expresso.ptLaurentino Dias - 14 mai. 14:00

Graças e desgraças

Graças e desgraças

Este Estado, não é o “estado” de graça que a AD desejava, mas um Estado que tem um preço já assumido e que, para mais atrapalhar o governo, as oposições dizem estar dispostas a assinar por baixo, se preciso for em orçamento retificativo

1.

O “estado de graça” que, por via de regra, é tradição os cidadãos e até a comunicação social concederem aos Governos na temporada diretamente após a tomada de posse, está a ter contornos estranhos neste governo de Montenegro. Manda a decência para com aqueles a quem fica entregue a governação do país que se lhes dê tempo para se organizarem nos seus novos gabinetes, nas diferentes rotinas e mordomias, mas sobretudo na programação e definição do que será o cumprimento do programa político a que se comprometeram.

Não vislumbro nenhum motivo para que desta vez tenha de ser diferente. A não ser que o Governo entenda que prescinde dessa “graça”. Ou que tenha acontecido com o estado de graça o mesmo que o agora ministro Leitão Amaro disse um dia que tinha sido feito com a Legionella, proibindo-a por lei. Imagine-se, proibir uma bactéria por lei!

Quem perfilha ideias tão modernaças como esta até poderia ser tentado um dia a proibir, também por lei, o vírus da covid, mas nunca a proibir a observância do estado de graça. Pelo menos enquanto estiver no poder, desaconselha-se tal iniciativa.

2.

Ora, se nada disto vem acontecendo, a que se deve a intrigante ausência de estado de graça, dessa espécie de indulgência temporária que a todos os governos se costuma conceder? Assentemos numa consideração séria e honesta: o actual governo merecia como os outros esse benefício. Até mais do que outros, dada a exígua margem eleitoral e parlamentar de que dispõe. Quanto mais frágil o mandato, mais necessária a benigna compreensão dos governados. No entanto…

O discurso de posse do novo Primeiro-Ministro não foi um apelo à compreensão e ao diálogo com as oposições, nem à confiança e tranquilidade dos cidadãos e instituições. Foi um exercício mal ponderado de autoconfiança, com laivos de arrogância, talvez ditada pela excitação desmesurada por uma cerimónia que sonhara e julgara tão distante, e que agora ali estava, no seu protocolar esplendor.

A isto seguiram-se meia dúzia de reuniões do Conselho de Ministros que, excetuando duas propostas de lei sobre temas fiscais, nada mais de relevante para a vida dos cidadãos veio a decidir. Ah, não esqueçamos a emblemática primeira decisão deste Governo, da alteração do seu logótipo, retomando a esfera armilar, os castelos e as quinas - 5 e não 7, como diz o infalível candidato Bugalho.

Muito pouco para um programa político que apregoava a mudança. E porquê?

3.

Durante a campanha eleitoral, o Primeiro-Ministro Luís Montenegro prometeu repetidamente que, “ato imediato” à entrada em funções, iniciaria um processo de diálogo com professores e forças de segurança. Acrescentem-se também os oficiais de justiça, os guardas prisionais, os profissionais de saúde, médicos, técnicos e enfermeiros, e ainda um plano de emergência para o SNS, tudo nos primeiros 60 dias.

Ora, das eleições de 10 de março já lá vão dois meses, e da tomada de posse a 2 de abril já lá vai mês e meio. .

Sentindo o aperto em que se meteu, ponderando a sua curta margem de manobra (e bem assim, que o processo de diálogo já vem de longe e não dá para esticar muito mais), desata a fazer contas à reposição de tempo de serviço, valorização de carreiras, atualizações salariais, suplementos de risco, etc. E também a perceber que discutir este preço bem exigia melhor resultado e mais conforto parlamentar, para melhor resistir. Mas, não tem.

4.

Miranda Sarmento dispôs-se a jogar a primeira cartada. Nada mais simples para “amansar” o quem bate à porta, que afirmar que afinal o cofre não tinha tanto dinheiro quanto pensava. Pela cara com que o disse adivinhava-se estarmos perante duas hipóteses: ou tinha consciência do “truque” que protagonizava, ou tem medo de não lhe estarem confiadas todas as chaves do cofre. Medina foi mais duro: “Caos nas contas públicas? Ou é ignorância ou falsidade!”

A par desta medida cautelar, outra estratégia avançou para tolher as críticas, embaraçar adversários, distrair a comunicação e aparentar autoridade.

Começou pela Saúde, forçando a demissão do director executivo do SNS, Fernando Araújo; dias depois, no Trabalho, e alegando “total inação e má gestão”, o governo exonera Ana Jorge da administração da Santa Casa; a seguir, a Administração Interna demite o director nacional da PSP, Superintendente Barros Correia. A ver vamos as boas ou más razões destas decisões.

Mas, ao atirar pela borda fora pessoas que têm uma imagem pública de competência e probidade, o governo dá o ar da sua verdadeira “graça” - toma decisões que supõem uma força e autoridade que não tem, e vai lançando fumos para disfarçar a incapacidade em tratar dos assuntos que verdadeiramente interessam aos cidadãos, a quem tanto prometeram.

E já vem sendo tempo de trabalhar a sério.

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