eco.sapo.ptJoão Rodrigues Pena - 16 mai. 15:17

The Trusted Advisor

The Trusted Advisor

O Assessor Sénior deve saber conquistar uma relação de respeito e confiança mútuas com Acionistas de Grupos Familiares.

A. O problema: muitos Grupos Empresariais Familiares não se deixam ajudar

Não obstante as suas muitas virtudes, a maioria dos Grupos Empresariais de raiz Familiar tem uma tendência intrínseca e profunda para se fechar ao exterior. Podemos observar esta tendência em várias características de grandes e médios Grupos Empresariais familiares, por exemplo: nos regulamentos que obrigam o CEO a ser da Família, podendo prejudicar naturalmente a competência do lugar; no modelo de relação com a Bolsa de Valores se estiverem cotadas, que é simplesmente cosmética e na realidade tudo se trata como se o capital fosse todo da Família; ou porque, e isto ainda é mais frequente, decidiram que todas as questões importantes envolvendo a Família e às vezes a sua relação com o Negócio são para serem tratadas no seio da Família, sem ingerência de pessoas de fora.

Este último ponto é central do artigo de hoje. Claro que as grandes e médias Empresas Familiares contratam especialistas em muitas áreas, mas é para tratar de questões com um âmbito limitado e as interações entre os acionistas ou a gestão de topo e estes especialistas estão muito bem restringidas aos aspetos técnicos essenciais do trabalho contratado. Quanto a partilhar os desafios realmente importantes da Família e do seu Negócio com alguém de fora cruzes credo nem pensar – porque “já sabemos tudo e é uma perda de tempo e dinheiro quando podemos ser nós a tratar como sempre fizemos”, ou então porque “isso de ter alguém aqui a mexericar nas coisas da Família é inconcebível, o que iria pensar o avô”.

No fundo, sabemos bem que a explicação para estas desculpas é muito simples: É o clássico medo de abrir a Caixa de Pandora que todas as Famílias Empresariais têm desde a sua fundação. E quando é assim gera-se no foro Acionista o terror de ver abalada a pax romana instalada na Família há gerações e o medo do que resultará de ter tudo cá fora de maneira aberta e transparente e das mudanças que isso trará – tal e qual como a história do ratinho a quem mudaram o lugar do queijo.

A caixa aberta pode revelar aspetos reprimidos em segredo coletivo que os Acionistas não se apercebem ser uma bomba-relógio potencialmente mortal para a unidade familiar quando alguém carregar no botão. Mas na maior parte das vezes são elementos profundamente emocionais facilmente eliminados com a ajuda de um profissional de fora da Família. No processo de revisão de um Protocolo de Família com três ramos acionistas descobri que existia um profundo recalcamento de um desses ramos com outro derivado de abusos no uso de uma pequena casa de arrumos de um ramo pelo outro quando repartiam o uso da Quinta nas férias de Verão. Este exemplo é paradigmático porque convencemos as pessoas a falar abertamente no assunto no assunto e conseguimos, décadas depois, retirar finalmente o elefante na sala e lançar as bases para uma relação melhor entre os Acionistas.

B. The Trusted Advisor: a resolução do problema através da arte de David Maister

The Trusted Advisor é, seguramente, o livro mais famoso e mais referenciado no mundo dos Serviços Profissionais. O autor David Maister está na liga dos grandes gurus da gestão das últimas décadas, ao lado de Peter Drucker, Hamel e Prahalad, Tom Peters ou Michael Porter. Encontramos David Maister nas estantes dos gabinetes dos melhores advogados, consultores de estratégia, consultores operacionais, auditores ou especialistas em matérias específicas como marketing ou recursos humanos. Tive o privilégio de passar uma semana num Senior Partner Bootcamp com David Maister nos EUA quando liderava a Kearney em Portugal, uma experiência inesquecível. Ainda hoje, The Trusted Advisor é uma das quatro ou cinco obras de referência de consulta recorrente.

