expresso.ptexpresso.pt - 23 abr. 12:13

Fuga de Talento ou Falta de Visão?

Fuga de Talento ou Falta de Visão?

Falamos muito de fuga de talento. Mas, realmente, qual é a fuga de talento que nos preocupa? Que os nossos jovens vão estudar para fora? Que os nossos jovens procurem experiências profissionais diversas? Que queiram conhecer mundo?

Talvez não deva ser essa a real preocupação. Talvez nos devamos antes preocupar com as condições que podemos proporcionar aos jovens que procuram fazer tudo isso, para que eles não deixem de aportar valor à sociedade que os viu nascer e crescer. Preocupa-me muito mais o desinteresse do que propriamente o fenómeno a que, facilmente, como sempre acontece nos dias de hoje, etiquetamos como “fuga”. Isso é já um sintoma. Não uma causa.

Há bem pouco tempo ouvimos alguém dizer no podcast que não o preocupava nada o facto de os jovens irem para fora estudar, ou até procurarem outras fontes de experiência, conhecimento e crescimento pessoal. Sou obrigado a concordar com ele.

Isso não significa, necessariamente, que o país não tenha oferta qualificada em qualquer um destes vértices - experiências transformadoras, oportunidades e qualidade de conhecimento, e oferta de ferramentas, a diversos níveis, para desenvolvimento de várias dimensões da vida de um jovem. Significa apenas que o mundo mudou e que hoje, ao contrário do que acontecia há 20 anos atrás, não existem os constrangimentos, medos, e limitações autoimpostas, nas novas gerações, que existiam, por exemplo, na minha. Isso é mau? pelo contrário. É bom para eles. Mas também pode ser muito bom para o País.

Portanto, a real pergunta que todos nos devíamos estar a fazer não é, na minha opinião, por que é que os jovens saem, até porque grande parte das razões por que o fazem não estão minimamente relacionadas com a comparação direta com aquilo que o País onde nasceram lhes pode oferecer quando estão na sua formação, mas antes, com a pergunta - por responder - de como é que o coletivo que este país representa pode (e deve) criar as condições ideais para que eles:

  • Queiram regressar, e sintam que a sua iniciativa, ou, em muitos dos casos, o esforço de sairem do País, sejam entendidos como muito mais do que apenas meros devaneios de juventude ou, na lógica preconceituosa dominante, “fugas da realidade”;
  • Mais do que quererem regressar, e ainda que não o façam, tenham vontade de contribuir para a evolução dos paradigmas económicos e sociais do País;
  • Sintam que a sua voz é, não só reconhecida, como valorizada e, no fim do dia, integrada, na gestão dos destinos de todos;
  • E, finalmente, percebam, de forma clara, que esse reconhecimento e valorização, se poderá também traduzir numa real qualidade de vida, tendo em conta os padrões médios de qualquer sociedade de um País dito desenvolvido, em termos de remuneração e condições para crescerem.

Mas, qual a solução afinal? Estou longe de ser o “Merlin” das poções mágicas para grandes desafios do País, mas gosto de pensar que a avaliação crítica do que temos agora, é a chave para o desenho das soluções de futuro. Futuro, sem passado, é fantasia. Passado, sem síntese, é desperdício. De conhecimento, de experiência, de aprendizagem. E desperdício é uma palavra que representa a antítese de tudo o que é sustentável.

Antes de vaticinar eventuais estratégias de saída de um problema, cujos números são amplamente debatidos e do conhecimento de todos que o queiram saber, talvez me concentrasse na pergunta fundamental, e anterior ao próprio fenómeno desta palavra “fuga”, que já entrou no léxico dos portugueses, mesmo os que não são economistas ou gestores.

E essa questão fundamental é, para mim, a seguinte: quando é que ocorre a real fuga? É quando a saída ocorre? ou é quando o não regressar se torna inevitável por não haver condições para um regresso sólido, sustentado e atrativo?

Eu sou dos que assume que a saída temporária do País é um fator de alavanca para o conhecimento e para a diversidade de experiências, que quase todos hoje classificam como sendo positiva. E, por esta razão, não tenho dúvidas em escolher a segunda opção. A real fuga ocorre, pela inexistência de um sistema de incentivos multidimensional ao regresso, e que transforma uma saída temporária, numa viagem sem fim. Um sistema de incentivos sustentado nas reais possibilidades do País e que seja sustentável, no sentido de não depender de lógicas eleitorais de 4 anos, ou de vistas curtas de gestão de curto prazo.

