expresso.ptCorina Lozovan - 22 abr. 09:27

Sobre diplomacia, Gagaúzia e Transnístria

Sobre diplomacia, Gagaúzia e Transnístria

Gagaúzia e Transnístria são duas regiões na Moldávia que, por vezes, manifestam ambições independentistas, impregnadas de interesses económicos obscuros, e que prosperam num contexto de caos e conflito vis-à-vis à capital administrativa, Chisinau. Contudo, estas regiões são partes integrantes do país e devem alinhar-se com a visão europeia, em vez de seguirem líderes locais motivados por objetivos que pouco contribuem para o bem-estar das populações

De tempos a tempos, a atenção incide sobre a Transnístria e, mais recentemente, a Gagaúzia, em análises tanto académicas como jornalísticas, como se estas regiões estivessem à beira de um conflito. No entanto, a realidade é que nenhuma delas, apesar das suas divergências com o governo central, possui alguma hipótese real de alcançar independência e formar um país, muito menos desencadear um motim ou conflito capaz de perturbar a segurança e a integridade do Estado moldavo.

Ao examinar com mais atenção, constata-se que a Gagaúzia é uma região economicamente depauperada, onde os habitantes lutam para sobreviver no quotidiano. Durante uma breve incursão pelas aldeias de origem gagauz, notei o escasso desenvolvimento, para além do facto de que estas comunidades não estão organizadas de forma coesa com a entidade abstrata que é a Gagaúzia. Entre elas, misturam-se outras aldeias de etnia moldava, resultando numa variedade de culturas e ideias, que não demonstram uma união capaz de conduzir à independência.

Por sua vez, a Transnístria é uma região habitada por pessoas de diversas origens, que recebeu apoio tanto da Ucrânia como da Rússia. A situação política atual é tensa, especialmente desde a implementação do novo Código Aduaneiro, em 1 de janeiro de 2024, que revogou as isenções fiscais sobre importações da União Europeia para as empresas transnístrias. Este acontecimento gerou diversas vozes dissidentes, estagnando o processo de negociação entre Chisinau e Tiraspol. No entanto, a Moldávia está empenhada em resolver o conflito transnístrio exclusivamente através de meios pacíficos. O Vice-Primeiro-Ministro para a Reintegração, Oleg Serebrian, afirmou que nenhum outro cenário para além do diálogo pode ser considerado até que a plena reintegração desta região seja alcançada.

A Moldávia é uma nação independente, com uma longa história, e o interesse estratégico que representa para a Rússia é, sem dúvida, de interferência, visando mantê-la sob sua órbita de influência e disseminar desinformação, minando o seu percurso político. O futuro do país segue uma trajetória que há muito foi decidida como sendo a integração na União Europeia. Nesse sentido, todo o esforço da Presidente Maia Sandu e do governo está voltado para estabelecer e desenvolver as áreas necessárias para cumprir os requisitos europeus, visando avançar para a próxima etapa do processo de integração. Este caminho não tem sido fácil, e vários escândalos de corrupção e justiça têm provocado muitas críticas ao seu governo.

Na verdade, a presidência de Sandu não é isenta de falhas e apresenta diversas lacunas na abordagem de vários assuntos. Por outro lado, Maia Sandu não contou com uma equipa suficientemente robusta para suprir determinadas necessidades do país e focar-se no desenvolvimento interno, onde persistem altos níveis de abandono e pobreza. A economia continua a enfrentar desafios significativos, o que tem desencadeado uma crescente polarização política na sociedade. Este cenário reflete um ambiente social tenso, onde diferentes grupos e fações políticas parecem cada vez mais divididos e em conflito.

Contudo, o atual governo alcançou várias conquistas em quatro anos, algo inédito em comparação com os governos anteriores. A Moldávia deixou de estar isolada, em grande parte graças ao excelente desempenho do ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, Nicu Popescu, que fortaleceu as relações com diversos países e assinou parcerias económicas, atraindo projetos e potenciais investimentos capazes de impulsionar o país e aumentar a sua atratividade e relevância para o investimento estrangeiro. Outra vitória é a candidatura à União Europeia, cuja importância foi ampliada no contexto da guerra na Ucrânia, tornando-se uma prioridade, com esforços coletivos direcionados nesse sentido.

No entanto, a trajetória em direção à Europa não será fácil. A Moldávia é um país diversificado, com uma identidade moldada por uma multiplicidade de legados, incluindo uma herança histórica romena, influências otomanas, soviéticas e, naturalmente, russas. Essa mescla de culturas e línguas constitui uma característica indelével, e qualquer tentativa de impor uma identidade puramente homogénea, que de facto não existe, poderá minar a coesão já existente no país. Neste sentido, a abordagem política adotada pelas elites respeita essas múltiplas nuances, embora seja necessária cautela na postura firme em relação às regiões de Gagaúzia e Transnístria. Por outro lado, dada a importância da Rússia como ator geopolítico, é crucial que qualquer comunicação seja feita de forma cirúrgica, com atenção e perspicácia.

