expresso.ptexpresso.pt - 23 abr. 18:00

“Alguém tem um carregador destes?”: 11 respostas sobre como a lei europeia do carregador único e como muda a vida do consumidor

“Alguém tem um carregador destes?”: 11 respostas sobre como a lei europeia do carregador único e como muda a vida do consumidor

As leis promulgadas na União Europeia atravessam todos os aspetos da vida dos cidadãos dos Estados-membros. Com a nova diretiva sobre o carregador único, que entra em vigor dentro de seis meses, o consumidor vai deixar de depender de uma única marca e poupar dinheiro em novos carregadores

Um carregador para o telemóvel, outro para os auscultadores outro e ainda um diferente para o tablet. Em breve, essa realidade vai ser alterada. Todos os dispositivos eletrónico de pequena e média dimensão, como smartphones ou tablets, que forem adquiridos na União Europeia (UE) vão usar uma entrada USB do tipo C para o carregamento. A ‘Diretiva Equipamento de Rádio: carregador comum para dispositivos eletrónicos’ vai poupar dinheiro aos consumidores e diminuir a pegada ecológica, defendem os especialistas entrevistados pelo Expresso.

1.

Em que consiste a diretiva relativamente ao carregador único?

A União Europeia decidiu introduzir um carregador único universal para os dispositivos eletrónicos. A legislação foi aprovada no Parlamento Europeu (PE) em 2022, mas só vai entrar em vigor em outubro deste ano. A partir desse mês, todos os telemóveis, tablets, entre outros equipamentos, que estejam à venda na UE terão de estar equipados com uma entrada para carregamento USB do tipo C.

Os diferentes tempos de carregamento quando não se utiliza o carregador correspondente ao dispositivo original também ficarão no passado. Desde que o carregador seja compatível e suporte carregamento rápido, a velocidade é igual independentemente do fabricante.

2.

Quais são os motivos que levaram a União Europeia a tomar esta decisão?

O objetivo desta legislação é eliminar a vinculação a uma marca. Até aqui, o consumidor estava dependente de um único fabricante para garantir que o carregamento não era comprometido, e reduzir os resíduos eletrónicos.

“Com isso, ganham os consumidores que poupam dinheiro e veem as suas vidas facilitadas. Com esta redução do volume de resíduos eletrónicos, ganha também o ambiente, e este é um bom exemplo do papel regulamentador da União Europeia. Sem a nossa ação, esta regulamentação de mercado, este desperdício sem sentido continuaria a existir”, afirmou Maria da Graça Carvalho, do PSD, atual inistra do Ambiente e Energia, quando ainda era eurodeputada, durante a votação para aprovação desta legislação.

Também durante a votação, a deputada socialista Maria Manuel Leitão Marques afirmou que os “carregadores diferentes apenas nos trouxeram toneladas de lixo eletrónico, impedindo-nos de usar os nossos carregadores antigos ou pedir emprestado a um amigo e enchendo as nossas gavetas de cabos inúteis”.

3.

Quando entra em vigor?

Em outubro de 2024, mas a mudança não é imediata. Ou seja, para evitar destruição de stock e de equipamentos totalmente novos, no início estarão disponíveis para venda os novos dispositivos equipados com entrada USB-C e os antigos. No caso dos computadores portáteis, devido a especificidades técnicas, o prazo foi alargado. Só em abril de 2026 é que também estarão sujeitos às novas regras.

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4.

Que equipamentos estão abrangidos?

Estarão abrangidos telemóveis, tablets, máquinas fotográficas digitais, auscultadores com ou sem microfone, auriculares, colunas portáteis, teclados, ratos, consolas portáteis de videojogos, leitores de livros eletrónicos e aparelhos de navegação portáveis. A partir de 28 de abril de 2026, também integrarão a lista os computadores portáteis recarregáveis através de um cabo, até uma potência máxima de 100 watts.

5.

Os novos dispositivos eletrónicos vão ser vendidos sem carregador?