Porque o sair do País para aprender e ganhar mundividência e experiência, parece-me ser, por si só, como já referi, positivo para todos. Aliás, atrevo-me até a sugerir que isso seja um desígnio nacional, altamente patrocinado por entidades públicas, e privadas, que estejam realmente comprometidas com a qualificação e desenvolvimento da nação. Uma atitude bafienta e conservadora de querer “reter”, sem entender que o objetivo deveria ser, muito mais, o de entusiasmar e cativar, mas não apenas por patrióticas afirmações de inspiração ocas e sim pelo desenho de políticas públicas favoráveis, e pela oferta de incentivos privados adequados, tem um pavio demasiado curto e vai, inevitavelmente, acabar por queimar a base da vela.

Por isso, sem querer ser o “alfaiate do fato à medida”, e porque este é um desafio complexo, deixo algumas sugestões aos nossos governantes e gestores. Para aqueles que as quiserem ouvir:

  • Tratem os nossos jovens como cidadãos plenamente integrados na sua sociedade - só podemos exigir responsabilidade a alguém, quando lhes atribuímos o poder, pelas vias institucionais mais indicadas, de terem uma voz ativa nos destinos de um País. Caso contrário, é só matéria prima para julgamentos liminares e estigmatizados, sem causa e sem argumento. E isto significa muito mais do que fazer conselhos de jovens, consultorias juniores que só servem os interesses comerciais de quem as promove, ou dar prémios a jovens ativos na sociedade - significa mudar a mentalidade, e perceber o valor real que eles podem (e devem, diria eu) ter, na construção das sociedades do futuro;
  • Continuem a apostar na qualidade do ensino, do conhecimento e na melhoria das condições de acesso equitativo à educação, para os jovens portugueses - mas com uma gestão de expectativas realista. Não me parece que os jovens vão deixar de querer ter as experiências internacionais de aprendizagem e vida que hoje querem ter. E ainda bem! É sinal de que estão adaptados aos tempos, e que percebem a importância de saírem da caixa, para depois a reformularem. Por isso mesmo, a aposta que façam nestes jovens, que a façam, entendendo que isso não evita a saída. E que pode atrair muitos outros novos talentos que, embora não sendo nacionais, podem ter muito para dar ao País;
  • Falem menos, oiçam mais - creio que um dos maiores riscos para uma sociedade mais equilibrada no futuro é o arreigar das nossas ações, em convicções que já não servem as gerações que, muito em breve, tomarão conta dos destinos do coletivo. O modelo de trabalho mudou muito. A inteligência artificial, o metaverso e as formas alternativas de governança, como o blockchain, ou as alternativas de modelos de finanças sustentáveis, vieram para ficar. Não sejam julgadores do presente, à luz do passado, emitindo julgamentos de preguiça ou de desinteresse fáceis, sobre quem está a criar formas alternativas de trabalhar e de viver, nas quais o trabalho não é o centro da vida, mas apenas mais uma dimensão do bem estar, e preocupem-se muito mais (e aqui dirijo-me, em especial, às lideranças seniores do momento atual), em construir as bases para uma construção conjunta de um caminho novo. Porque, diria, é indispensável, que gerações distintas, com linguagens diferentes, saibam conversar, negociar e chegarem a entendimentos comuns. Todos beneficiaremos com isso.

Em resumo, e para terminar, estou muito mais preocupado com a afinação das lentes, que possam permitir às gerações que estão agora no domínio das organizações e instituições que gerem a nossa economia, entenderem, aceitarem e integrarem novas construções de paradigmas, do que com a tão famigerada “fuga” ou, sob outra perspetiva, com o desespero da necessidade de "retenção" de talentos.

A palavra “reter”, por si só, significa constrangimento, prisão. O contrário do que precisamos. Precisamos de compreensão, abertura, alargar de horizontes e de visão. Como sempre, na história da humanidade, aquilo que conseguimos fazer é absolutamente determinado pela longitude e latitude do alcance do que conseguimos ver. Abram os olhos. E lancem um piscar de olhos, com senso e sentido, a quem já está a ver mais à frente. E quem está a ver mais à frente? São os nossos jovens.

Mário Henriques

Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser:

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