expresso.ptBernardo Valente - 15 mai. 16:40

Um debate entre europeístas que mais do que jogarem para ganhar, jogaram para não errar

Um debate entre europeístas que mais do que jogarem para ganhar, jogaram para não errar

No primeiro debate, com participação de AD, PS, IL e Livre, houve um equilíbrio transversal e apaziguador durante toda a conversa. Todos demonstram maior preocupação em não errar do que em ganhar o debate

Tendo em conta as prestações de PS e AD no primeiro debate televisivo, foi pelo próprio bem que decidiram, por fim, participar nos mesmos. Ambos os partidos devem estar aliviados pelo formato ter sido reconfigurado e por terem a oportunidade de polir a imagem dos seus candidatos, pouco consensuais para o grande público.

A participação nos debates é uma necessidade para PS e AD. O sistema partidário português e europeu deixou de ser um corpo cristalizado ao centro. Pelo contrário, não há memória na democracia portuguesa de um momento com tamanha fluidez nas tendências de voto e na própria configuração parlamentar. Aliás, o cidadão comum, quase propriedade eleitoral por usucapião dos dois partidos do centro da democracia portuguesa, tem redefinido a sua simpatia partidária nos últimos anos.

. Por isso também, este foi um momento de discussão que careceu de alguma profundidade em assuntos mais técnicos, como o alargamento da União Europeia. Os candidatos não se quiseram atirar para fora de pé.

Enquanto os candidatos vão adquirindo conhecimento fora das suas áreas de especialidade, o que irá enriquecer o debate até junho, este foi um momento de discussão que serviu sobretudo para delimitar programas e ideologias. Uma discussão dividida em três tópicos fundamentais: os fluxos migratórios, o alargamento da União Europeia com novos membros do Leste e o aparelho militar europeu, se excluirmos deste bolo a questão menos importante, sobre o futuro de António Costa na União Europeia, que não tem cabimento nem interesse para um debate com candidatos ao Parlamento Europeu.

Começou pela migração, onde ficaram claras as posturas dos candidatos de PS, AD e IL, que encaram as novas medidas do pacto de asilo e migração como um mal menor. Todos reforçaram as conquistas alcançadas pelo pacto renovado, com especial destaque para o estatuto de detenção de menores, a aposta na criação de canais formais de migração com a possibilidade de se estabelecerem parcerias com os países de origem no combate às redes de tráfico humano.

Por outro lado, Francisco Paupério, do Livre, denunciou a mercantilização do fluxo migratório, que oferece a possibilidade aos países com maior capacidade orçamental de dominarem o critério da entrada de migrantes na UE, o que limita a soberania dos países mais periféricos, com menos poder negocial. Não esquecendo o sistema lucrativo, também ele mercantil, montado pelas redes de tráfico humano, que beneficia da falta de coordenação de uma política europeia concertada.

Desta questão resultou o ataque mais direto de todo o debate, quando Sebastião Bugalho saiu do espetro da política europeia para acusar os últimos governos PS de terem sido estéreis no controlo da imigração, com a extinção do SEF e constituição da AIMA, o que resultou, no seu entender, na entrega destas pessoas às redes de tráfico humano. Uma acusação grave e direcionada, que requeria uma resposta mais musculada da parte de Marta Temido, que falhou em fornecer evidências que contrariassem o argumento.

Seguiu-se a discussão sobre o eventual alargamento e possível entrada da Ucrânia na EU. Aqui, Sebastião Bugalho iniciou uma toada protofederalista surpreendente, que acompanhou a maioria das suas intervenções. Reforçou o seu europeísmo exacerbado, reiterou que o busílis da discussão sobre a integração não era o benefício ou prejuízo que pode advir para Portugal, é uma questão de identidade e prevalência do modelo europeu.

O candidato da AD propôs a inclusão dos ministros e representantes de países com estatuto de candidato à adesão nas reuniões de especialidade, para fomentar uma homogeneidade política entre países dentro da UE e países à procura de cumprir os requisitos para entrar na UE.

