www.sabado.ptManuel Pinto Coelho - 27 abr. 11:17

Exercitar a mente como o corpo

Exercitar a mente como o corpo

Opinião de Manuel Pinto Coelho

O amor é bom, mas é melhor o sono (Fernando Pessoa, in Poesias Inéditas (1930-1935)

Já pensou em levar o seu cérebro ao ginásio? A ideia pode parecer cómica, mas na verdade este fantástico órgão em forma de miolo de noz também precisa de atenção e de estar saudavelmente ativo.

Apesar de o seu peso não ir além de 2% do peso do corpo humano, o cérebro recebe um quarto do sangue bombardeado pelo coração. E, para estar em pleno funcionamento, são necessários alguns requisitos, a começar por uma boa noite de sono.

Enquanto dorme, o cérebro trabalha a informação e os estímulos que absorveu durante o tempo em que esteve acordado. É, portanto, um trabalhador noctívago que precisa de estar em repouso e em silêncio para ter um melhor desempenho e preparar-se para um dia seguinte pleno.

Mas o cérebro não é preguiçoso e valoriza o exercício físico, principalmente se o treino incluir exercícios aeróbicos, que promovem a sua oxigenação e a consequente capacidade cognitiva.

Há alimentos que contribuem para um melhor desempenho cerebral, nomeadamente ao nível da memória e concentração, como os ricos em ómega-3, de que são exemplo o salmão, a sardinha, a cavala ou as anchovas, que são poderosos estimulantes cerebrais. 

Os alimentos ricos em vitamina B12 – ostras, sardinhas, atum, carne e ovos - ajudam nesta função, assim como as nozes, ricas em vitamina E e também em ómega-3.

O tomate e os frutos vermelhos, como morangos, framboesas, amoras, mirtilos, groselhas e romãs, estão carregados de antioxidantes e são recomendados para melhorar a função cognitiva do cérebro, além de combaterem o esquecimento.

Os legumes de folhas verdes, tais como brócolos, espinafres, rúcula ou couve, são armazéns de ácido fólico, cálcio, zinco e outras substâncias que contribuem também para a redução do esquecimento.

Devidamente repousado, exercitado e alimentado, o cérebro fica com mais condições para poder desempenhar as importantes funções de coordenador do corpo humano, agradecendo exercícios estimulantes, como sejam os jogos de memória, palavras cruzadas e quebra-cabeças.

Mas existe uma prática, de algum modo esquecida, com benefícios gigantescos para o cérebro: a leitura. O ato de ler é um convite a novos estímulos e, já agora, a um vocabulário mais rico. A leitura estimula a imaginação, a criatividade e a memória, e quanto mais se lê, mais agradecido fica o cérebro.

Os benefícios da leitura são estudados há séculos e inclusive são usados como terapia – a biblioterapia.

O tratamento de doenças através da leitura de livros vem de longe, existindo relatos deste recurso, principalmente de textos religiosos, nas civilizações egípcia, grega e romana. Na Idade Média, as leituras da Bíblia acompanhavam o processo de cura nos hospitais e no Cairo eram proporcionadas leituras do Corão como método terapêutico suplementar.

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) registaram-se as primeiras experiências sobre a utilização da biblioterapia, quando médicos e bibliotecários do Hospital Militar de Alabama (EUA) utilizaram livros para tratar e aliviar os soldados dos traumas de guerra.

A meio do conflito (1916), o ensaísta norte-americano Samuel McChord Crothers publicou o artigo "A literacia clínica" na revista "Atlantic Daily", em que descreve a biblioterapia como uma nova ciência, apresentando os vários benefícios da leitura de um livro. 

Mais tarde, no fim da Segunda Guerra Mundial, a leitura era "prescrita" por médicos como medida de relaxamento dos veteranos que sofriam de stresse pós-traumático.

Em Portugal, Sandra Barão Nobre, biblioterapeuta de profissão, acaba de lançar, com a Almedina, o seu terceiro livro "Ler para Viver – Como a Biblioterapia Pode Melhorar as Nossas Vidas" em que, de forma original, receita literatura variada par acudir os mais diversos estados de espírito.

 Um estudo da autoria de Alexandre Figueira Pinto e Cristina Vaz de Almeida avaliou os "Contributos da biblioterapia para o bem-estar" que concluiu, através da observação e relato de uma sessão de biblioterapia efetuada por uma bibliotecária num dos lares da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, que "o livro contribui para o tratamento terapêutico, sendo exterior ao leitor".

Ler é bom, sem dúvida. Para o cérebro, para o coração e seguramente para muitos mais órgãos. E como está a ser o desafio da leitura digital, já que muitos dos milhares de palavras que assimilamos diariamente (cerca de 100 mil por dia) já não estão no papel, mas sim nos ecrãs, como testemunha agora mesmo o leitor desta edição da Sábado on-line?

No seu livro "O Cérebro no Mundo Digital" a neurocientista norte-americana Maryanne Wolf sublinha a importância da leitura profunda (mais lenta, que convida à compreensão das palavras e ao prazer da sua leitura) ao longo da história da humanidade e também o quanto está ameaçada. Contudo, deixa uma mensagem otimista, pois acredita que as crianças podem usufruir do conhecimento através de dois fantásticos mundos: o impresso e o digital.

Finalmente não poderia deixar de abordar a meditação como altamente benéfica para o cérebro, sendo esta uma prática com benefícios no presente, mas também para evitar uma eventual atrofia no futuro.

Outra neurocientista também norte-americana, Sara Lazar (Harvard Medical School) num estudo publicado em 2005 na revista científica NeuroReport, encontrou evidências de que a meditação pode abrandar a atrofia em certas partes do cérebro, identificando a mesma quantidade de massa cinzenta no córtex pré-frontal de jovens de 25 anos e de cinquentenários que praticavam a meditação.  

Ora, ao envelhecimento está precisamente associada a atrofia cerebral, além do alargamento dos ventrículos, onde se produz e circula o líquido cefalorraquidiano, e dos sulcos cerebrais, entre outras mudanças no cérebro. Através da ressonância magnética, Sara Lazar demonstrou que a espessura cortical, nas regiões cerebrais associadas à atenção, introspeção e processamento sensorial de 20 participantes com extensa experiência de meditação, era maior do que a dos restantes participantes no estudo.

"As diferenças entre grupos na espessura cortical pré-frontal foram mais pronunciadas nos participantes mais velhos, sugerindo que a meditação poderia compensar o afinamento cortical relacionado com a idade", lê-se no estudo que atribuiu a estes dados "as primeiras provas estruturais de plasticidade cortical dependente da experiência associada à prática de meditação".  

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