visao.ptsvicente - 13 jun. 08:30

Visão | Europa, olhai para nós

Visão | Europa, olhai para nós

Sim, o populismo é um voto de protesto, a extrema-direita feita de gritos de ódio e revolta, mas para lá do repúdio que certos discursos nos causem, talvez responder com desprezo não seja a melhor forma de encarar a situação

O impacto da imigração entre as populações dos países que recebem grandes vagas está devidamente estudado por esta Europa fora, e as conclusões são comuns e curiosas: as classes média e alta beneficiam largamente com a presença dos imigrantes, mas as classes baixas nem por isso.

Vamos por partes. Além das empresa que, nesta nossa Europa envelhecida, precisam de mão de obra como do pão para a boca, as classes mais privilegiadas recorrem bastante aos serviços de entrega de comida ao domicílio, restaurantes, limpezas, cuidado dos idosos. São serviços cujas vagas de emprego simplesmente não se preenchem com cidadãos nacionais e não vivem sem os imigrantes.

Já as classes mais baixas dos países de origem não beneficiam tanto destes serviços e, por outro lado, “vivem no dia a dia com as consequências sociais das políticas que segregam os imigrantes, porque habitam os mesmos espaços”, nas palavras do académico especialista em imigração Hein de Haas.

Não é que sejam prejudicados a nível laboral, já que os imigrantes preenchem vagas que ficaram vazias e vários estudos económicos mostram também que a imigração não tem sequer qualquer impacto em fazer baixar os níveis salariais. A questão é social: a vida nas periferias pobres e segregadas é partilhada. Mas não existe integração. Estamos a falar de uma imensa casa onde não há pão, ralha-se muito, o Estado ignora. Europa, olha para aqui.

Olhar para os imigrantes como meros fatores de produção, necessidades de mão de obra que suprem carências económicas e depois acabam por regressar à origem, está no centro dos maiores problemas sociais em países como a França e a Alemanha. Fingir que não existem na sua dignidade de seres humanos tem consequências.

Não é a toa que existe o estranho fenómeno em que antigos emigrantes se voltam contra os novos imigrantes. Vemo-lo até através do seu voto na extrema-direita. O choque com que se percebeu que largas comunidades latino-americanas votaram Donald Trump, o homem que quis construir um muro tão grande que mais nenhum sul-americano entrasse nos Estados Unidos da América… As comunidades portuguesas em França a apoiar a Frente Nacional, esquecendo-se que já viveram em bidonvilles e que ouviram muitos franceses dizerem-lhes: “África começa para lá dos Pirenéus.” Ainda vivem nas periferias, mas querem esquecer o que foram e as humilhações que sofreram, mostrar que agora “pertencem”, fazem parte, e os estranhos são os outros.

Nestas vidas em que há pouco sonho, porque filho de pobre pobre será e, segundo um estudo da OCDE – Organização para a Segurança e Cooperação Económica, vão ser precisas cinco gerações até que as crianças de uma família da classe baixa portuguesa cheguem à classe média.

Nem vale a pena aprender esta estatística na escola, toda a gente a aprende nas ruas das periferias, embora a escola seja aqui a palavra-chave deste novelo. Ainda é, apesar de, também neste ponto, a matemática não ser favorável: apenas 10% dos filhos de famílias pobres e com poucas qualificações chegam ao Ensino Superior.

. Tudo parece estar a incendiar esta fogueira numa Europa que começa a arder depressa demais.

A cortina de fumo feita de medo, de parte a parte, conseguiremos dissipá-la? O medo de irmos neste comboio chamado Europa…

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