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Montepio: zangam-se as comadres…

Montepio: zangam-se as comadres…

O Estado não pode lavar as mãos e abandonar os associados e pensionistas do Montepio que confiaram na supervisão das entidades estatais e na tutela do governo.

1. Almeida Serra, em 5 do corrente, no blogue A Viagem dos Argonautas faz revelações explosivas sobre o declínio do Montepio nos 15 anos (2004 a 2018) em que foi administrador, responsabilizando o Banco de Portugal (BdP) e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Admite que “sucessivas situações recentes, em geral de origem externa e completamente incompreensíveis” originaram uma “drástica diminuição do património” que facilmente (...) chega a centenas de milhões de euros …. desaparecendo num ‘nada universal’e comenta que ​bem podem preocupar-se os mais de 600 mil associados”.

Para Almeida Serra, o gatilho foi a compra do Finibanco: “Não posso afirmar que o Finibanco estaria para-falido: Mas já afirmo, porque os compradores tiveram que assumi-las e pagá-las, por imposição do supervisor, que as ilegalidades abundavam”, e culpa o BdP (Victor Constâncio) e a CMVM (Carlos Tavares), no tempo do Governo Sócrates, Teixeira dos Santos e Vieira da Silva.

Num email enviado à CMVM, em Agosto de 2022, acusa: “Foi possível que uma empresa cotada em bolsa durante muitos anos … pudesse estar a ocultar informação ao mercado, sem que alguma vez tal tivesse merecido a intervenção de V. Exas … um banco que foi… utilizado para financiar as empresas não financeiras desse Grupo (Vicaima), através da venda de títulos de dívida emitidos por essas empresas a clientes do banco, … vendidos como substitutos de depósitos bancários”. Almeida Serra foi ministro da República, o que confere credibilidade à acusação do Montepio ter sido enganado pelos supervisores, corroborando o que venho defendendo há muito: o Estado não pode lavar as mãos e abandonar os associados e pensionistas do Montepio que confiaram na supervisão das entidades estatais e na tutela do governo.

2. Dito isto: para além do que desconhecia, o que é que Almeida Serra conhecia na Oferta Pública de Aquisição (OPA) do Finibanco? Na assembleia geral (AG) de Julho de 2010, onde eu e outros aprovámos a OPA, foi assegurado que esta estava suportada em aprofundadas due diligences [avaliações detalhadas de empresas]. Porém, logo após a AG, o nevoeiro envolveu a OPA: o investimento de 250 milhões, um mês depois, passou a 341 milhões –​ por insider trading do vendedor – aceite pela administração sem pestanejar.

Com a sensação de “aqui há gato”, investiguei as contas do Finibanco e passei a publicar o que ia descobrindo: a contabilidade do Finibanco não respeitava as normas da banca (padrões IFRS); tinha divulgado lucro do 1.º semestre de 2010 e fechou o ano com 56 milhões negativos, em linha com prejuízos desde 2007; o auditor do Montepio (KPMG) considerou os activos sobreavaliados em 200 milhões; havia 300 milhões de dívida e os accionistas sacaram 100 milhões em empréstimos e 3 milhões em dividendos (em 2010), apesar dos prejuízos. Os 250 milhões iniciais, um ano mais tarde, ascendiam a 900 milhões.

3. Os administradores da Mutualista beneficiam de um estatuto remuneratório dos mais elevados do país, supostamente, para desempenhos de excelência. Almeida Serra confessa que o Montepio comprou “um pequeno BES … sem conhecer os problemas ocultados” e que “os lesados do Finibanco não foram os contribuintes nem os investidores nos títulos emitidos pelas empresas do Grupo Vicaima, mas sim os associados do MGAM [Montepio Geral Associação Mutualista]”. Admite que fracassou no negócio que empurrou a centenária instituição para a falência técnica em que se encontra.

Mandava a honestidade e a decência que responsabilidades e consequências tivessem sido assumidas. Mas o que tivemos foi negação; perseguição aos que ergueram a voz; pornográficas remunerações individuais (690.000€, em 2011; 1.000.000€, em 2012); e recandidaturas até a justiça lhes bater à porta. E, como prémio final, auferem actualmente pensões de reforma de 280.000€/ano.

Almeida Serra interroga: “Como seria um caso destes resolvido nos EUA ou no Reino Unido?”
Possivelmente, alguns estariam na prisão.

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