expresso.ptPedro Gomes Sanches - 10 jun. 02:26

Derrota com sabor a vitória, vitórias com sabor a derrotas

Derrota com sabor a vitória, vitórias com sabor a derrotas

Portugal já conhecia as derrotas transformadas em vitórias do Partido Comunista Português, mas ontem ficou a conhecer a derrota com sabor a vitória da AD e a vitória com sabor a derrota do Partido Shegalista (PS+Chega)

A AD perdeu as eleições: teve menos votos do que o PS e menos deputados eleitos. Todavia, a AD (leia-se, para efeitos relevantes, o PPD e o CDS), em coligação formal ou com os dois partidos a concorrer separados, teve, nos últimos 20 anos, os seguintes resultados: 1,1 milhões de votos, 33,27%, 9 deputados (2004); 1,4 milhões dvotos, 40%, 10 deputados (2009); 900 mil, 27,7%, 7 deputados (2014); 930 mil, 28,1%, 7 deputados (2019). Ontem, no contexto político mais adverso da sua história, por força de uma dupla concorrência à sua direita (Chega e IL) e à frente de um Governo com apoio minoritário no Parlamento e sujeito a recorrentes coligações negativas entre o Partido Socialista e o Chega, obteve 1,2 milhões de votos, 31% dos votos e manteve a mesma delegação no Parlamento Europeu.

Falar na AD, neste contexto é, para lá do óbvio facto de ser um actor relevante na distribuição e exercício de poder em Portugal, importante por mais 2 razões: ambos os partidos pertencem ao PPE, que, sob ameaça, conseguiu manter a sua posição maioritária, e assegura, para já, juntamente com sociais democratas e liberais, o módico de consenso europeu que tem reinado na União; e porque, em Portugal, ambos os partidos (PPD e CDS) representam uma dupla resistência – ao socialismo nepotista e situacionista do PS e ao populismo ascendente do Chega –, correndo, com isso, a cada instante, o risco de não alcançarem o poder suficiente, e tornando-se, assim, vulneráveis à “tenaz” e, portanto, à cisão, com parte dos seus eleitores a rumarem à esquerda, para o PS, e outra parte a rumar para a direita, para o Chega. E eis que este cenário foi coisa que, nestas eleições, foi empurrado para o território das especulações adiadas. Uma derrota com sabor a vitória, portanto.

O PS, em contrapartida, venceu as eleições, recuperou a primeira posição que tinha perdido nas legislativas, mas perdeu 1 deputado face a 2019, não conseguindo uma vitória expressiva (apenas mais 40 mil votos). Seria, ainda assim, uma vitória, mas é caso para dizer que é poucochinho; que é linguagem que no Largo do Rato conhecem bem. Ou seja, uma vitória com sabor a derrota.

Já o Chega, que elege 2 deputados (não tinha nenhum) e se mantém o terceiro partido mais votado – factos que seriam, em qualquer circunstância, uma vitória –, vê o seu resultado das legislativas reduzir-se para metade, colocando freio nas alucinações de Ventura: uma vitória com o amargo sabor de derrota.

É o somatório destas circunstâncias – das aspirações do PS fracamente concretizadas, das aspirações do Chega fortemente contrariadas e da resistência da AD – que faz da leitura dos resultados das eleições de ontem, não a leitura das visões sobre a Europa, mas um julgamento intercalar da política nacional. E, até ver, Luís Montenegro e a AD levam vantagem. Não por terem ganho estas eleições, que não ganharam, mas porque os seus adversários, o PS e o Chega, unidos no cinismo e na sede de poder, não sentiram o impulso que esperavam para, daqui até à votação do Orçamento de Estado, arriscarem novas eleições. Circunstância que, não prejudicando dramaticamente Ventura, compromete muito Pedro Nuno Santos.

Nada na política portuguesa mudou substancialmente: o Governo continua sem condições para governar, a ambição e a irresponsabilidade ao serviço dessa ambição de Ventura não desapareceu e a libido dominandi do PS, inimiga agora de Pedro Nuno Santos, não se esgotou. Mas enquanto o carrinho de supermercado do Governo, carregado de doçarias, não se esgotar, a AD está para ficar.

Em síntese, Sebastião Bugalho perde para Marta Temido, mas Luís Montenegro acaba por ganhar a Pedro Nuno Santos e a André Ventura. É caso para dizer, hoje que se celebram 500 anos do nascimento de Camões, que Pedro e André deverão estar a põe gelo nos pulsos, enquanto lêem o Canto 9 d'Os Lusíadas: “E ponde na cobiça um freio duro / E na ambição também”. Mas, Luís, não te convenças já que és o D. Sebastião, de quem Camões disse ser a “bem nascida segurança da Lusitana antiga liberdade, e não menos certíssima esperança (...), maravilha fatal da nossa idade, de uma árvore, de Cristo mais amada que nenhuma nascida no Ocidente (...)”. Daqui até lá, convém evitar Alcáceres Quibir desnecessárias.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

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