svicente - 14 mai. 10:39
Visão | Felicidade: quando a posição importa
Visão | Felicidade: quando a posição importa
A quantidade de bem-estar que o nosso salário, o nosso carro ou até a nossa casa nos trazem depende do seu posicionamento relativo
Um dos resultados das investigações na área da economia da felicidade é o facto da felicidade dos indivíduos depender da comparação com os outros. Principalmente no que diz respeito às dimensões materiais da vida, e tanto mais quanto essas dimensões sejam expressas numericamente, a posição relativa importa, para além da situação absoluta.
Exemplos simples: a quantidade de bem-estar que o nosso salário, o nosso carro ou até a nossa casa nos trazem depende do seu posicionamento relativo. É o nosso salário, o nosso carro ou a nossa casa melhor ou pior do que a dos demais? É o nosso gabinete no trabalho maior, ou mais pequeno que o dos nossos colegas? Tem melhor ou pior vista?
Quando surgem estes resultados, muitos dizem que isto é evidência da prevalência da inveja na psique humana. Não negando um papel para esse sentimento, ele é diminuto. Do que se trata aqui é de um problema muito mais fundamental: a relatividade das coisas. Verdadeiramente, não podemos dizer se um salário é bom ou mau sem sabermos a média dos salários na nossa profissão, na nossa faixa etária e para o nosso nível de qualificações. Não conseguimos avaliar um carro em abstracto, apenas no concreto de um momento histórico e do status quo tecnológico. É impossível dizer se uma casa é boa ou má sem comparações. Gabriel o Pensador já cantava “o meu sonho é morar numa favela”, mostrando o quanto, aos olhos de um sem abrigo, uma favela pode ser uma ambição, ao mesmo tempo que seria um pesadelo para quem viva num apartamento do Leblon.
Esta é uma das razões pelas quais não podemos confiar que o crescimento económico, por si só, nos resolva os problemas do bem-estar: a economia cresce, mas também crescem os standards, as expectativas e as ambições. E as posições relativas continuam a condicionar as avaliações: os que estão por cima ficam mais felizes, os que ficam para trás, menos.
A lição é a seguinte: para se aumentar o bem-estar médio de uma população têm que se potenciar as dimensões menos susceptíveis a esta pressão da comparação. Por isso, deve-se apostar na melhoria da qualidade das relações interpessoais, no aumento da qualidade das instituições e na redução da distância entre as pessoas no que diz respeito às dimensões mais materiais da vida.
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