expresso.ptRui Lage - 16 mai. 17:59

Quando é que perguntam à AD se vai entender-se com a extrema direita no Parlamento Europeu?

Quando é que perguntam à AD se vai entender-se com a extrema direita no Parlamento Europeu?

Até à data, desconhecemos a posição da AD sobre as alianças já consumadas pelos seus congéneres europeus com a extrema-direita, nalguns países. Como desconhecemos o que pensa de um entendimento com a trupe de Meloni e Abascal, após o dia 9 de Junho

Estou distante de Sebastião Bugalho na sua leitura do país e nas soluções que preconiza para vários dos nossos problemas. Isso não me impede de repudiar a tentativa de lapidação mediática de que foi alvo a sua escolha para candidato ao Parlamento Europeu, com copiosas pedradas de cinismo e ciúme. Sebastião Bugalho expõe as suas ideias no espaço público de forma temerária, há anos, sujeitando-se à crítica e ao contraditório, como fazem os políticos dignos desse nome. Talvez os seus colegas de profissão pudessem escrutinar com igual zelo os vários candidatos em lugar elegível nas listas às europeias. Salvo meia dúzia – com Francisco Assis à cabeça – ignoramos o que pensam sobre o projeto europeu. Eles agradeceriam a oportunidade para mostrar o que valem. Uma vez eleitos, o seu voto valerá o mesmo que o voto de Sebastião Bugalho. E não são assim tantos.

Na apresentação da sua candidatura, o ex-comentador fez um discurso europeu na forma e na substância, em vez de usar a Europa como pretexto para a politiquice interna, um velho hábito do partido que o escolheu para cabeça de lista. Esperemos que Bugalho, sendo um independente, prescinda desse registo. Não se pode dizer que a sua prestação no debate da SIC seja auspiciosa, pois é dele a tirada mais demagógica, quando acusa o PS de ter entregado a política de imigração a redes de tráfico. Se as questões europeias são hoje questões eminentemente nacionais, isso não significa que todas as questões nacionais tenham dignidade europeia.

Mas há uma grave omissão nos seus pronunciamentos. Apresentando-se como defensor da democracia – o que não ponho em dúvida – Sebastião Bugalho omitiu que a família política que vai integrar daqui a menos de um mês, o Partido Popular Europeu (PPE), alberga partidos que se aliaram a inimigos da democracia e da União Europeia, em alguns Estados-membros, através de arranjos governativos ou de incidência parlamentar. É assim na Suécia e na Finlândia. Em Espanha, o partido irmão do PSD só não formou Governo com o Vox porque Pedro Sánchez lhe passou a perna. Mas talvez o arranjo mais funesto para o futuro do continente seja o que sustenta o governo de Itália. Um vice-presidente do PPE, Antonio Tajani, senta-se no conselho de ministros ao lado de Matteo Salvini e Giorgia Meloni. Tajani, que foi presidente do Parlamento Europeu e é o sucessor de Berlusconi no Forza Italia, já se posicionou publicamente a favor de um acordo entre o PPE e os Reformistas e Conservadores Europeus (ECR) para governarem as instituições europeias a partir de Junho de 2024. O ECR dá guarida a partidos como os Irmãos de Itália, de Meloni, o Vox, de Santiago Abascal ou os Democratas Suecos, que têm raízes fascistas. Manfred Weber, o líder do PPE, faz-se de sonso. A atual presidente da Comissão Europeia, também do PPE, seguiu-lhe as pisadas e abriu há dias a porta a entendimentos com o ECR, que professa uma ideologia nacionalista e ultraconservadora.

Até à data, desconhecemos a posição da AD sobre as alianças já consumadas pelos seus congéneres europeus com a extrema-direita, naqueles países. Como desconhecemos o que pensa de um entendimento com a trupe de Meloni e Abascal, após o dia 9 de Junho. Esse silêncio tem beneficiado de um livre-trânsito na comunicação social. Mas já que os jornalistas e entrevistadores não colocam as perguntas, coloco-as eu: considera a AD que aquelas alianças são inofensivas? Acredita que não terão impacto na resposta europeia ao imperialismo russo? Ou no próximo alargamento? Ou na reforma institucional da UE e do seu modelo de financiamento? Pensa a AD que tais confluências são compatíveis com o Pacto Ecológico Europeu ou com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais? Crê a AD que isso deixará incólume, entre outros, a promoção da igualdade de género, os direitos das minorias ou a política para os refugiados e os imigrantes?

Os sinais e os gestos mais recentes do PPE apontam para o rompimento do cordão sanitário que, até à data, separava o campo dos europeístas do campo dos nacionalistas. Sugiro a Sebastião Bugalho que medite o sentido de voto do PPE numa série de votações recentes. Posso adiantar trabalho e referir que a sua família política se absteve na Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de Janeiro de 2021, sobre o acesso a uma habitação digna e a preços acessíveis para todos (o ECR votou contra). Se escolho este exemplo é porque o manifesto da AD propõe inscrever a habitação na Carta dos Direitos Fundamentais da UE. O cabeça de lista chegou a falar, numa entrevista, na emissão de dívida conjunta para construção de habitação europeia. Podia ter referido que a verba inscrita no PRR, por um governo do PS, para construir habitação acessível, provém justamente da emissão de dívida conjunta que financia os PRR europeus. Quando, há meio ano, o ex-Primeiro-ministro António Costa enviou uma carta à Comissão Europeia para que esta elegesse a crise da habitação como uma prioridade, o ex-eurodeputado Paulo Rangel apressou-se a acusá-lo de atirar responsabilidades para Bruxelas. Em que ficamos? Não me recordo de Sebastião Bugalho ter secundado o ajuizado apelo de António Costa.

A Europa fez-se e faz-se nos consensos. Nas últimas décadas, esses consensos foram alcançados entre o PPE, os socialistas e os liberais, com a colaboração dos Verdes e até da extrema-esquerda em várias matérias. A chamada “grande coligação” foi leal ao cordão sanitário, a fim de isolar os inimigos da UE. Por isso, a pergunta que se impõe à candidatura da AD é se pretende manter ou romper esse cordão sanitário. E que consensos vai favorecer no próximo quinquénio das instituições europeias. Planeia descartar os socialistas europeus e encostar-se aos nacionalistas do ECR? A resposta a essa pergunta tem consequências de monta para o futuro da União Europeia e do continente europeu.

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