expresso.ptexpresso.pt - 23 abr. 12:35

"Depois de junho, prefiro ser muito prudente", diz Luis de Guindos, número dois do BCE

"Depois de junho, prefiro ser muito prudente", diz Luis de Guindos, número dois do BCE

Em declarações esta terça-feira ao jornal francês Le Monde, Luis de Guindos, o vice-presidente do Banco Central Europeu, considera que cortar os juros a 6 de junho "é um fato consumado, salvo alguma surpresa". Mas para o resto do ano não se compromete. Mercado de futuros garante, à pele, três descidas

“Como se diz em francês, salvo alguma surpresa, [a descida dos juros a 6 de junho] é um fait accompli, um facto consumado”, diz Luis de Guindos esta terça-feira em entrevista publicada pelo jornal gaulês Le Monde. Mas, o número dois do Banco Central Europeu (BCE), logo acrescenta, “o nível de incerteza é tal que é muito difícil responder, depois de junho, prefiro ser muito prudente”.

O vice-presidente reafirma a antecipação de que haverá uma primeira descida de juros em junho, feita pelo espanhol na semana passada no Parlamento Europeu pela primeira vez de um modo explicito por parte de um alto dirigente do BCE.

Contudo, avisa que é preciso prudência sobre o que se passará depois do primeiro corte. Já Christine Lagarde, a presidente, o tinha alertado. A ‘culpa’ é da “incerteza” sobre um rol de ‘variáveis’: a geopolítica, a evolução dos salários na zona euro, o comportamento da inflação nos Estados Unidos e as decisões sobre política monetária por parte da Reserva Federal norte-americana (Fed), a evolução da taxa de câmbio do euro face ao dólar e o risco de uma deriva orçamental na zona euro.

Os mercados de futuros descontam, de facto, uma primeira descida em junho, mas garantem, à pele, mais dois cortes depois até final de 2024. As perspetivas para a taxa de remuneração dos depósitos dos bancos no BCE no final de ano subiram de 3,16% na semana passada para 3,26% esta terça-feira, segundo o barómetro do portal Macromicro, de especialistas financeiros de Taiwan. A taxa atual é de 4%, o que significa que o corte acumulado esperado será de 74 pontos-base, à tangente para três descidas normais de 25 pontos-base até final do ano.

O que tira o sono a Guindos

Na entrevista ao Le Monde, o vice-presidente do BCE elenca o que lhe tira o sono. Há quatro variáveis que podem atrapalhar o consenso que se está a formar no conselho de governadores do BCE para aliviar a política monetária este ano.

O primeiro risco é a geopolítica, que tem um alto nível de incerteza. “Os riscos geopolíticos são muito importantes. Sabemos como eles começam, mas não sabemos como terminam”, disse Guindos.

O segundo é a pressão salarial. “Abstração feita dos riscos geopolíticos, o perigo principal que se mantém vem da inflação no sector dos serviços, que é principalmente alimentada pelos salários”, afirma, ainda que reconheça que “há um abrandamento evidente da dinâmica”, de 5% para perto de 4% em termos anualizados. De Guindos reconhece que os salários precisam de recuperar poder de compra, mas diz que que não está a haver uma melhoria da produtividade, nem por pessoa empregada, nem por hora trabalhada. Por isso, os custos unitários do trabalho estão a aumentar e isso é sempre mau para a espiral salários-preços.

O terceiro vem dos Estados Unidos. “O processo de desinflação (descida da taxa de inflação) abrandou consideravelmente”, recorda Guindos. Acelerou dois meses seguidos e estava em 3,5% em março, face a 2,4% na zona euro. Isto implica reforçar a prudência nos decisores da Fed.

Os mercados de futuros foram contagiados por essa “falta de pressa” em aliviar a política monetária norte-americana e, agora, só apontam para um primeiro corte na reunião de setembro sem seguimento até final do ano. O barómetro CME Feed Watch Tool aponta para uma probabilidade de 70% de não haver uma mexida nos juros em novembro e de 52% para se repetir a pausa em dezembro. As perspetivas para a taxa em final de ano avançadas pelo portal Macromicro são de 4,93% face a 5,15% atuais. Na semana passada apontavam para 4,85% no final do ano.

A consequência direta para a zona euro é a agitação no mercado cambial e os fluxos de investimento internacional. “Não temos no nosso mandato qualquer objetivo para a taxa de câmbio, mas temos de tomar em conta os efeitos das suas evoluções”, admitiu Guindos, para acrescentar: “Um outro canal importante é o dos fluxos de capital. Se as taxas de juro de longo prazo se tornarem muito mais elevadas nos EUA do que no resto do mundo, [a economia norte-americana] atrairá os capitais”.

É preciso colocar em andamento um processo de consolidação orçamental prudente, diz Luis de Guindos, vice-presidente do BCE

Finalmente, há um perigo ‘interno’ político. “É preciso colocar em andamento um processo de consolidação orçamental prudente. Não acho que haja o risco de se repetirem os mesmos erros que durante a crise da zona euro [entre 2010 e 2015], porque as novas regras orçamentais são muito mais equilibradas e prudentes”, refere Guindos. “O modo de regressar aos 60% [de limite na dívida pública em relação ao PIB] e aos 3% [do PIB como limite no défice orçamental] é mais flexível. E espero que a nova Comissão Europeia evite qualquer tipo de politica orçamental pró-cíclica inútil”, concluiu.

Política pró-cíclica significa que os governos da zona euro podem entrar numa deriva orçamental, aumentando o gasto público, os défices e a dívida pública num momento em que o ciclo económico é de recuperação, nas projeções avançadas na semana passada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Ainda que revelando uma trajetória medíocre, o crescimento nos 20 membros do euro deverá, em média, passar de 0,4% para 0,8% este ano e 1,5% no próximo.

As projeções do FMI fazem temer o pior. Este ano, Bélgica, Espanha, França, Itália e Grécia vão registar dívida acima de 100% do PIB e oito economias do euro estarão em incumprimento com défices acima de 3% do PIB.

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