expresso.ptHenrique Burnay - 14 mai. 11:58

É assim que os moderados fazem

É assim que os moderados fazem

Um eleitor não fica sem escolhas por causa do que os aproxima, fica sem soluções impossíveis por causa do que não os afasta

João Cotrim começou, com justificada ironia por aquele formato ter sido ideia sua, a desejar que o primeiro debate para as eleições europeias entre os candidatos do PS, AD, IL e Livre não fosse muito aborrecido. Foi só um pouco. E ainda bem.

Quem assistiu ao debate na SIC esta segunda-feira assistiu a uma versão próxima da realidade do que é a política europeia. À volta da mesa estavam os principais quatro partidos que negoceiam entre si no Parlamento Europeu as propostas que a Comissão Europeia apresenta. E, no essencial, os mesmos que também as discutem no Conselho, quando estão reunidos os diferentes ministros de cada Estado membro. Se juntarmos os Conservadores e Reformistas, de onde vem Giorgia Meloni e Petr Fiala, da República Checa, a fotografia fica completa. Falta Órban, que não se senta com mais ninguém. E se fosse há uns anos, quando o Syriza de Tsirpas governava em Atenas, faltaria a Esquerda Unitária, onde estão Bloco de Esquerda e PCP. Não por acaso, nessa época, depois da saída de Varoufakis do governo, falou-se em o Syriza se juntar aos socialistas europeus.

O que isto quer dizer, e que o debate mostrou, é que a política europeia é o resultado de convicções, negociações, compromissos e cedências entre opções diferentes mas não irreconciliáveis. Aquilo a que se assistiu no debate, mas não na maioria dos comentários seguintes nas televisões, jornais e sobretudo redes sociais, foi uma memória quase perdida de quando a política não era tão polarizada. E de como é possível não ser, continuando a ser sobre políticas e entre alternativas.

Marta Temido, Sebastião Bugalho, João Cotrim e Francisco Paupério não pensam as mesmas coisas. Nem coisas muito parecidas. Mas pensam coisas compatíveis e, sobretudo, compatibilizáveis. Sobre migrações, impostos, fundos e orçamento da União Europeia, alargamento e fases de integração, mutualização da dívida, alterações climáticas, defesa e a NATO, um eleitor não fica sem escolhas por causa do que os aproxima, fica sem soluções impossíveis por causa do que não os afasta. Daqui a cinco anos, aqueles quatro eventualmente dirão que as regras europeias poderiam ser muito melhores se tivessem sido exactamente como eles as queriam. E mais de metade dos eleitores, de diferentes metades de cada vez, sabem que se não fosse assim as regras europeias seriam muitas vezes menos aceitáveis para si.

O que se decide em Bruxelas é o resultado do que a Comissão Europeia propõe, depois de ter ouvido deputados, governos, e muitas partes interessadas, e os governos e deputados europeus negoceiam e finalmente acordam. E depois têm de ser aplicadas em 27 realidades diferentes. Nada disto se consegue com trocas de insultos, acusações de carácter, insinuações de que o outro é pérfido ou posições irredutíveis.

No fim do debate, lá em casa havia quem tivesse adormecido. Não é grave. A Democracia está bem quando um eleitor decidido quanto ao seu voto acha que num debate entre partidos concorrentes não há ameaças existenciais. E depois irá votar, para que o equilíbrio do prato da balança se faça mais para um ou outro lado. Mas sem correr o risco de virar.

NewsItem [
pubDate=2024-05-14 12:58:03.126
, url=https://expresso.pt/opiniao/2024-05-14-e-assim-que-os-moderados-fazem-3e8cc512
, host=expresso.pt
, wordCount=511
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_05_14_1853017068_e-assim-que-os-moderados-fazem
, topics=[opinião]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]