expresso.ptJosé Miguel Júdice - 14 mai. 21:00

As Causas. A viragem do Governo

As Causas. A viragem do Governo

Creio que por cada dia que passa se torna mais evidente que o Governo não tinha outra opção, mas acredito que o faz por achar que é a melhor: uma aliança com o PS ou com o CHEGA não é possível. Por isso, governar será sempre difícil porque da Esquerda radical à Direita radical, passando pelo PS e IL, todos querem compreensivelmente que o Governo falhe

Na passada semana fui crítico em relação Governo e referi o que chamei o seu urgente “caderno de encargos”, realçando quatro temas:

  1. vitimização,
  2. estratégia consistente,
  3. política de comunicação coordenada, e
  4. dar aos portugueses a sensação de querer negociar com as oposições.

Se tivesse esperado uma semana, as minhas críticas quase se esfumariam em relação ao caderno de encargos.

E, além disso, antes de terem passado 30 dias da posse de todos os membros de Governo, parece-me o governo também começou a mostrar que está a governar.

O CADERNO DE ENCARGOS DO GOVERNO

Comecemos então pelo “caderno de encargos”.

Vitimização: a mensagem de que a passagem do testemunho foi armadilhada está agora a ser valorizada pelos media. Entre outros exemplos:

  1. A “Guerra dos Provedores” parece justificar a vantagem de uma nova equipa sem esperar para saber se é Edmundo Martinho ou Ana Jorge (ambos da área socialista moderada, aliás) quem tem maior culpa da situação atual na Santa Casa da Misericórdia;
  2. A espantosa decisão do Diretor Nacional da PSP em dar uma entrevista, seguramente não combinada com a Ministra, que justifica a sua imediata demissão até pelo conteúdo opinativo sobre a negociação em curso com os polícias;
  3. As críticas à gestão de Fernando Araújo, que começaram a surgir e vindas de fora do PSD/Governo, sugerindo haver alguma lógica na decisão;
  4. O aparecimento de provas de uma aparente estratégia de transferir dinheiro para o Estado, via dividendos, no final do ano (ADP, NAV, Casa da Moeda), o que não seria problema se tivesse sido revelada na transição para o novo governo, dá aparente base para razões de queixa, embora Medina hoje na Assembleia da República me pareça ter sido convincente;
  1. O caos na legalização de imigrantes na já pomposa e famosa – e pelas piores razões – Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que está para o SEF como a DGS estava para a PIDE.

A minha conclusão aqui é apenas que ficou mais sustentada a estratégia de vitimização; não estou a opinar sobre se foram boas ou más essas ações e reconheço que em algumas delas o Governo demorou a explicar, o que foi um erro.

Estratégia consistente: desde o início da passada semana finalmente não me pareceu que houvesse incoerência interna no Governo/PSD: por exemplo, desapareceu algum caos entre ministros e entre as queixas pouco fundamentadas e a agressividade por vezes excessiva.

Política de comunicação coordenada: foi nomeado o “czar” da comunicação, que passará a coordenar a nível da presidência do Conselho de Ministros. Se ele tiver qualidade e poder, melhora a estratégia, reduz-se o caos, as mensagens serão mais claras e eficazes.

Sensação de querer negociar com as oposições: assumidamente foi comunicado pelo Governo que estavam a ocorrer ou iam acontecer (IRS, Habitação, etc).

Isso não significa que o Governo tenha resultados garantidos, mas com boa estratégia e boa comunicação, sem dúvida que o fracasso das negociações pode penalizar as oposições, como a perceção da falta de negociações penalizava o Governo.

Claro que isto não chega para Luís Montenegro mostrar que está a governar. Mas, aí também há a sensação que uma clara mudança começou a acontecer.

PARA A OPOSIÇÃO GOVERNAR É MAIS FÁCIL

Creio que cada dia que passa se torna mais evidente que o Governo não tinha outra opção, mas acredito que o faz por achar que é a melhor: uma aliança com o PS ou com o CHEGA não é possível. Por isso, governar será sempre difícil porque da Esquerda radical à Direita radical, passando pelo PS e IL, todos querem compreensivelmente que o Governo falhe.

Mas o Governo pode e deve negociar com todos. E isso gera naturalmente tentações, à Esquerda e à Direita de exercício do Poder sem responsabilidade.