O que esta obra seminal aporta é precisamente o conjunto de princípios para ajudar um profissional externo estabelecer uma relação de respeito mútuo, aportar um aconselhamento eficaz e conquistar a confiança do Cliente. Não obstante ser aplicável a muitos tipos de serviços profissionais, as recomendações de Maister atingem a máxima eficácia em assessoria customizada (counseling, aconselhamento…) a Grupos Empresariais Familiares em tópicos delicados como estratégia, governança acionista e societária, gestão da próxima geração ou preparação da sucessão. São princípios direcionados para o assessor externo construído sobre uma análise de tipologias de comportamento de Grupos Empresariais Familiares baseada em dezenas de casos reais porque cada caso é um caso.

É impossível partilhar aqui a riqueza das 500 densas páginas de material de alta consistência, perceção e pragmatismo, mas há três aspetos fundamentais que se destacam: definir confiança, entender como se conquista em geral e entender os atributos específicos das empresas para afinar a abordagem da conquista da sua confiança.

C. Como se conquista a confiança do Cliente Empresa segundo David Maister

Há cinco elementos que agregados determinam a confiança e que podem ser imaginados numa equação T = (C+R+I) /S onde T é Trustworthiness, Confiabilidade; C é Credibilidade; R é Reliability, Fiabilidade; I é Intimidade e S é Self Orientation, Auto-Orientação. Sendo fácil perceber os primeiros quatro elementos, o último merece uma explicação – significa estar genuinamente focado no Cliente, no Grupo Empresarial, e fazer sentir isso mesmo sem sombra de dúvidas. Para construir confiança é necessário dominar os cinco elementos, mas na assessoria de topo de que falámos acima isso só é possível se conduzidas por profissionais seniores com uma longa carreira de consultoria de topo e de gestão de grandes grupos empresariais e uma personalidade ao mesmo tempo assertiva, mas maleável para ser eficaz quando se sabe que cada caso é um caso.

Clarificados os elementos, como são usados no processo de conquistar confiança? Maister propõe um modelo com cinco etapas que não precisa de explicações, fala por si:

D. Reconhecer os atributos próprios distintivos do Grupo Empresarial Familiar para conquistar a sua confiança

A generalização tipo one size fits all pode aplicar-se em muitas áreas de serviços profissionais, mas não na assessoria a Acionistas de Grupos Familiares no conjunto delicado que descrevemos acima e que constituem o foco de empresas internacionais como a ARBORIS em Portugal. Cada caso é um caso em todos os sentidos. Por isso é critico perceber logo ao início a personalidade, a cultura, os atributos, o ethos, a visão do mundo e as motivações. Para ilustrar esta abordagem, vale a pena refletir sobre alguns tipos de Grupos Empresariais mais difíceis que Maister ensina a gerir …

  • Tipo 1 Só quero os factos

“Deixe-se de coisas e diga-me os factos, responda quando eu perguntar, não me venha vender, que preço tão alto é este? Aqui quem manda sou eu”

  • Tipo 2 Deixe do meu lado, eu depois digo algo

“Isso parece ótimo, mas não quero fazer promessas, tenho de pensar nisto com calma, tenho de ver isto com outras pessoas e preciso de falar com alguns Presidentes de empresas onde tenham feito este trabalho”

  • Tipo 3 Você é que é o perito, você é que tem de saber!

“Então o que acha que nós devemos fazer? Já perdi muito tempo a explicar-lhe tudo, já passaram meses. Você é que é o perito. É que sabe disto. E então como ficamos?”

