expresso.ptJoão Dias da Silva - 16 mai. 11:59

O pacote, alguns desafios e um conselho

O pacote, alguns desafios e um conselho

O programa do governo é amplo e ambicioso, tocando em praticamente tudo o que é essencial para o país prosseguir o seu caminho de transformação sustentável. No entanto, coloca-se a questão: será possível implementar estas iniciativas e acelerar o desenvolvimento sustentável do país no atual contexto de instabilidade governativa, reivindicações e limitação de recursos?

Quando nos debruçamos sobre os aspetos relacionados com Sustentabilidade do programa de governo, encontramos um pacote de medidas abrangente, bem-intencionado e bem integrado nas diferentes vertentes da ação política. Há vários desafios no horizonte, mas também um tema estruturante que será decisivo para a concretização de objetivos no longo prazo.

Desde logo, no vetor ambiental, os principais compromissos nacionais são reafirmados e a ideia de fundo é acelerar o cumprimento da Lei de Bases do Clima, em particular, visando o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050, idealmente antecipando para 2045. O programa de governo é claro em várias ações que se propõe concretizar, seja em questões de alto nível, como a operacionalização do Conselho de Ação Climática ou dos Orçamentos de Carbono, seja em temas técnicos como a fiscalidade verde ou o reforço da exigência nas compras públicas circulares e ecológicas, ou então em matérias urgentes de adaptação às alterações climáticas, como a gestão dos recursos hídricos ou a proteção da orla costeira. Curiosamente, o texto é omisso quanto ao desenvolvimento de uma Estratégia Industrial Verde para apoiar o setor industrial no processo de transição climática. Acima de tudo, falta perceber de que forma o Executivo conseguirá mobilizar os diferentes setores da sociedade civil, da economia e da administração pública, sabendo-se que não poderemos gastar demasiado tempo a pensar, sob pena de adiarmos reformas imprescindíveis para o bem-comum e de perdermos oportunidades de financiamento únicas para apoiar a respetiva concretização.

Quanto à vertente social, e além das políticas convencionais de saúde ou emprego, ela aparece de forma original, por exemplo, em aspetos ligados ao bem-estar e à qualidade de vida, como a promoção do desporto e da atividade física, a intergeracionalidade no trabalho, ou a promoção da saúde mental. Aliás, este último ponto aparece transversalmente associado a medidas nas áreas do trabalho, do envelhecimento ativo, da inclusão e das comunidades, e como prioridade para a ciência e inovação. Os desafios demográficos suscitam também medidas em várias frentes, como a natalidade e longevidade, a juventude (que ganhou estatuto de ministério), a diáspora ou as migrações. Em matérias tão fundamentais, é desejável que o Governo assuma as suas opções e se foque nos objetivos, tente obter compromissos de longo prazo e, tanto quanto possível, evite alimentar as questões mais fraturantes.

Os temas éticos e de governance também merecem destaque, desde logo em compromissos que visam os próprios organismos públicos. Promete-se, por exemplo, regulamentar o lobbying, instituir um Scoring de Ética e Integridade (SEI) para as entidades públicas, retomar as divulgações sobre práticas de bom governo em entidades públicas, e também reformar as instituições e reforçar os meios de prevenção da corrupção. Há poucas novidades sobre financiamento sustentável e quase nada sobre a necessidade de o tecido empresarial nacional precisar de se adaptar a uma série de novas exigências regulatórias, por exemplo sobre relato de sustentabilidade, due diligence ou alegações ambientais (algo que deverá ocorrer precisamente durante o horizonte da legislatura). Numa matéria tão exigente e impactante para as empresas nacionais, seria importante o executivo assumir uma posição de orientação, cooperação e compromisso.

Um outro aspeto importante é a importância dada à tecnologia e à digitalização de processos em prol da transparência, da eficiência e da transição sustentável, de que o desenvolvimento de um Programa de Ação para a Digitalização Integral do Ciclo da Água é um exemplo emblemático. Este é um tema de caráter estratégico, aplicável aos setores público e privado, sendo mesmo sugerida a criação de uma Estratégia Digital Nacional e um Fundo de Inovação Digital.

Em suma, o programa é amplo e ambicioso, tocando em praticamente tudo o que é essencial para o país prosseguir o seu caminho de transformação sustentável. No entanto, coloca-se a questão: será possível implementar estas iniciativas e acelerar o desenvolvimento sustentável do país no atual contexto de instabilidade governativa, reivindicações e limitação de recursos? Acredito que, neste quadro de complexidade, é desejável implementar algo simples e com benefícios claros para a sociedade no longo prazo: a promoção de uma maior literacia em sustentabilidade. É essencial que os cidadãos compreendam os grandes desafios ambientais e sociais do nosso tempo, e que, acima de tudo, se envolvam e adotem comportamentos mais sustentáveis, para garantirmos, todos, um futuro melhor.

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