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Construir nas escolas capacidade de melhoria das aprendizagens

Construir nas escolas capacidade de melhoria das aprendizagens

A retórica da descentralização está largamente por cumprir. E precisamos de um Ministério da Educação, Ciência e Inovação que dê asas às vontades, aos saberes e aos poderes locais.

Escrevo este texto baseado na magnífica obra de síntese do conhecimento disponível sobre a construção de comunidades de prática profissional e melhoria das aprendizagens de António Bolivar e Jesús Domingo (2024) desenvolvendo a tese de que a melhoria universal das aprendizagens só é possível se houver uma política sistemática de descentralização dos poderes de deliberação para as escolas e os territórios, de criação de capacidade de imaginar e transformar a gramática da escolarização, de reforço das lideranças partilhadas nos contextos organizacionais e territoriais.

Esta tese, largamente também sustentada pelo último relatório da UNESCO, desenvolve-se em três vetores:

i) uma descentralização radical de competências de deliberação para o nível local, leia-se, escolas e conselho municipal de educação.

A retórica da descentralização está largamente por cumprir. Persiste uma acentuada centralização que coarta a liberdade de pensar, imaginar e agir nos contextos em que os problemas surgem e são passíveis de resolução concertada. Esta persistência radica numa estrutural desconfiança do centro político e administrativo, mas também é alimentada pelas periferias que parecem preferir uma “democracia do acesso” a uma “democracia de deliberação”, fundada na liberdade e na responsabilidade. O conselho municipal de educação, com a atual composição e competências é, tendencialmente, um órgão inútil, embora, num outro cenário organizativo, pudesse ter um papel decisivo e central na construção de uma “regulação sociocomunitária” da educação, única forma de escapar ao centralismo e de fazer ver que o centro pode ter um papel muito relevante se prescindir dos poderes burocráticos inúteis.

Aliás, a este propósito, faz sentido evocar a célebre experiência piloto de “delegação de competências” do Programa Aproximar, protagonizado em 2013 pelo agora ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e que contratualizou com 15 municípios um ousado programa de efetiva descentralização. Embora tenha tido uma geometria variável, o facto é que transferiu para o local (escolas, conselho municipal, município) mais de 134 competências atribuídas aos serviços centrais do Ministério e sendo a grande maioria transferidas para as escolas. Como acontece com demasiada frequência, o programa não foi avaliado, houve um desperdício de um valioso capital de conhecimento e um novo ciclo político avançou para uma lógica de descentralização claramente regressiva.

ii) transformação, a gramática da escolarização.

A par da descentralização radical, precisamos de reimaginar os modos, os tempos, os espaços de escolarização. Como reconhece o relatório da UNESCO (2021) “as arquiteturas, espaços, horários, cronogramas de aulas e agrupamentos de estudantes nas escolas devem ser reimaginados e elaborados para desenvolver as capacidades dos indivíduos para trabalharem juntos”. Este é um passo decisivo se tivermos a vontade e a ousadia de mudar as estruturas anquilosadas que não permitem personalizar as aprendizagens e implicar os alunos em processos participativos de construção do seu próprio futuro.

iii) reforço das lideranças partilhadas (mais do que distribuídas) nas organizações e contextos educativos.

Como reconhece a literatura, a liderança é, a seguir ao poder transformador dos professores, a variável mais determinante na construção de cenários de aprendizagem que deem outro sentido aos processos de escolarização. Precisamos de as capacitar, de as envolver, de acreditar nas inteligências disseminadas por todo o país. E precisamos de um Ministério da Educação, Ciência e Inovação que dê asas às vontades, aos saberes e aos poderes locais. Precisamos de um contrato de confiança que promova, de facto, uma escola mais inteligente e inclusiva, seguindo padrões diversos e diferenciados, não universalmente prescritos.

Precisamos, enfim de enfrentar um triplo desafio: pessoal, interpessoal e organizacional, sendo que a dimensão coletiva é a mais relevante. Precisamos de ousar a liberdade e a responsabilidade individual e coletiva em que os profissionais trabalham juntos para melhorar a prática educativa mediante a criação de clima de confiança, entreajuda, gratificação e celebração.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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