A estratégia do PS e CHEGA – como expliquei na semana passada – é atuar como se de um “governo de assembleia” se tratasse.

Este modelo “convencional” será gerador de caos, medidas contraditórias, aumento exponencial da despesa pública.

A lógica do sistema constitucional não é, evidentemente, que cada partido faça aprovar as suas propostas com alianças informais de geometria variável e que o Governo tente depois moderá-las, negociando alterações.

A lógica é a oposta: o Programa do Governo não foi rejeitado, e no que dependa da Assembleia da República deve ser tentado aplicar.

É nesse âmbito que cada partido deve tentar, por negociações, obrigar o Governo a incluir soluções oriundas das oposições para se assegurar a aprovação (neste caso da IL e CHEGA) ou a abstenção (do PS ou mesmo dos três partidos radicais de Esquerda).

Como é óbvio – sobretudo enquanto os eleitores estiverem desatentos – a estratégia das oposições é boa para a base de apoio de cada partido.

Com propostas na área da Habitação (em que um acordo IL/CHEGA foi possível) a Iniciativa Liberal quis ir a esse jogo, mas a AD – e estrategicamente bem – absteve-se, inviabilizando a aprovação

Veja-se então o exemplo da IL. As suas propostas para a Habitação – que enquanto Cidadão me parecem aliás adequadas em abstrato – dirigem-se a pequenos e médios proprietários, jovens de classe média, famílias das áreas metropolitanas.

Como afirma a IL, as propostas são mais ousadas do que as do PSD. Como afirmam outros, são mais radicais. A IL não tem de governar; ou seja, não precisa de fazer compromissos com a realidade orçamental, sociológica, política e ideológica.

Mas o PSD só sobrevive se for moderado. E só ganha se os portugueses preferirem a moderação, a negociação, os passos menores ou mais prudentes.

E, no fundo, será na perceção dos portugueses, como venho dizendo, que se vai jogar tudo.

COTRIM: OUSADIA PORQUE SIM

Ainda sobre a IL, analisei a intervenção de Cotrim de Figueiredo na apresentação do seu programa eleitoral para as Europeias há dias, que não só foi muito interessante, como também confirmou a lógica do que atrás afirmei.

Nota curiosa: pude ter acesso ao take da LUSA, pelo Canal do SAPO, pelas 14,15h, mas o Observador só o publicou mais de 2 horas depois, pois como enviou quatro jornalistas para cobrir o Congresso do micropartido LIVRE, não tinha se calhar ninguém para cobrir esse evento dos Liberais nem para fazer rapidamente copy paste da LUSA…

Seja como for, Cotrim deu três exemplos de ousadia, da necessidade de afastar “interesses instalados”, considerando que são casos em que “não é aceitável” que “não se mexa”:

  1. no sistema de pensões” que considera “hipotecar as pensões futuras”;
  2. “na legislação laboral que protege os que têm emprego e ignora quem não tem, em especial os jovens”;
  3. “nas rendas congeladas da habitação antiga, de quem já tem casa, quando isso levado rendas mais altas para quem não tem casa”.

Não me custa declarar que os seus argumentos são fortes e que quem tenha menos de 35 anos com facilidade concordará com ele e até eu com a minha idade gostei do que li.

Mas, como é evidente, se a IL fosse governo minoritário (e mesmo que fosse maioritário …) não poderia jogar todas as fichas no apoio dos jovens e alienar o apoio dos que têm as pensões, um contrato de trabalho ou um velho contrato de arrendamento também blindado.

Ou seja, a IL pode não ligar à realidade sociológica, política e ideológica de hoje em nome do futuro. Mas o PSD em concreto, e um qualquer governo em geral, se o fizesse estaria a suicidar-se a curto prazo com a esperança de ressuscitar daqui a muitos anos.

Quer isto dizer que a estratégia da IL é errada? Não, pelo contrário, é um investimento no futuro.

E por isso o discurso de Cotrim foi muitíssimo importante, seguramente muito mais do que as tendências de um micropartido radical de Esquerda a querer ser o catalisador de uma Frente Popular que é a última coisa que o PS – mesmo o de PNS -deseja fora das horas românticas que seguramente haverá…

UM DEBATE EXEMPLAR

Excelente debate ontem sobre as eleições para o Parlamento Europeu. Parabéns à Clara de Sousa, que teve o mérito de não o deixar escorregar para a política apenas interna.