Depende da vontade do consumidor. Uma marca que venda o seu dispositivo eletrónico sem carregador, também estará obrigada facultar a opção de comprar com este. Ainda assim, os cabos de alimentação podem ser oferecidos com o equipamento.

“Temos a mais-valia, no sentido em que, a partir de agora, as pessoas podem optar por, quando compram o telemóvel, comprar ou não o carregador”, explica Elsa Agante, líder da equipa de energia e sustentabilidade da Deco Proteste e doutorada em Ciências da Terra e Engenharia. “Vou mudando o telemóvel, mas o carregador não tem que mudar”, porque existe um carregador universal é compatível com os restantes dispositivos eletrónicos.

Para o consumidor averiguar facilmente se o seu carregador antigo é compatível com o novo dispositivo que vai adquirir, as marcas vão ter de colocar na embalagem informação detalhada sobre o carregamento, como a potência suportada e o suporte para carregamento rápido.

6.

O que acontece aos carregadores e equipamentos sem entrada USB-C?

Vai poder continuar a utilizá-los até o seu dispositivo se tornar inoperável e precisar de ser substituído. Nessa altura, deve reciclar o carregador antigo, caso não cumpra os requisitos desta diretiva.

“Os carregadores continuam sempre a funcionar”, explica António Alves, líder da equipa de tecnologia da Deco Proteste e licenciado em Engenharia Eletrónica, que acrescenta que mesmo no caso dos dispositivos recondicionados, o carregador incluído que não respeite esta diretiva continuará operacional. “A única coisa que muda, quando eu for comprar um aparelho novo, não recondicionado, é que vou ter a hipótese de dizer se quero ou não comprar juntamente com o carregador”, diz.

7.

Quanto vão poupar os utilizadores? E que outras vantagem terão?

Esta redução na compra desnecessária de carregadores irá poupar até 259 milhões de euros por ano das carteiras dos consumidores, segundo uma estimativa da Comissão Europeia (CE). Além da poupança monetária, também há outras vantagens.

“Imagine que vou de viagem, levo o único carregador comigo, que dá para todos os equipamentos que tenho”, explica António Alves. Destaca ainda o protocolo de carregamento USB Power Delivery, que permite utilizar o mesmo carregador em diferentes marcas, garantido que o carregamento rápido não se irá tornar mais lento consoante o tipo de carregador utilizado.

Em 2019, mais de 80% dos consumidores admitiu ter tido problemas com os carregadores de telemóveis nos últimos dois anos, de acordo com um estudo realizado para a CE. Em média, cada europeu possuía três carregadores, dos quais dois usava com regularidade, e 80% considerava que os carregadores sem marca podiam ser potencialmente perigosos.

8.

Quais são os benefícios ambientais da medida?

Em 2018, os consumidores tinham mais carregadores do que precisavam. E esse excesso era responsável por 11.000 toneladas de resíduos eletrónicos, o que equivale a 600 quilotoneladas de emissões de dióxido de carbono, segundo um estudo realizado para a Comissão Europeia.

“Esta medida permite que só compre o carregador quem precisa, quem já tem em casa não precisa de comprar um novo carregador, o que significa que não estamos a fazer uma nova compra, que implicou materiais para produção e o impacto ambiental associado a essa produção”, diz Elsa Agante.

Esta legislação permitirá reduzir mais de mil toneladas de resíduos eletrónicos por ano. “Para além de uma enorme redução anual de CO2, isto equivale a 10 milhões de smartphones e 2600 toneladas de matéria-prima. E sabemos que atualmente, mais do que nunca, a matéria-prima é crítica”, afirmou aos jornalistas Thierry Breton, comissário europeu para o mercado interno.

Também Rui Berkemeier, licenciado em engenharia do ambiente e colaborador da associação ambientalista Zero, considera que esta diretiva trará vários benefícios ecológicos, ao reduzir o consumo de recursos e contribuir para uma diminuição na gestão destes. Considera que esta medida é “um dos bons exemplos de como se pode, com legislação europeia, mudar um bocado o paradigma da nossa pegada ecológica”. Haverá igualmente um incentivo à economia circular, com o reaproveitamento dos produtos existentes. “No fundo, o que é a economia circular? É utilizarmos os recursos da melhor forma, da forma mais racional. Eu diria que a economia circular é uma economia racional”, defende.

