www.sabado.ptPedro Proença - 12 jun. 19:37

A Europa por um canudo

A Europa por um canudo

Opinião de Pedro Proença

Três dias após as eleições europeias de 2024, o espaço mediático continua a ser varrido pelo vendaval do comentário político sobre o tema.

Constato do que tenho lido e ouvido que a visão de quem fala e escreve sobre o tema mais se assemelha à visão que temos quando olhamos por um binóculo ao contrário, em que a realidade, na vez de aumentada, surge afunilada e distante.

Por um lado, é notória a preocupação excessiva em retirar dos resultados destas eleições uma leitura de âmbito nacional, quase como se fosse uma segunda volta das últimas eleições legislativas.

A única leitura nacional que retiro dos resultados das europeias é que "ninguém ficou a rir-se" no espectro partidário nacional.

Tenho Pedro Nuno Santos como o maior derrotado da noite eleitoral. É que o resultado das europeias prova cabalmente que Marta Temido tem maior peso eleitoral que Nuno Santos. Tivesse Marta Temido sido candidata a primeira-ministra teríamos hoje, provavelmente, uma mulher socialista à frente do governo.

Percebo portanto o "sorriso amarelo" de Pedro Nuno Santos na noite vitoriosa do PS. Um líder derrotado nas legislativas e uma cabeça de lista vitoriosa nas europeias pode rotular Nuno Santos como um líder meramente transitório.

Da parte do PSD/AD mais do mesmo. A juventude irreverente de Sebastião Bugalho não logrou descolar a AD para lá do seu eleitorado base. No PSD ainda não foi desta que D.Sebastião ressurgiu da bruma...

O Chega sofreu o banho de realidade inerente à falta de quadros credíveis e à excessiva personalização da liderança de André Ventura, sem o qual o partido poderá estar um dia condenado à extinção. A IL terá, porventura, o sorriso menos amarelo da noite eleitoral. Por fim a extrema-esquerda (BE, CDU e Livre) reduzida cada vez mais à condição de um grupo de pequenos "partidos de bairro chique" e que pode agradecer ao controverso método de Hondt a sorte de ainda conseguir eleger alguém.

No plano da leitura europeia, os comentadores têm manifestado o seu regozijo pelo facto dos resultados globais na União Europeia (UE) ainda traduzirem uma maioria para os partidos europeistas, apontados como uma espécie de último reduto contra o crescimento dos partidos ditos de extrema-direita populista e anti-europeia.

Na indisfarçável tentação da hipervalorização do resultado do Chega e da maioria alcançada pelos partidos europeístas no Parlamento Europeu, os comentadores relativizaram o mais grave indicador destas eleições: A abstenção. Entre nós voltou a estar acima dos 60%. Mais do que isso, ninguém apontou o dedo aos únicos responsáveis pela mesma: Os políticos nacionais.

Para a larga maioria dos portugueses a UE e as suas instituições continuam a ser uma realidade distante e da qual desconfiam por ser apenas sinónimo de enriquecimento de alguns à custa das "bazucas" financeiras, de "ricos tachos" para quem vai fazer política para a Europa e de taxas de juro elevadas.

Passados 38 anos após a adesão de Portugal à UE/CEE continua a inexistir qualquer investimento sério numa informação e numa educação do cidadão relativamente à dimensão europeia dessa cidadania. Disso ninguém fala.

Quantos cidadãos terão noção que os Regulamentos Comunitários e que as Directivas da UE se aplicam directa ou indirectamente na ordem jurídica interna portuguesa, formatando ao pormenor os aspectos mais relevantes e até infímos da sua vida diária? Quantos cidadãos terão noção que nessa medida as eleições europeias assumem uma relevância superior ou pelo menos idêntica às eleições legislativas internas? Certamente que muito poucos, pelo repetido desinteresse dos eleitores.

Em 2013, o então Presidente francês François Hollande afirmou que a maior ameaça à União Europeia é a desconfiança dos cidadãos. Enquanto os políticos não perceberem ou não quiserem perceber que o desinteresse pela formação de uma cidadania europeia informada é o maior risco para o projecto europeu, o anti-europeísmo populista pode continuar a crescer. Quanto aos portugueses, esses vão continuar a olhar a UE "pelo canudo" da ignorância e da desconfiança, garantindo no futuro as maiores taxas de abstenção nas eleições europeias em toda a UE.

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