expresso.ptFrancisco Cordeiro de Araújo - 22 abr. 12:00

O 25 faz 50, e o 26 fará 100

O 25 faz 50, e o 26 fará 100

Se é verdade que a Pátria não está doente, também não está dotada de um sistema imune, dado que não se exercita como prescreve a história não prescrita

Assinalamos 50 anos de um golpe de Estado pouco antes do centenário de outro, devendo-se olhar a história como mais do que uma soma de cada memória, uma lição que nos permita ter uma visão abrangente sem cegueiras ensaiadas. Hoje, além de celebrarmos a liberdade que Abril nos devolveu, precisamos de compreender Maio e porque esta se perdeu.

Foi a degradação de um regime cansado e velho, de um Estado que propagandeava ser Novo, que abriu portas a uma madrugada viçosa. Porém, foi também uma desgastada república imatura, que não perfez a maioridade, a que emancipou o sistema do respeitinho que tomava o silêncio por respeito.

A corrosão dos pilares que suportam cada arquitetura política prenuncia, por norma, o desabamento de um regime, dando lugar a outro que nem sempre é o arquétipo do modelo democrático. . Olhar somente para Salazar seria rapar as causas da sua ascensão e deixar que o determinismo determine a reprovação a esta cadeira, condenando-nos à repetição de um ciclo de insucesso.

As causas do autoritarismo estão na lápide da 1.ª República. No topo, um Parlamento sem conseguir estabelecer alianças amplas e parlamentares sem capacidade de encontrar consensos. Um século mais tarde, entramos numa nova legislatura em que poucos compreendem o diálogo democrático, muitos não entendem o papel da negociação e todos nos habituámos a que os mandatos não se cumpram.

Os militares de Maio desfilaram sobre o descontentamento popular para com um sistema instável de partidos, tal como agora se augura nas ágoras deste país. Partidos que em cinco décadas se perderam no tempo e pelo tempo perderam valores de ética republicana, e um povo que, culpando as diversas bancadas e os seus passos perdidos, nem sempre abdica de ser treinador de bancada ou do seu clubismo. Em cada Casa do Povo, sentam-se bonecos das Caldas em frente à televisão e não há levantamentos cívicos, com receio de que o caldo entorne, porque o povo é sereno e só se deslumbra com fumaça.

Ao contrário do século passado, precisamos, hoje, de um sistema aberto e de uma sociedade civil forte que assegure que o pluralismo político é a verdadeira união nacional. Um país diverso, de Otelo a Otero, que não assuma, como no passado, somente o passo de minorias mais vocais ou ruidosas que galopam sobre outros ideais, mas que assuma a cadência da sensatez, sem cancelar os que não partilham dessa altivez.

Também o irregular crescimento económico, o desequilíbrio da balança comercial e o desleixo das contas públicas pintaram Maio e traçaram a escalada de um líder economicista. Em 2024, para que não se procurem milagres num Oliveira, não descansemos à sombra duma azinheira, pois a meia-idade do regime já viu crises suficientes. Precisamos de um Estado que não ignore a sua ainda elevada dívida pública e as contas que asseguram a sustentabilidade de um Estado social, satisfazendo necessidades presentes e futuras da sua sociedade.

Foram também as duas mudanças de regime promovidas por golpes militares, levadas a cabo por efetivos descontentes com a sua condição. Hoje, que os militares, e bem, voltaram aos quartéis com disciplina nas suas fileiras, não podemos ignorar a importância das Forças Armadas. Queremos uma Defesa Nacional operacional e sem remendos, apta a cumprir a sua missão, com quadros valorizados pelos valores que defendem.

Neste país de egrégios avós, em que as avós, mães e filhas têm voz sem dependerem de lacunas da Lei, que se revoguem as normas do tempo da outra senhora, para que as Marias não sejam as únicas bolachas do pacote que dão cartas. Vimos de muito longe, das também três que foram as primeiras deputadas da Assembleia Nacional a uma Assembleia da República mais heterogénea, mas a metade ainda é terço que reza a sub-representação e subalternização, com apenas um executivo liderado por uma mulher. Nunca elegemos uma Mulher para chefiar o Estado ou o Governo.

Na verdade, a Câmara já não é corporativa, mas por vezes de corporativismo de capelinhas que apela ao eleitoralismo. Um parlamento mais velho e menos maduro, se a praça da primavera promoveu nova aragem, o vento, que era de mudança, tudo levou e calou de forma condescendente o diálogo intergeracional. Em 1976, a média de idades dos parlamentares estava abaixo dos 40, hoje está perto dos 50, sendo que na primeira legislatura 37,44 % do hemiciclo estava abaixo dos 35 anos. A política procrastina na sua renovação e arrasta o seu discurso.

Abril foi também o fim de um Portugal do Minho a Timor e o início de um novo percurso com o velho continente, para onde também os jovens ainda dão o salto. Que no caminho pela frente não se perca um Portugal integral, sem integralismo lusitano, das Flores à diáspora, não se bolinando por ilhas utópicas ou jangadas que a procuravam, um país na linha da frente da construção europeia, mas que, apesar de já não ultramarino, não oblitere a globalidade da sua alma e a possibilidade de construir pontes com o mundo, com uma CPLP que não seja um acrónimo anacrónico.

A laicização do Estado implica que o 25 de abril não seja tomado por religião, mas sim uma realização progressiva sem dogmas. Uma construção de uma comunidade mais solidária e livre, uma empreitada comum renovada e encarada como desígnio nacional. Honrar o 25 de Abril é olhar para o amanhecer de esperança do dia 26, e não deixar esmorecer o ímpeto de uma sociedade que se reforme de acordo com os seus tempos, porque, tal como ontem, falta cumprir-se Portugal. Um país mais que centenário, no seu todo de Aljubarrota ao Aljube, ciente do seu passado se projete neste milénio, marchando sem hesitações ou ilusões com os seus mais de 10 milhões.

Saibamos, hoje, desfolhar cada cravo e encarnar a sua mensagem, porque sem lápis azuis ou vermelhos conseguimos cristalinamente examinar toda a nossa cronologia e vislumbrar um futuro mais próspero. Olhemos para as lições da trilogia das repúblicas, cuidando da coisa pública para que o país da saudade não volte a ser o do saudosismo. Celebremos que o 25 faz 50, sem esquecer que o 26 fará 100.

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