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9.

Com a troca para o novo carregador, vai aumentar a reciclagem e gestão de resíduos?

Para Rui Berkemeier, tratar-se-á de um aumento residual. “Não vai ser dramático, embora seja uma situação [que vá ocorrer]. Mas é um custo que compensa bem a melhoria”, afirma.

O especialista lembra ainda que a velocidade de substituição já era considerável antes desta medida entrar em vigor. O ciclo de vida destes equipamentos é muito curto, “não porque deixem de funcionar, muitas vezes têm um tempo de vida curto porque as pessoas querem modelos mais modernos e com mais funcionalidades”.

10.

Esta medida vai prejudicar a inovação tecnológica?

Não. Este era um dos grandes argumentos da Apple, que utiliza o conector lightning exclusivo da marca desde 2012, ainda que os modelos mais recentes de computadores e tablets já estivessem equipados com USB do tipo C.

Para a marca, esta proposta seria uma “disrupção desnecessária” para os consumidores. Além disso, a Apple argumentava que não seriam muitas as vantagens ambientais, uma vez que milhares dos dispositivos Apple vão requerer novos adaptadores e tornar-se-iam obsoletos mais rapidamente, o que contribuiria para o aumento o volume de resíduos elétricos e eletrónicos.

Em 2019, a Apple possuía cerca de 18% do mercado de telemóveis vendidos na UE. 44% eram carregáveis por USB tipo C e 38% tinham USB micro-B. "Quando se restringe ao USB-C, na perspetiva deles [da Apple], eles ficam impedidos de vir com um conector que fosse tecnologicamente mais avançado e mais interessante", explica António Alves ao defender que a entrada escolhida pela UE, além de possuir a maior quota no mercado, é também tecnologicamente evoluída. Para evitar estagnação tecnológica, há um compromisso em rever esta diretiva sempre que for necessário.

11.

O que faltou incluir na ‘Diretiva Equipamento de Rádio’?

A diretiva, que esteve dez anos em discussão, ainda não inclui a harmonização do carregamento sem fios entre os vários dispositivos. Um aspeto que a Comissão Europeia se comprometeu a rever nos próximos anos.

“A diretiva está bem conseguida e vai ser extremamente útil”, considera António Alves, que acrescenta que assim que for atingida a harmonização do carregamento sem fios, a legislação estará completa.

Elsa Agante consegue apenas prever uma desvantagem. “Quem tenha um telemóvel mais antigo ou ainda sem este carregador, aí sim, tem de garantir que tem o seu, porque será mais difícil encontrar algum compatível, mas tirando isso serão muito mais as vantagens do que qualquer desvantagem”, assegura.

A especialista da Deco defende ainda que poderá haver uma necessidade de sensibilização pelas próprias marcas para que se reciclem os carregadores já obsoletos, “para garantir que não ficam na gaveta, não vão para o lixo comum, mas sim para reciclagem”. Além das vantagens ambientais, agora “podemos reutilizar as coisas e não é necessário comprar sempre tudo de novo”.

Embora as várias vantagens, Rui recorda os baixos números de reciclagem de resíduos elétricos e eletrónicos em Portugal. As entidades gestoras deste tipo de resíduos recolheram apenas cerca de 16% do equipamento elétrico e eletrónico colocado no mercado nos três anos antecedentes, segundo o relatório da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) de 2022. Um valor muito abaixo dos 65% estabelecido como meta pela UE. Na realidade, esta taxa é ainda mais baixa, “porque nem todos os resíduos vão para operadores que cumprem as metas e todas as normas ambientais e técnicas”.

Para combater os números baixos de reciclagem no país, Rui Berkemeier acredita ser essencial um sistema de incentivo. “É fundamental que quem participa, quem devolve o resíduo, seja de alguma forma de ser compensado”, pois o aspeto económico desempenha um papel crucial no incentivo à reciclagem.

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