www.sabado.ptDavid Erlich - 12 jun. 18:01

Jovens autoritários de esquerda (1): Climáximo e afins

Jovens autoritários de esquerda (1): Climáximo e afins

Opinião de David Erlich

A democracia representativa e o estado social são as mais belas criações coletivas da humanidade.

Como liberal, considero que uma sociedade em que elegemos quem faz a lei, expressamos as opiniões que entendermos, temos a conceção de vida boa que preferirmos e adoramos a divindade que quisermos, é um tesouro que devemos acarinhar e proteger. Como homem de esquerda, considero que o liberalismo político só se realiza quando as pessoas têm os seus direitos sociais satisfeitos: de pouco vale a liberdade formal para quem vive numa barraca, tem os dentes podres, não se alfabetizou ou trabalha dezasseis horas por dia para assegurar as mínimas condições de existência.

É desde este ângulo que tenho notado que a opinião pública se tem focado, e bem, nos reais perigos vindos da extrema-direita, mas tem branqueado as ameaças vindas de movimentos de extrema-esquerda. De menor perigosidade por contarem com menos apoio social, há porém que deixar claro: tal como no período entre guerras a democracia se viu ameaçada não só pelos fascismos mas também pelo bolchevismo, também hoje os inimigos da democracia não residem só à direita dessa grande maioria que nela se revê (e que abrange desde estatistas a capitalistas, desde progressistas a conservadores): também há uma trincheira do lado esquerdo.

Portanto, eis a série de crónicas "jovens autoritários de esquerda". Hoje, temos a Climáximo. Para aferir do seu carácter autoritário, não é preciso ir muito longe.

Logo na página de abertura do seu site, lemos, num vídeo propagandístico: "já fizemos manifestações, já escrevemos em jornais, fomos à televisão, já demos palestras e sessões públicas, percorremos 400km em Portugal para falar com as populações mais afetadas, já protestámos à porta das fábricas mais poluentes e à frente das empresas que as controlam. Tentámos tudo. Eles sabem. Eles decidiram continuar. Governos e empresas declararam guerra à sociedade e ao planeta. A crise climática tem culpados. É um ato de violência premeditado. Sabendo o que sabes, o que vais fazer?"

Voilà, três características autoritárias:

1- O uso do pronome "eles", próprio das mensagens maniqueístas, opondo um nós heroico a um eles diabolizado (retórica usada também, curiosamente, na expressão portugueses de bem);

2- A negação da contingência histórica e a adesão a teses conspirativas: "a crise climática é um ato de violência premeditado" (um discurso retoricamente próximo daqueles que acham que a pandemia também foi um ato deliberado);

3- O apelo indireto a meios violentos de ação política, patente no facto de a mensagem enumerar um conjunto de meios pacíficos, para logo a seguir destacar a sua insuficiência e nos interpelar: "e tu, vais fazer o quê?"

A Climáximo afirma, sem rodeios, que estamos num "estado de guerra". E age em coerência.

Acompanho política atentamente há vinte anos. Em fevereiro, foi a primeira vez que vi um candidato a primeiro-ministro agredido (sim, atirar tinta à cara é agressão – e são estranhos estes tempos em que os mesmos que encaram o uso do pronome errado como agressão simbólica, recorrem ao simbolismo para recusar que atirar tinta ao rosto de alguém possa ser considerado como aquilo que de facto é: uma agressão; na mentalidade de certa esquerda iliberal, há palavras etiquetadas como agressões e agressões ilibadas como se fossem palavras).

Esta ação foi do "Fim ao Fóssil", com quem a Climáximo frequentemente se solidariza. Mas, numa espécie de campeonato dos antidemocratas, no mês seguinte, a Climáximo vandalizou a sede de campanha do partido vencedor das eleições, na noite das próprias eleições. Foi também a primeira vez que, em duas décadas, vi algo assim.

Sentar-se e cortar o trânsito, impedir a saída de camiões de instalações fabris ou, até, esvaziar os pneus de SUV, são ações que se enquadram naquele agir disruptivo, quiçá moral apesar de na fronteira da legalidade, que tantas vezes fez a democracia avançar. Mas a perturbação violenta do legítimo direito de campanha política é um atentado direto à democracia. Não se vandaliza sedes de campanha, ponto. Não se agride candidatos, ponto.

Por último, cabe notar que os jovens autoritários de esquerda, como veremos nesta e noutras crónicas, defendem sempre uma ideologia muito mais abrangente do que a causa específica pela qual se manifestam e pela qual são mais conhecidos.

No caso da Climáximo, autointitulado "coletivo anti-capitalista", o que se propõe é a construção de uma nova sociedade em que, conforme se pode ler nos seus Planos de Desarmamento e Paz, sejam proibidas todas as futuras expansões portuárias e aeroportuárias, proibidos os carros de luxo e os iates, proibidos os cruzeiros e os voos comerciais; e em que seja implementada uma rede pública de cantinas veganas, o voto de crianças nas assembleias políticas autogestionárias que substituirão o Parlamento e um IRS de 99% para quem aufere mais de 150 000€ anuais.

Salvemo-nos da crise climática, mas salvemo-nos também do plano da Climáximo. Mais crónicas do autor 17:03 Jovens autoritários de esquerda (1): Climáximo e afins

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