Ainda nesta questão, o representante do Livre colocou a defesa dos pequenos agricultores como prioridade, perante a possibilidade de adesão de países com altos níveis de produção agrícola e terrenos de grande dimensão. Esta é uma discussão que surge sorrateira em todos os debates desde o período pré-alargamento de 2004, momento em que os fundos europeus prejudicaram alguns pequenos e médios agricultores portugueses.

No início do século, estes fundos acabaram alocados a mercados mais competitivos recém-entrados na UE, depois do esforço de modernização feito pelos agricultores portugueses, pois as prioridades do mercado agrícola europeu atravessaram um período de redefinição, deixando algumas das novas infraestruturas ao abandono.

Posto isto, o representante da IL apontou para a necessidade de criar mecanismos que garantam que os fundos estão a ser geridos de forma eficaz em território nacional, enquanto Marta Temido defendeu a necessidade de olhar primeiro para os recursos naturais e protegê-los depois de compreender quais as consequências do alargamento.

Perdeu-se a oportunidade de discutir medidas que visem a estabilização e fomento de um tecido empresarial nacional capaz de ser competitivo do ponto de vista europeu, que esteja capacitado para concorrer às oportunidades de financiamento dentro e fora de portas. Sobretudo, que tenha os mecanismos necessários para, depois de adquirido o financiamento, passar à implementação da proposta no terreno, tal como estava contratualizada, incluindo o cumprimento dos prazos previstos.

O debate teve a sua discussão mais técnica sobre o esforço militar que a instabilidade nas fronteiras da UE pode acarretar. O Livre partiu para a defesa de uma união que transcenda as causas económicas e que se foque numa unidade militar para combater a influência russa na plataforma eurasiática.

Cotrim Figueiredo, Marta Temido e Sebastião Bugalho apoiaram uma coordenação das funções militares e um reforço do aparelho beligerante, que esteja pronto a defender as fronteiras da União Europeia e seus vizinhos. Uma discussão entre quatro europeístas, que não querem ver a esfera de influência europeia diminuída enquanto a da Rússia cresce.

A maior fonte de discórdia esteve no cerne das causas que têm vindo a bloquear uma integração mais profunda da dimensão política e militar dentro da UE - quem é que paga as dívidas? Um problema que subsiste desde a divida do subprime e a divida soberana da última crise financeira e que ainda é um verdadeiro entrave à coesão de uma Europa a uma só velocidade.

A inteligência dos novos aparelhos militares exige um investimento tecnológico que obriga a um esforço redobrado do orçamento da UE, de caráter bélico e preventivo. Sendo assim, quem irá pagar esse investimento extraordinário? Teremos uma mutualização deste custo através de uma emissão da dívida global, os Defense Bonds, ou existirão outras prioridades de convergência da dívida (como defendeu a candidata do PS) antes de chegarmos à emissão de dívida para financiar o advento tecnológico do setor militar na UE. Este ponto ficou por esclarecer, mas houve uma concordância quanto ao incremento das mutualizações da dívida como instrumento de convergência financeira.

No geral, ficaram pontos por aprofundar, mas as linhas gerais dos programas partidários para estas eleições europeias ficaram bem vincadas. A vertente económica como balizadora de uma possível integração e a posição quanto à situação na Ucrânia foram os problemas mais prementes sobre o qual este debate mais gravitou. É de esperar a continuação da prevalência de uma agenda focada nestes tópicos urgentes e emergentes.

Por último, uma nota. Ninguém se atropelou, ninguém levantou a voz, ninguém viu a sua palavra cortada a meio de um raciocínio. Foi um debate democrático e tranquilo entre quatro europeístas, no qual o espectador foi o grande vencedor porque se viu diante da oportunidade de ouvir as ideias dos candidatos explanadas de forma informativa e clarividente.

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