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Poderio militar é o quarto maior poluidor do mundo

Poderio militar é o quarto maior poluidor do mundo

O secretismo que envolve as operações militares dificulta a contabilização do impacto ambiental real das guerras e faz com que escapem aos acordos globais para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa.

Se o poderio militar fosse um país seria o quarto maior poluidor do mundo, estima o Observatório de Conflitos e Ambiente (CEOBS, na sigla em inglês), posicionando-se logo a seguir à China, Estados Unidos e Índia.

Uma mera estimativa, uma vez que a falta de relatórios e lacunas significativas de dados torna difícil apurar as emissões totais de gases com efeito de estufa (GEE) das forças armadas mundiais e das respetivas operações militares, sublinha o CEOBS. No entanto, os dados disponíveis permitem estimar que a pegada de carbono militar global deverá rondar 5,5% das emissões globais, ou seja, será de 2.750 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2e). Por sua vez, uma análise publicada no final de 2023 por analistas da Universidade de Londres estima que a pegada de carbono do primeiro ano da guerra na Ucrânia seja da ordem de 120 milhões de toneladas de COe.

Este valor corresponde aproximadamente às emissões anuais da Bélgica. Só as munições e os explosivos foram responsáveis por cerca de dois milhões de toneladas de CO2e nesse período – o equivalente à produção de quase mil milhões de bifes de vaca de 150 g ou de 13 mil milhões de quilómetros de condução, indicam os analistas.

Mas estes dados não passam de estimativas. “O setor militar não é um setor desagregado nem está explícito nos inventários nacionais. Como tal, as suas emissões diretas provenientes do consumo de combustível, operação de instalações, consumo de energia e produção de armamento estão abrangidas nas categorias dos setores de transportes, edifícios, energia e indústria, respetivamente. No entanto, as emissões indiretas ao longo das cadeias de abastecimento são uma caixa preta e a sua estimativa apresenta falhas metodológicas significativas”, explica Joana Portugal Pereira, autora do Emissions Gap Report desde 2020 e do 7.º Global Environment Outlook que será publicado em 2026.

Esta inconsistência deve-se ao facto de as atividades militares constituírem informação sensível que pode colocar em causa a segurança nacional, mas também devido às limitações da quantificação das emissões GEE neste setor sobretudo em cenários de conflito armado. Por esse motivo, a sua contabilização “é um pouco difícil dada a falta de reporte”, corrobora Pedro Barata, “partner” da Get2c, acrescentando que “alguns investigadores tentaram de forma independente contabilizar, contudo, esses ensaios de contabilização não seguem nenhuma metodologia coerente de contabilização, pelo que são, em muitos casos, especulativas”.

No entanto, Pedro Barata separa a indústria da defesa das operações militares, referindo que “as emissões da indústria de defesa são reportadas como todas as outras emissões. Desde há muitos anos que as maiores forças armadas mundiais consideram as alterações climáticas como um multiplicador de riscos globais. Muitas forças armadas têm programas destinados a melhorar a performance em termos de mitigação e sobretudo de um ponto de vista de segurança energética a melhorar a penetração de recursos endógenos e renováveis no seu portefólio energético”.

Relativamente à estimativa que coloca o setor militar como contribuidor de cerca de 5% das emissões de GEE, tal significa que está em paralelo com os setores de aviação e transportes marítimo internacional juntos. “Para termos uma ideia, se o exército americano fosse um país teria as emissões GEE per capita mais elevadas do mundo, por volta de 42tCO2e. Assim, um militar dos EUA tem emissões GEE sete vezes superiores às de um português”, explica Joana Portugal Pereira.

Apesar do peso que se estima ter na poluição ambiental, o poderio militar está um pouco à margem dos acordos climáticos internacionais que visam reduzir as emissões de GEE no planeta. Isto sublinha a “necessidade urgente” de serem tomadas medidas concertadas, tanto para medir de forma robusta as emissões militares como para reduzir a pegada de carbono relacionada, defendem os analistas do CEOBS, entidade que trabalha em parceria com uma série de organizações, incluindo parceiros de investigação como a Harvard Law School, King’s College London e Scientists for Global Responsibility. Especialmente porque estas emissões estarão a aumentar na sequência das guerras na Ucrânia e em Gaza.

