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O novo direito penal das pessoas coletivas

O novo direito penal das pessoas coletivas

Este conceito de direito penal das pessoas coletivas abrange a ideia de que, sob certas condições, entidades coletivas, como empresas e organizações, podem ser responsabilizadas por ilícitos criminais. Esta abordagem marca uma mudança significativa na maneira como o direito penal trata os sujeitos de infrações, reconhecendo que não apenas indivíduos, mas também entidades coletivas, podem estar envolvidas em atividades criminosas.

Este enfoque moderno sobre a responsabilidade penal das pessoas coletivas ressalta a importância de sistematização interna de mecanismos de compliance e a adoção de práticas éticas de negócios para prevenir a ocorrência de atos ilícitos dentro das próprias organizações. Isso implica um esforço contínuo por parte das entidades coletivas obrigadas para garantir que suas operações estejam em conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis, enfatizando a necessidade de uma cultura organizacional que valorize a integridade e a responsabilidade.​As novas responsabilidades entram, assim, no mundo das empresas, e exigem que haja um acompanhamento perene de todas as redes legais existentes. As que já são do conhecimento atual das empresas – prevenção de branqueamento de capitais, prevenção da corrupção, implementação de canais de denúncia, entre outras – mas, também, as novas redes legais que amiúde, no futuro, surgirão. Veja-se que a regulamentação europeia de criptoativos (MIcA) e de Inteligência Artificial irão ser transpostas para o nosso ordenamento jurídico e, não haja dúvida a este respeito, novas obrigações surgirão desse movimento de transposição para as entidades obrigadas.
Assim, este novo direito penal das pessoas coletivas centra-se, de forma basilar, na rede legal de responsabilidade que é desenhada no artigo 11.º do Código Penal. De facto, as pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, podem ser responsáveis pelos crimes aí previstos quando cometidos: em seu nome ou por sua conta e no seu interesse direto ou indireto por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou por quem aja em seu nome ou por sua conta e no seu interesse direto ou indireto, sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.
Para esses efeitos, entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa coletiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade, incluindo os membros não executivos do órgão de administração e os membros do órgão de fiscalização. Sendo previsto, igualmente, que a responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa coletiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes: praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa; praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respetivo pagamento; praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. Os limites mínimo e máximo da pena de multa aplicável às pessoas coletivas e entidades equiparadas são determinados tendo como referência a pena de prisão prevista para as pessoas singulares, sendo que, para este efeito, um mês de prisão corresponde, para as pessoas coletivas e entidades equiparadas, a 10 dias de multa.
Nos casos de responsabilidade civil de terceiros pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa coletiva ou entidade equiparada for condenada, na falta de bens penhoráveis suficientes, o Ministério Público promove imediatamente a execução contra os responsáveis solidários ou subsidiários, de acordo com as disposições do Código de Processo Civil para a execução por indemnizações
E aqui, muito importante, no momento de fixação da multa em dias, pode ser considerada a circunstância de a pessoa coletiva ter adotado e executado, depois da comissão da infração e até à data da audiência de julgamento, um programa de cumprimento normativo com medidas de controlo e vigilância idóneas para prevenir crimes da mesma natureza ou para diminuir significativamente o risco da sua ocorrência.
Se a responsabilidade das pessoas coletivas está bem patente neste polo densificador do artigo 11.º, é também verdade que o artigo 90-B do CP acaba por abrir a porta à importância da implementação de programas de compliance nas entidades obrigadas: como forma de controlo, como forma de vigilância, como forma de prevenção da natureza de ilícitos criminais mas, sobretudo de um ponto de vista prática de compliance empresarial, como forma de mitigação da pena a ser aplicada. Assim é fundamental que, ligada a este conceito de responsabilidade penal das pessoas coletivas, surja umbilicalmente ligado o conceito de programas de cumprimento normativo – naquilo que é a assunção de um verdadeiro novo direito penal das pessoas coletivas. Que assenta em redes legais desenvolvidas, por um lado, mas que aceita um papel ativo (contributo) das entidades obrigadas como forma de desenvolvimento de uma cultura de cumprimento.
Este novo direito penal das pessoas coletivas, exige, assim, entidades preparadas e envolvidas (juridicamente) com as (novas) redes legais existentes. Longe vão os tempos em que as entidades obrigadas (teias societárias/grupos empresariais) podiam ser entendidas como lugar de opacidade desejável, que poderia dificultar os passos da investigação criminal – são hoje entendidas como uma parte fundamental na instalação de uma cultura de transparência, de aplicação jurídica consciente e sustentável e de uma verdadeira cultura de compliance.
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