Neste contexto, a diplomacia mantém-se crucial. Ao longo dos últimos trinta anos, o governo moldavo não conseguiu lidar adequadamente com os líderes de Tiraspol e Comrat. A atual liderança é provavelmente aquela que mais esforços fez para iniciar conversações. Infelizmente, foi devido às circunstâncias do conflito ucraniano que a necessidade de examinar cuidadosamente estas duas regiões, que essencialmente fazem parte da Moldávia, se tornou evidente. É crucial aceitar as nuances culturais de cada região, sem esquecer que todos os cidadãos são moldavos e pertencem ao mesmo país. Também é necessário investir adequadamente na educação e nas infraestruturas básicas nas várias aldeias. Aliás, muitas escolas na Gagaúzia e parte das exportações provenientes da Transnístria foram viabilizadas tanto pelo investimento de fundos europeus como pelos acordos com a União Europeia, estabelecidos com o governo moldavo. Infelizmente, a ascensão de alguns líderes locais, apoiados por oligarcas com ligações e interesses nebulosos, tem dado origem a discursos que manipulam as populações locais e que tem beneficiado inclusive governos anteriores, desviando o olhar, desde que recebessem os seus lucros. Para além disso, estas populações são alvos de campanhas de desinformação russa, o que gera desconfiança em relação às autoridades de Chisinau e à visão europeia.

Nesta conjuntura, é preciso abordar as relações diplomáticas com a Rússia, que tem desempenhado um papel privilegiado no país desde a sua independência. Desde o início da década de 90, Moscovo exerceu influência política, intervindo por vezes de forma indireta e sub-reptícia nos assuntos internos. Apesar disso, as relações diplomáticas mantiveram-se pacíficas por parte da Moldávia, embora com um tom mais adverso por parte dos diplomatas russos. Atualmente, a embaixada russa continua a marcar presença, assim como o centro cultural russo e outras associações afins. Nicu Popescu, antes de anunciar a sua demissão como Ministro dos Negócios Estrangeiros, deu uma entrevista onde enfatizou a necessidade de manter relações diplomáticas com a Rússia, mesmo perante os desafios atuais. A Moldávia conta com mais de meio milhão de cidadãos em várias cidades da Federação Russa, e não pode descartar essa ligação sem manter um canal de comunicação.

Não é necessário nutrir simpatia por um país ou aprovar o seu sistema de governo para manter relações diplomáticas. A existência da diplomacia é crucial para escutar e compreender o ponto de vista do outro lado. Além disso, é essencial para percebermos o que se passa nesse país e como isso pode afetar as nossas relações no presente e no futuro próximo. Isolar-se e deixar de comunicar com a Rússia não é benéfico para ninguém. A ausência de qualquer linha de comunicação pode resultar em ações graves que podem complicar ainda mais o cenário geopolítico. Muitas das análises atuais são baseadas em suposições e premissas pouco fundamentadas na realidade, em vez de dados primários e informações de campo, o que agrava ainda mais o discurso político e dificulta qualquer tentativa de alcançar um acordo de paz que possa trazer estabilidade à região. A guerra na Ucrânia representa uma tragédia sem precedentes na fronteira com a Moldávia, bem como outros países ao seu redor. A brutalidade do conflito reflete um vislumbre escuro para todos aqueles que desejam progredir e trilhar um caminho pacífico em direções distintas, fora do espaço pós-soviético.

De forma recíproca, a diplomacia e a comunicação são essenciais para a Rússia, que em vez de se apegar a visões antiquadas que já não refletem a vontade da maioria dos cidadãos jovens e muitos adultos moldavos, deve buscar um ponto de entendimento sobre como as relações diplomáticas podem existir sem interferências na escolha e no curso político de um país soberano. O mesmo se aplica à Europa, que deve procurar uma forma de restabelecer as linhas de comunicação. A conferência internacional sobre a questão ucraniana, agendada para junho na Suíça, sob a égide da Presidente do Conselho Federal Viola Amherd, representa uma boa oportunidade. Apesar de Moscovo ter anunciado que não irá participar na reunião, por considerar que a Suíça renunciou à sua neutralidade no conflito, seria prudente reconsiderar e marcar presença.

Quanto mais tempo durar o isolamento e a falta de entendimento entre as diversas partes, mais perigosa se tornará a situação, condenando-nos a todos a uma vivência amarga, algo desconhecida para os europeus que não vivem a guerra no seu dia-a-dia, mas que a defendem veementemente a partir do seu conforto. Historicamente, a guerra nunca trouxe qualquer resolução e nunca trará.

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