expresso.ptHenrique Burnay - 10 jun. 12:31

Sem esperança

Sem esperança

A Europa sai destas eleições sem lideranças óbvias. Macron e Scholz foram derrotados. Meloni e Donald Tusk foram dos poucos líderes com sucesso. Von der Leyen venceu, mas pode ser sacrificada em nome da mudança. Mas para quê?

As eleições europeias só correram bem se as compararmos com as piores expectativas. Como as piores expectativas, nomeadamente a formação de um superpartido de direita radical extremista e uma suposta predisposição de colaboração íntima da direita com a direita radical, eram injustificadas, a comparação tem de ser feita com a realidade. E a realidade é que as eleições europeias correram mal à Europa. Mas, sim, podia ter sido pior. Continua a haver uma maioria europeísta e moderada no Parlamento Europeu. Já no Conselho Europeu, onde estão os Chefes de Estado e de Governo nacionais, a situação é bastante pior.

Todos os estados membros da União Europeia são iguais, mas quando se trata de saber quem manda, há uns mais iguais que outros. No próximo dia 17 de Junho, os líderes europeus reúnem-se informalmente ao jantar para analisar os resultados eleitorais e começar a tirar consequências. Olhando para as grandes lideranças europeias, será uma ceia de derrotados. Macron e Scholz perderam de forma humilhante e perigosa. Num caso e noutro, a extrema-direita floresce durante os seus governos. Sanchéz é, uma vez mais, um líder exímio em derrotas. Os poucos líderes europeus relevantes que podem dizer que a noite lhes correu bem são Meloni, que muitos preferem que seja aliada de Le Pen (vá-se lá perceber porquê) apesar da sua aproximação ao centro, e Donald Tusk, que é o principal chefe de Estado ou de governo do PPE sentado àquela mesa. Von Der Leyen também ganhou. O seu partido europeu foi a votos e ganhou na Europa, tendo conquistado vitórias a Norte e a Sul, a Leste e a Oeste. Claro que os eleitores não votam para a presidência da Comissão nem por causa da Presidente da Comissão e não há verdadeiros partidos europeus. Mas a verdade, também, é que o seu nome foi invocado e a presidente da Comissão apareceu na campanha do PPE e é das poucas lideranças europeias a poder dizer que ganhou. Mesmo que isso possa lhe servir de pouco.

No próximo dia 17 ao jantar, quem manda àquela mesa? O PPE, que ganhou as eleições, lidera a Polónia e outros países que não são tradicionalmente os que definem o futuro da Europa. Será, ainda assim, Tusk a falar e negociar em nome dos vencedores? Tradicionalmente, estas coisas resolvem-se primeiro entre os grandes e depois acordam-se com os restantes. Que força têm os derrotados Scholz e Macron para liderar a Europa? E o quer que seja que proponham, faz sentido que seja contra ou sem o acordo de Georgia Meloni, a única líder de um grande país da UE, juntamente com Tusk, e membro do G7, que ganhou as eleições europeias? Mesmo que no Parlamento Europeu seja possível fazer maiorias sem a sua família política actual, no Conselho será mais difícil decidir sempre contra Itália. São estes os dados.

Isto significa que António Costa, o nome preferido dos socialistas para o Conselho Europeu tem boas hipóteses. Os liberais não têm grande legitimidade para exigir de novo esse lugar. Se Costa quiser, e quer, pode ser seu. Em troca, os socialistas têm de aceitar que isso se negoceia também com Meloni, claro, e prometer a eleição do candidato do PPE à presidência da Comissão, naturalmente. Será Von der Leyen? Em teoria, deveria ser. Porém, tanto Scholz como, sobretudo, Macron podem querer transformar as suas tragédias eleitorais em grandes mexidas nas lideranças europeias. Penalizar Von der Leyen pelas suas derrotas e inventar um nome que possa parecer um novo começo para a Europa.

A situação no Mundo e na Europa é a que é. O Continente precisa de tomar mais conta de si, ser mais responsável pela sua segurança e defesa; a reglobalização obriga a repensar a estratégia económica, que já não pode ser assente num mundo aberto, pacífico e crente na paz pelo comércio, mas também não pode (não deveria) ser fechado, proteccionista e estatista; os Estados Unidos fecham-se, viram-se para outro lado e podem estar a trair os interesses europeus em menos de um ano; os eleitores votaram contra as políticas verdes que os entusiasmavam em 2019; a reindustrialização é um desejo, ainda não é uma política; à volta, há muito quem queira entrar, mas os que estão dentro vão ter capacidade de os absorver, ou vão hesitar? E tudo isto dito, sobra o próximo grande problema: França.

A Europa precisava de líderes e de confiança, ou pelo menos esperança. Tem derrotados e medo do futuro.

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