De salientar que, em dezembro de 2022, foram aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidas 27 princípios relativos à proteção do ambiente no âmbito dos conflitos armados (PERAC, na sigla e inglês). Estes definem a forma como o ambiente deve ser protegido antes, durante e depois dos conflitos armados e em situações de ocupação. A sua força varia entre a orientação não vinculativa e a reflexão sobre o direito internacional vinculativo. Na realidade, o que os princípios do PERAC fazem é estabelecer um padrão mínimo de conduta ambiental ao longo dos ciclos de conflito armado, porém, enfrentam a oposição de vários Estados.

Os vetores das emissões

Impacto de bombas, mísseis, múltiplos incêndios deflagrados, libertação de químicos tóxicos, contaminação de águas, destruição de natureza e edificado e respetiva construção são itens de difícil quantificação. Tal como já foi referido, as estimativas das emissões indiretas do setor militar são imprecisas. Porém, no que respeita às emissões diretas em operações convencionais, “a maior contribuição do setor para emissões GEE está associada ao consumo de combustíveis fósseis (maioritariamente querosene, bunker marítimo e diesel) e energia elétrica. Em particular, a maioria dos edifícios de bases militares, assim como veículos rodoviários e aviões, apresenta uma baixa eficiência energética e elevados fatores de emissões de CO2. Acresce que, se considerarmos os impactos em conflitos armados e destruição de material, este impacto pode ser de várias ordens de grandeza superior”, explica Joana Portugal Pereira.

Alguns destes emissores poderiam ser descarbonizados. Porém, na perspetiva de Pedro Barata, “a guerra só seria descarbonizada se o poder destrutivo altamente concentrado dos explosivos pudesse ser replicado com fontes não fósseis. No imediato, os níveis de concentração de energia necessários não são passíveis de ser atingidos com as tecnologias renováveis que temos ao nosso dispor, com a exceção do nuclear, se a considerarmos limpa”.

Já a autora do Emissions Gap Report destaca que “é importante reduzir conflitos armados para descarbonizar”. Na sua perspetiva, tendo em conta os investimentos globais em defesa (2,3 do PIB mundial e a promessa de os membros da NATO canalizarem 2% do PIB para a defesa), “os líderes mundiais estão a privilegiar estratégias de defesa de curto prazo em detrimento das prioridades climáticas que representam uma ameaça à segurança global”. Segundo Joana Portugal Pereira, “se canalizássemos os investimentos atuais em defesa para o financiamento das medidas climáticas, poderíamos obter os fundos necessários para alcançar as metas estabelecidas no Acordo de Paris”. Recorde-se que o bloco de países desenvolvidos signatários do Acordo de Paris ainda não mobilizou os 100 mil milhões de dólares anuais previstos para apoiar o financiamento climático em países menos desenvolvidos, mas são alocados anualmente 2,2 biliões de dólares em defesa.

Assim, num mundo em crescente conflito, tudo indica que o peso e respetivas emissões de GEE do poderio militar só irá aumentar globalmente. Perante a obscuridade de dados sobre o setor, conhecer o real impacto das forças militares e das guerras no ambiente deverá manter-se uma miragem. “Pode-se pedir aos governos para apresentarem as suas emissões militares. Mas dada a possibilidade de replicar o poderio militar de uma nação a partir do seu inventário militar, é extremamente improvável que o mesmo pudesse ser aceite”, assinala Pedro Barata.

Joana Portugal Pereira recorda que recentemente a NATO canalizou esforços para desenvolver uma metodologia para os países aliados reportarem as emissões GEE associadas à defesa. Contudo, para se conseguir ter uma radiografia do setor “é essencial mapearmos as emissões diretas e indiretas das atividades convencionais e em conflitos armados do setor de defesa, incluindo toda a cadeia de abastecimento, ou seja, as emissões associadas à gestão de bases e atividades militares – desde a disponibilização de infraestrutura, cimento, consumo de energia, combustíveis fósseis, materiais, etc. e contabilizarmos os danos à infraestrutura, alterações no uso do solo, mudanças socioeconómicas, investimento climáticos desviado e reconstrução pós-guerra”. Uma contabilização que tudo indica continuará por apurar.

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