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O Tratado Internacional Pandémico falhou?

O Tratado Internacional Pandémico falhou?

Após o impacto devastador na saúde, bem-estar e economia da covid-19, seria natural que surgisse um desejo de melhorar a resposta comum a este tipo de ameaças.

Após quase três anos de discussão e debate, os representantes das 194 nações do Planeta falharam em chegar a acordo para uma versão final do Tratado Pandémico. Trata-se de um acordo internacional, que tinha como principal objetivo a melhoria da reposta, e resoluções dos problemas e desigualdades, que a humanidade enfrentou durante a pandemia de covid-19. Porque falhou? Quais os principais pontos que afastam as partes envolvidas?

Apesar de a ideia de um tratado pandémico ser antiga, o início formal da discussão deu-se em dezembro 2021, numa sessão extraordinária da Assembleia Mundial de Saúde. Ao tornar-se realidade, seria apenas o terceiro tratado negociado e assinado sob a alçada da Organização Mundial de Saúde (OMS), após o Regulamento Sanitário Internacional e a Convenção Quadro para o Controlo do Tabaco.

Um dos principais temas que dificultam o fim das negociações é o princípio do Acesso a Patógenos e Partilha de Benefícios, ou PABS na sua sigla em inglês. Os países com menos recursos há muito que se queixam, e com razão, que a indústria utiliza amostras virais recolhidas nos seus países para fabricar vacinas, como no caso da gripe, que depois lhes são inacessíveis, ou no melhor cenário, distribuídas de forma desigual. O princípio do PABS protege tanto os países ricos, pois fica garantido o acesso e partilha de amostras microbiológicas, como os países menos desenvolvidos, pois propõe que 20% dos produtos feitos com recurso a estas amostras sejam partilhados de forma equitativa, 10% via doação à OMS, que depois distribuirá pelos países, e os restantes 10% com garantia de venda a preço acessível.

Os EUA e países da UE, ou seja, países com forte presença e influência da indústria farmacêutica, têm-se oposto a este mecanismo, enquanto os países africanos e do sul da Ásia têm colocado o PABS como linha vermelha inegociável.

Relacionado com este tema, temos outro ponto divisivo: o princípio de “One Health”. Uma adição recente ao Tratado, defendida pelas nações mais ricas, algumas das quais até condicionado a aceitação do PABS à aprovação deste princípio, pedindo igualmente a criação de um grupo de trabalho específico sobre este tema e que entre em vigor em 2026. Consiste no reconhecimento das profundas interconexões entre a saúde humana, animal e ambiental, pedindo uma resposta coerente, integrada e coordenada entre estas três dimensões. Nações com menos recursos alegam que os seus sistemas de saúde já têm dificuldades em lidar com as necessidades humanas, pelo que não é realista esperar que sozinhos consigam dar resposta ao One Health.

Por fim, o tema da Transferência de Tecnologia, Propriedade Intelectual e Produção é, sem surpresas, um tema bastante divisivo. Além de procurar assegurar uma disponibilidade produtos médicos durante uma emergência de saúde, o Tratado Pandémico também procura promover a sustentabilidade a longo prazo, via diversificação dos locais de produção. A proposta de redação dos artigos 10.º e 11.º procura dar esta resposta, e foi dos pontos mais debatidos nos últimos anos.

Países ricos e a indústria farmacêutica têm avançado com um mecanismo baseado em Termos Voluntários Mutuamente Acordados, ou VMAT na sua sigla em inglês. Os países de baixo e médio rendimento têm defendido que, em contexto de emergências globais de saúde, os termos sejam mandatórios e não voluntários. Alegam que, se os VMAT fossem o caminho escolhido, em caso de emergência a decisão final ficaria apenas do lado com mais poder, resultando em impasses ou maus acordos para os lados mais fracos da equação.

A saúde é feita de cooperação, não de competição

A solidariedade mundial não está nos seus melhores dias. A polarização política, a subida da extrema-direita e dos nacionalismos, e a influência que grupos conspiracionistas têm na agenda político-mediática de alguns países têm contribuído para o degradar constante das instituições e do diálogo internacional. A saúde é só mais um exemplo desta regressão.

Mas a saúde é feita de cooperação, não de competição. Se queremos enfrentar melhor os desafios comuns, com foco na equidade e garantido oportunidades para todos e todas, é importante relembrar que a não assinatura do tratado nesta Assembleia Mundial da Saúde não deve ser encarado como um falhanço, mas sim como fazendo parte de um difícil caminho que está a ser trilhado. O Regulamento Sanitário Internacional também se encontra em processo de revisão, e a sua conclusão trará um impulso novo à conclusão das negociações sobre o Tratado Internacional Pandémico.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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