rr.sapo.ptrr.sapo.pt - 4 abr. 16:25

​“Tenho muito respeito pela derrota. O ténis dá-nos umas boas sovas de humildade”: uma conversa com Jaime Faria

​“Tenho muito respeito pela derrota. O ténis dá-nos umas boas sovas de humildade”: uma conversa com Jaime Faria

A um início de temporada de sonho juntou a estreia num torneio ATP no Estoril Open. Em entrevista a Bola Branca, Jaime Faria reflete sobre a sua relação com a derrota e sobre o rumo do ténis, que está "a mudar um bocadinho".

A conversa com a Renascença acontece pouco depois de João Sousa emocionar-se e emocionar os outros no seu adeus ao ténis. Jaime Faria, atual 262 do mundo e acabadinho de vencer quatro torneios ITF no Algarve, acredita que viveu um momento único. “O João é uma grande referência para todos nós”, diz este tenista da nova geração que permite o delírio no interruptor da expectativa.

“Vê-lo assim, a terminar com um grande jogo e uma grande prestação, é especial. Ele sempre me inspirou muito”, conta Faria, que revela que, nas poucas vezes que se cruzaram em torneios, o veterano que chegou a 28 do mundo lhe passou alguns ensinamentos e ele, encantado, tratou de absorver o que podia. “O João é uma excelente pessoa e um excelente atleta.”

Nunca pensou muito nesta coisa da responsabilidade de dar continuidade a trabalhos alheios. É uma pressão extra, concede. Outra coisa que mudou nos últimos tempos foi a atenção mediática e, principalmente, a miudagem que lhe pede fotografias e autógrafos. “É especial. Eu vinha aqui ver os Estoril Open todos, também fui esse miúdo a pedir autógrafos”, recorda. Então, quem é o preferido do miúdo Jaime? “Está aqui a jogar no central, é o Monfils."

A entrevista decorre enquanto se ouvem pontos e celebrações de pontos do jogo entre Gael Monfils e Henrique Araújo, outro jovem português que tem dado nas vistas. Lamentamos estar a roubar a Jaime Faria uns minutos a ver o seu Monfils. Sem pestanejar e gentilmente, transmite despreocupação e a conversa prossegue. “Ter o reconhecimento, saber que sou uma referência para alguns miúdos e que inspiro pessoas, é especial, claro”, reforça.

Na estreia num torneio ATP, Faria superou dois jogos no qualifying, contra Lukas Klein e Máté Valkusz, alcançando o desejado quadro principal. Na primeira ronda, quando era favorito, claudicou perante Jorda Sanchis (392.º do ranking). Admitiu, depois, que a raquete tinha um peso um bocadinho diferente. “Não estou habituado a jogar com tanta gente, nos Futures há público mas não é assim, e a lidar com as expectativas de ser favorito… Lá está, é tudo novo para mim, vai tornar-se um hábito, espero eu, o mais breve possível.”

O tom é tranquilizador. Dificilmente está habituado também a dar entrevistas e a explicar-se e a explicar o seu jogo, o que está bem e mal, o que pensa, mas a amostra é exemplar. A participação no torneio, apesar desta derrota na primeira ronda, foi positiva, ainda que haja um gostinho agridoce debaixo da pele, pela forma como caiu. O timing é bom para lhe perguntar sobre se mudou a sua relação com a derrota depois daquelas quatro vitórias nos torneios algarvios.

“Sabemos muito bem que, se não estivermos finos e a jogar bem, a derrota acaba sempre por parecer”, diz, sem medo das inevitabilidades deste ofício. “No ténis, nas várias semanas em que jogamos, só um é que ganha, só um é que não perde…” Pausa para notar esta ideia de que às vezes quem ganha simplesmente não perdeu, assim como quem perde, por vezes, simplesmente não ganhou.

“Sabemos que a derrota está sempre muito presente, até para os melhores do mundo”, continua a reflexão. “Não mudei a minha relação com a derrota, é verdade que estou a ter um bom ano, mas tenho sempre muito respeito por todos os outros jogadores e pela derrota, sei como custa. O ténis dá-nos umas boas sovas de humildade quando não estamos com os pés bem assentes na terra. O ténis não perdoa.”

Sobre os tais quatro triunfos em quatro semanas consecutivas, algo inédito para um tenista português, e que o trouxeram para debaixo do holofote, Faria revela que saiu daí mais confiante, um jogador do top-300. “Deu-me uma vida extra, mas é um bocadinho fruto e prémio do trabalho que tive ao longo dos anos”, explica.

Damos conta ao tenista de que Roger Federer deu uma entrevista à “GQ” sobre tudo e mais alguma coisa, mas também sobre o que se vai vendo dentro do court. O mago dos magos considera que os jogos são cada vez mais iguais, com mais pancadas de longe, menos subidas à rede, onde vão desaparecendo artistas de esquerdas a uma mão, por exemplo, como ele, Gasquet, também no Estoril Open, Wawrinka e Dimitrov.

“Acho que o jogo está a ficar cada vez mais rápido e físico”, diz, sem hesitar muito, como se já tivesse tido esta conversa uma série de vezes. “Não há tantas trocas de bola, se calhar não é tão bonito de se ver. Mas é um jogo físico. As equipas técnicas dos jogadores são cada vez mais aprimoradas e procuram explorar e evoluir o jogador o máximo possível. O ténis está a mudar um bocadinho, está a evoluir, não sei se é mais bonito ver ou não, mas está mais competitivo.” Aquela referência em dose dupla à beleza do jogo talvez sugira que ele ou alguém que o rodeia considera que o ténis de tempos idos era mais belo…

A menção às equipas técnicas obriga à pergunta sobre a preparação dos jogos, se é exaustiva, se há espaço para ele ser quem é. “Depende de cada jogador. Eu gosto de olhar um bocadinho para os outros jogadores. Gosto de adaptar mas não demasiado, porque senão começo a perder o fio ao que tenho de fazer. Temos que nos agarrar a nós, mas podemos tirar ali um ou outro aspeto que o outro não faça tão bem ou que não esteja tão confortável.”

A certa altura lembramos como Nuno Borges tornou palpável a possibilidade de se fazer boa figura num torneio do Grand Slam. Na Austrália, o português fez um brilharete, caindo apenas com Daniil Medvedev, a quem venceu um set. O sorriso de Jaime Faria grita orgulho e, sim, esse sentimento de ser algo mais possível. Em que torneio gostaria, então, de fazer façanha semelhante?

“Wimbledon é o mais especial”, revela. Gosta da natureza tradicional daquele torneio, uma prova que jogou nos juniores, o que faz com que a preferência seja essa. Ou seja, quer jogar de branco, branquinho, imaculado. “Todo branco, todo branco”, diz entre risos. “Espero ainda qualificar-me para o Wimbledon deste ano. Estou relativamente perto, vamos lá ver.”

O plano agora deste jovem tenista, que adora treinar e assim contrariar o ainda mais jovem Jaime que queria era jogar, é manter a toada do que vem fazendo. Prefere pensar jogo a jogo, semana de treinos após semana de treinos. Diz que tem muita coisa para evoluir, dentro e fora do campo.

“É no trabalho que me tenho de focar”, assume. “Tenho alguns objetivos para cumprir…”

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