superfícies em material sintético;

2-Espaços de jogo Contemporâneos, apresentando uma configuração integrada dos equipamentos, promovendo diversas funções: motoras, cognitivas e sociais. Os materiais são normalmente diversificados: madeira ao plástico, passando pelo ferro ou cordas. Proporcionam uma variedade ampla de experiências e promovem o sentido exploratório e estético das crianças;

3-Espaços de Jogo e Aventura, em que as crianças são atoras e a configuração dos espaços é dispersa e anárquica com diversos materiais soltos (loose parts). As crianças podem transformar o espaço (areia, água, elementos naturais, animais, etc.). Desta forma é possível estimular as crianças no brincar de atividade física, dramático e de construção;

4-Espaços de Jogo Especiais, tentando potenciar a imaginação e fantasia através de projetos pedagógicos e artísticos numa perspetiva naturalista e humanista. Mais crónicas do autor 14 de junho Os espaços de jogo exteriores públicos para crianças

Os projetos comunitários para a elaboração de espaços de jogo ao ar livre para crianças, deveriam mobilizar a parceria dos municípios, instituições locais, associações de pais, agrupamentos de escolas, crianças e jovens numa perspetiva pedagógica e um "design" inovador, respeitador das caraterísticas culturais e sociais de cada região e projetada para todas as idades.

07 de junho Tempo de Ser Criança

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