Como se pode ver pela foto, sou mais imparcial e independente do que o Público que encheu a primeira página hoje como uma foto apenas. De quem? Adivinharam, de Marta Temido.

Mas não tenhamos ilusões: tudo vai mudar quando entrarem em jogo o CHEGA, o BE, o PCP e o PAN.

E há que agradecer a Francisco Paupério, que se revelou um atípico candidato do LIVRE, muito menos radical (exceto na política de “portas escancaradas” na imigração) do que a linha oficial, o que talvez explique que o grupo de Rui Tavares não o quisesse como candidato.

Fora disso, tudo normal:

a) Marta Temido é um erro da casting e nos próximos debates vai fugir para política interna e para os ataques ao Governo para sobreviver;

b) Cotrim de Figueiredo esteve muito cauteloso, evitando correr riscos no debate que lhe era mais difícil, por ser com Sebastião Bugalho, e por isso não ganhou, mas no caso dele secundário;

c) Bugalho ganhou o debate, mas os outros serão mais difíceis, pois tudo será tiro ao alvo ao Governo e a ele.

O ELOGIO

Ao Município do Fundão, por causa do seu notável trabalho com imigrantes, e à jornalista Mariana Correia Pinto, pela excelente reportagem no Público do passado sábado sobre isso.

Com mais de 70 nacionalidades, no Fundão são imigrantes 7% da população (e 15% dos estudantes) e de acordo com a sazonalidade chegam por vezes ao dobro.

Depois de ler a reportagem percebe-se porque em 2023, o Fundão foi nomeado “Capital europeia para a inclusão e diversidade”.

Que sinal de esperança! E que bom ver quase 200 comentários na edição online do Público, alegres, positivos, orgulhosos pelo que leram.

André Gide poderia ter razão quando escreveu que “bons sentimentos não fazem boa literatura”. Mas aqui está a prova de que se pode fazer bom jornalismo pela positiva, muito melhor do que o jornalismo de bota abaixo com que se pensa fixar leitores.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Dois livros de História, que prometem boa leitura, boa informação e melhor conhecimento de Portugal.

De Filipe S. Fernandes, um bom jornalista que conheci há muitos anos, “O Banqueiro do Rei, do Diabo e das Rainhas” (Casa das Letras), a biografia de Duarte da Silva, um “cristão novo” que pôs a sua fortuna ao serviço da Restauração, no século XVII.

De Ana Rodrigues Oliveira, uma excelente historiadora, “O Amor em Portugal na Idade Média” (Manuscrito) ou o acabado de sair “Portugal - Uma História no Feminino” (Casa das Letras).

Quem não conhece o passado, não percebe o presente e não construirá o futuro. Leiam, pois.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Como se lembrarão alguns, em maio de 2019 as oposições de Direita e de Esquerda, aprovaram na Assembleia da República a contabilização total do tempo de serviço dos professores.

António Costa ameaçou demitir-se e o PSD por causa disso recuou.

Recordo os argumentos do então líder do PS sobre essa decisão de “governo de Convenção: "compromete governabilidade e condiciona de forma inadmissível governação futura", suscita dúvidas sobre a "constitucionalidade" e é “socialmente injusta e financeiramente insustentável".

A pergunta é para Pedro Nuno Santos: não tem nada a dizer aos professores pelo atraso de 5 anos em relação ao que o PS agora aprova? E já não considera “socialmente injusto e financeiramente insustentável” o que passou a apoiar?

A LOUCURA MANSA

Conheci o Embaixador Tanger Correia, que foi monitor na cadeira de Direito Internacional Público que eu regia no final dos anos 70 na Faculdade de Direito de Lisboa.

Por isso me custa um pouco afirmar que a entrevista que deu ao Observador tornou por comparação as declarações do Presidente da República à imprensa internacional um exemplo de sensatez e de contenção.

Tanger desafiou Putin para um combate de artes marciais, deu crédito a que os judeus sabiam do ataque às Torres Gémeas em setembro de 2011, que em Davos se propõe um Governo Mundial que deseja substituir na Europa cristãos por muçulmanos, que Milosevic não era má pessoa ao contrário da esposa pois as mulheres são uma coisa complicada.

Não foi tudo mau, claro. Pelo menos não disse que acha que Hitler e Estaline eram boas pessoas.

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