visao.ptSARA NUNES - 9 jun. 17:39

Visão | Da Inquisição católica à islâmica

Visão | Da Inquisição católica à islâmica

Parece inacreditável, mas o Tribunal do Santo Ofício, em época medieval e de má memória, ainda conseguia ser mais racional e humano do que a actual “inquisição islâmica”. Ao menos havia lugar a um arremedo de processo judicial, mas nalgum mundo islâmico parece que nem isso

A organização internacional Ajuda à Igreja que Sofre (Fundação AIS) reportou que uma família cristã do Paquistão foi violentamente atacada por uma multidão de extremistas muçulmanos no final de Maio, abrindo assim uma nova vaga de terror contra os cristãos.

O aspecto mais nuclear do Tribunal do Santo Ofício era a denúncia. Sabe-se que a Inquisição estimulava a denúncia e premiava os delatores, que muitas vezes acabavam por “herdar” parte dos bens do denunciado. Mas o que estava quase sempre por detrás do acto delatório era um sentimento nada cristão de inveja pelo sucesso alheio, de ciúmes ou mesmo vingança. As questões do foro sentimental ou de concorrência comercial constituíam território fértil para se acusar falsamente alguém de heresia.

Pois é exactamente isso que está a suceder hoje no Paquistão, desta vez no âmbito do Islão. Nazir Gill Masih, de 74 anos, proprietário de uma fábrica de calçado na colónia de Gillwala Mujahid em Sargodha, Punjab, foi espancado após uma falsa acusação de ter queimado páginas do Corão. De manhã cedo a família foi atacada por uma multidão enfurecida que saqueou e incendiou a fábrica e a casa.

Embora dez membros da família tenham conseguido escapar, Nazir foi cruelmente espancado e ficou gravemente ferido antes de a polícia chegar e conseguir afastá-lo da multidão, que agrediu igualmente quem se meteu no meio tentando evitar o crime. Nazir foi levado para o hospital de Rawalpindi, mas não resistiu aos ferimentos e acabou por morrer dias depois.

O crime de blasfémia, presente no ordenamento jurídico do país pode mesmo ser punido com a morte ou prisão perpétua. Mas a evidência é que a blasfémia é frequentemente utilizada de forma abusiva para fazer falsas acusações, e acto contínuo as multidões fanatizadas tomam o assunto em mãos e lincham os suspeitos.

Este tipo de crime, que integra a legislação de vários países muçulmanos, torna-se assim numa terrível arma de arremesso contra quem quer que incomode, em especial contra minorias religiosas em vários países que seguem o Islão. Quando a acusação é dirigida contra quem integra uma minoria religiosa é muito fácil suscitar a fúria dos fanáticos, como terá sucedido neste caso. Crê-se que os ataques contra Nazir e família terão sido motivados por rivalidades comerciais e disputas pessoais.

Acresce que a polícia chega sempre tarde ao teatro dos acontecimentos e raramente intervém. Por sua vez o sistema judicial raramente actua assertivamente contra os criminosos com receio da população fanatizada. Por outro lado as autoridades também não tomam providências no sentido de evitar que a população faça justiça pelas próprias mãos, como tem sucedido de forma reiterada.

Urge tomar medidas a fim de garantir que tais incidentes não se repitam. Até porque ainda em Agosto de 2023 houve tumultos de Jaranwala, devido a outra falsa acusação de blasfémia, quando se espalhou o boato de que dois irmãos tinham desrespeitado o Corão, daí tendo resultado que os cristãos foram atacados por uma multidão, vendo as suas casas e locais de culto destruídos.

Um sobrinho da mais recente vítima declarou que “o papel da comunidade internacional e dos meios de comunicação social é essencial para pressionar o Paquistão a proteger as suas minorias religiosas da mentalidade extremista.” A comunidade cristã no Paquistão sente-se insegura e muitos partiram para outras terras a fim de encontrar abrigo e consolo junto de familiares.

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Embora o Conselho de Ideologia Islâmica paquistanês tenha apelado aos tribunais especiais para punirem “aqueles que cometeram crimes hediondos” contra a família e património de Nazir, sublinhado a urgência de prevenir a violência da multidão e qualificado os ataques como “desprezíveis” e “não islâmicos”, duvida-se que as 44 pessoas presas pela polícia sejam mesmo levadas à justiça ou condenadas pelos crimes cometidos.

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