  • Tipo 4 Vamos dar mais uma voltinha nisto

“O quinto draft está a andar bem, mas o diabo está nos detalhes, as nuances podem matá-lo a si. Estes drafts de ensaio são muito úteis, especialmente para os comités de staff”

  • Tipo 5 Tem de ser uma coisa mais tipo, tá a ver.… você percebe, ande lá com isso

“Eu quero que você, tá a ver, faça acontecer. Traga uma mensagem clara. Isto é uma coisa simples, nós só precisamos da sua ajuda para pôr a coisa a funcionar, para gerir a coisa, para fazer acontecer, tá a ver. Escreva lá em detalhe o que eu acabo de lhe dizer”

  • Tipo 6 Você não está a perceber nada disto!

“Você não percebe o nosso negócio. Isto não é Lisboa nem Porto, isto é Coimbra! Você está cá há pouco tempo e não percebe nem podia perceber as particularidades de Coimbra e como isso influencia a nossa empresa”

Com a proliferação destes comportamentos, muitos Grupos Familiares estão a perder o seu maior fator de vantagem competitiva – a aura de confiança que a integridade, a competência, a coerência ou a abertura ao exterior que sempre os distinguiu dos não-familiares. Já não falamos da confiança do Grupo Empresarial Familiar no Assessor, mas sim da confiança da Sociedade em geral no modelo empresarial familiar que, segundo vários estudos, está a atravessar uma penosa erosão.

E. E o que vemos em Portugal na atitude dos Grupos Familiares?

Estes exemplos de tipos de comportamento difícil do líder de um Grupo Empresarial face ao seu Assessor ou candidato a Assessor são idiomáticos e espelham bem a realidade nas décadas que temos de experiência em consultoria de alta direção. Até poderíamos colocar nomes caso a caso.

Nos três anos de vida da ARBORIS, tem sido cada vez mais frequente depararmo-nos com Grupos Empresarias com comportamentos difíceis, especialmente nos tipos 2, 4 e 5. A maior delicadeza dos assuntos em jogo pode justificar mais hesitações, adiamentos ou promessas canceladas. Mas, como diz David Maister, não faltam casos que estejam perdidos por maior que seja o talento do assessor para os recuperar. Dá como exemplo a comunicação verbal duma adjudicação para começar o programa no mês que vem, mas a carta assinada nunca é devolvida e as esperanças do assessor vão-se diluindo no tempo, com o silêncio do Presidente do Grupo, os mails não respondidos e as chamadas não atendidas. Naturalmente que, esta falta de respeito pelo assessor só mancha a imagem e reputação de ética e seriedade – não só do Presidente, mas de todo o Grupo e Família que representa. O que é particularmente prejudicial em Portugal que é uma aldeia onde tudo se sabe.

Não obstante, ainda prevalecem os Grupos Empresariais Familiares com quem a ARBORIS possui uma relação de confiança com uma alta nota em todos os fatores da equação que vimos atrás, quer exista ou não (ainda!) a materialização dessa confiança num desafio profissional concreto. E nestes Grupos o respeito mútuo anda de braço dado com a confiança.

Muito tenho escrito nesta coluna sobre os atributos distintivos e padrões culturais e comportamentais dos Grupos Empresariais Familiares e quão virtuoso e criador de valor este modelo tem sido ao longo de décadas face aos Grupos não-familiares. No entanto, está a tornar-se claro um crescente fecho a ideias, perspetivas e suporte ativo nos assuntos mais marcantes do foro acionista de negócio, críticos para a preservação do Grupo no futuro assegurando níveis de alto desempenho. Ao mesmo tempo, a confiança, pedra basilar das vantagens competitivas dos Grupos Familiares, está em rápida erosão em boa parte por incúria dos Acionistas.

Neste quadro nada favorável, os Grupos Familiares têm nos assessores de topo uma oportunidade de atacar estes problemas construindo de coração aberto entre ambos uma relação sólida de confiança e respeito mútuos. É esta relação que a experiência mostra ser de enorme valor na geração de novas ideias e oportunidades, no fortalecimento do governance acionista e societário e na criação das condições de preservação do legado para as próximas gerações e fazer com que estas estejam elas próprias bem preparadas para o fazer crescer e valorizar.

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