expresso.ptMiguel Sousa Tavares - 6 jun. 22:57

Lisboa, cidade perdida

Lisboa, cidade perdida

Primeiro são os lisboetas expulsos da sua própria cidade. Depois, vai ser preciso inventar outro país para onde os portugueses possam fugir

Cada um sabe do que gosta, pelo que muitos discordarão do que se segue. Fui um lisboeta de adopção desde a infância, mas só aprendi a gostar de Lisboa já na idade adulta e terminado o sufoco do Estado Novo: sem dúvida que uma e outra coisa estavam ligadas, pelo que não posso culpar a cidade disso. Quando era pequeno, em casa dos meus avós, numa das colinas da cidade, subia a um terraço e de binóculos em punho ficava fascinado a ver os paquetes que acostavam ao cais da Rocha do Conde de Óbidos e depois partiam, rebocados Tejo fora, soltando um apito de despedida da cidade, um apito triste. Eram os italianos “Saturno” e “Vulcano”, o inglês “Queen Mary I”, o francês “France”, elegantes, misteriosos, desembarcando passageiros silenciosos e discretos. Hoje vejo os paquetes encostados em frente à Casa dos Bicos, monstruosos, grandes como urbanizações, os maiores poluidores da cidade, despejando nela 700 mil passageiros por ano e por algumas horas, para o circuito da beira-rio e dos pastéis de nata, ruidosos e absolutamente alheios à “Lisboa e Tejo e tudo” de que falava Pessoa. Mas isso, os novos paquetes, de que Barcelona e Veneza já se vão livrando, é apenas uma das coisas que num ápice, mas à vista de todos, vêm paulatinamente fazendo de Lisboa uma cidade prostituída ao turismo e roubada aos seus habitantes.

Já é Subscritor? Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para continuar a ler
NewsItem [
pubDate=2024-06-06 23:57:00.0
, url=https://expresso.pt/opiniao/2024-06-06-lisboa-cidade-perdida-53000b3f
, host=expresso.pt
, wordCount=247
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_06_06_1894313103_lisboa-cidade-perdida
, topics=[opinião]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]