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Frank Stella (1936-2024), pintor do mundo

Frank Stella (1936-2024), pintor do mundo

Mestre do minimalismo, mas não só, Frank Stella esteve sempre à frente do seu tempo.

Frank Stella morreu no passado dia 4 de Maio, com 87 anos. Este meu testemunho corresponde a um dever pessoal com o intuito de manifestar a minha muita admiração pelo pensamento e pela prática artística que Stella soube operar. E, no interior ou a partir da Escola de Nova Iorque, toda a história da pintura moderna e ocidental é lida pelo artista norte-americano com o objectivo de nos propor uma síntese criativa a partir do minimalismo e da abstracção. Todo o movimento moderno da pintura, que teve o seu território mais fértil na Europa, na primeira metade do século passado, será um campo que permitirá a Frank Stella recuperar e retomar a história da pintura contemporânea no seu todo. Pelo que, este breve texto mais não é do que uma breve nota que regista o papel pioneiro e inovador do pintor norte-americano no campo da abstracção parageométrica.

Mestre do minimalismo, mas não só, Frank Stella foi um pintor do mundo que esteve sempre à frente do seu tempo. Autor incontornável da segunda metade do século XX, o pintor norte-americano construiu uma obra simultaneamente apologética e subversiva, na medida em que é obra de referência para muitas gerações e geografias, e onde a sua natural provocação é a que nos dá a conhecer uma ideia de Novo. Integrado na abstracção americana, juntamente com Pollock, Newman e De Koning, a sua abstracção foi naturalmente caminho, e projecto de caminho. Stella percorre um projecto por si definido, um projecto que tem aproximações também a Jasper Johns e Robert Rauschenberg – aproximações que lhe permitiu sintetizar e acrescentar, isto é, sintetizar bissectrizes, e acrescentar rumos novos.

A obra de Frank Stella foi, de facto, muito precoce e promissora. Desde muito cedo que o pintor norte-americano formulou um novo paradigma, onde se dá a ver uma espécie de programa de acção artística. A sua obra tornou-se, por isso, excepcionalmente vigorosa, desde logo com as Black paintings, quando Stella tinha 22 anos. Do mesmo modo que Seurat com 25 anos pintou La grande jatte, Duchamp com 20 anos inventou o ready-made, e Picasso com a mesma idade pintou Les demoiselles d’Avignon. Frank Stella propõe-nos uma pintura que se assume permanentemente jovem, uma pintura de juventude que o tempo assim quis, onde a sua grande ambição terá sido a da superação do seu próprio caminho de pintor enquanto caminho eminentemente autobiográfico. Aliás, a abstracção de Frank Stella é a abstracção que acontece no interior do movimento e do projecto minimalistas. E, com essa estratégia, a sua narrativa encontra na abstracção de grau zero o modo e o princípio de transformação em direcção a um outro tipo de abstracção, em direcção a uma outra pintura.

Frank Stella prolonga até à exaustão a natureza conceptual do seu projecto artístico, onde a história da pintura e a história do pintor se fundem em autobiografia, em caminho novo. Culto, informado e anunciador de uma lógica de modernidade, teve e tem impacto nas várias gerações de artistas norte-americanos e europeus. De certo modo, Frank Stella talvez tenha sido o mais europeu dos artistas minimalistas norte-americanos. Projecto suportado pela tensão gestual e pela desconstrução sistémica, a pintura de Stella é, aparentemente, dura, por vezes fria, densa e austera. Não obstante, o gesto permite a Stella pensar a sua pintura no campo dos seus limites, isto é, no campo de uma narrativa da ruptura e do movimento, o que permite configurar uma ideia de pintura barroca, em consequência da evolução e ultrapassagem do próprio processo minimalista.

Para além de possuir algumas convergências com Carl Andre e Sol Lewitt, a obra de Frank Stella tem, contudo, outras similitudes com a obra europeia de François Morellet. Existe na obra de Stella, por outro lado, um trabalho muito centrado na lógica do caos que, estando sustentada numa grande diversidade de materiais, resulta daí a aparente aproximação a outras artes do espaço, como a escultura, e a arquitectura. De tal maneira assim é, que me ocorre o exemplo da obra do arquitecto Frank Gehry, também ela fundada numa lógica do caos. O recurso, portanto, a elementos estranhos ou alheios à própria picturalidade é uma constante na obra muito plural de Stella. Pintura, que é a de uma obra de simulação e de história. Há, por isso, uma aparente facilidade e simplicidade desconcertante na obra de Frank Stella – obra profundamente cultural, obra que salva e que é futuro, e que possibilita ainda a redenção e a reabilitação de uma história da pintura que nos educa.

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