Luís S. dos Santos Pinheiro - 4 abr. 07:01
Competência transitória, ambição perene
Competência transitória, ambição perene
Estamos perante uma ministra que não se considera competente para a gestão de uma organização de saúde do SNS, que não tem motivação para o desafio e que não conseguiu encontrar a necessária energia para aquela função de liderança
“(Ex)Presidente de Santa Maria afirma incompetência da (futura) Ministra da Saúde”
Esta poderia ser a premonitória manchete que anteciparia a recorrentemente vaticinada escolha de Ana Paula Martins para a pasta da Saúde num (futuro) governo da direita democrática. Sabemos hoje que tal parangona é verdadeira. A ex-Presidente de Santa Maria (Hospital ou ULS), à data “futura”, é hoje a “actual” Ministra da Saúde. E é igualmente verdadeira na afirmação da incompetência de ambas, a Presidente “hospitalar” e a Ministra da Saúde. Incompetência ditada pela própria em meados de Dezembro de 2023 quando, passados pouco mais de 10 meses após assumir funções como Presidente do Conselho de Administração, comunicou publicamente que não iria cumprir os 3 anos de mandato no (à data) Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), que incluía os Hospitais de Santa Maria e Pulido Valente.
Naquele evento explicitou que a “tarefa” [gerir a ULS Santa Maria] era “destinada aos melhores dos melhores da gestão”, destacando a necessidade de “elevadas competências de gestão de uma equipa de direcção”. Curiosamente, a Senhora Ministra da Saúde rematou concluindo que “depois de longa avaliação (…) entendo que eu não sou essa pessoa”. E se dúvidas houvesse relativamente à auto-avaliação que levou a cabo relativa às suas capacidades para encabeçar projectos com as exigências de uma organização de saúde como a ULS Santa Maria, enfatizou que “a ULS Santa Maria precisa de alguém que vai para além daquilo que eu posso oferecer”.
A Ministra que agora, em Março, se propõe conduzir os destinos do SNS, assumia há 3 meses que, [lhe faltava] “desde logo motivação por um projecto que não consigo decifrar ou interpretar”, e para o qual entendia ser necessária “energia”, dispondo aparentemente de força insuficiente para o desígnio em causa – “Eu tenho energia, mas acho que aqui é preciso um extra, um boost de energia”. Reforçando a fundamentação subjacente à sua incapacidade para assumir a liderança da ULS Santa Maria, argumentou ser necessário alguém que “se sinta capaz de fazer uma coisa muito difícil, que é de juntar culturas”.
Estamos então perante uma Ministra que não se considera competente para a gestão de uma organização de saúde do SNS, que não tem motivação para o desafio e que não conseguiu encontrar a necessária energia para aquela função de liderança. Pode assim inferir-se que, entendendo não reunir as competências, motivação, energia e capacidades agregadoras de culturas no contexto local de uma organização do SNS, as mesmas incapacidades se aplicarão, com redobrada acuidade, a funções de maior abrangência, maior exigência e mais intensos requisitos, como serão as inerentes ao Ministério da Saúde.
Dir-se-á que, para além de se ter apercebido da sua incapacidade gestionária, a Senhora Ministra terá visto alterarem-se os pressupostos existentes à data da sua nomeação em Fevereiro de 2023, altura em que a orgânica hospitalar se centrava em Centros Hospitalares, nomeadamente o CHULN, cuja presidência assumiu. Ora sucede que o actual modelo de organização do SNS com base em Unidades Locais de Saúde, e especificamente a criação da ULS envolvendo o CHULN, foram do conhecimento público em Maio de 2023, data em que já estavam concluídos, ou em fase avançada de elaboração, os planos de negócio das novas ULS (nomeadamente da ULS Lisboa Norte – futura ULS Santa Maria). É também público que a tarefa de elaboração dos referidos planos de negócio foi atribuída a equipas centradas nos Conselhos de Administração dos Centros Hospitalares envolvidos.
Não há registo, até Dezembro de 2023, de qualquer discordância, desconforto ou chamada de atenção por parte da Senhora Ministra da Saúde quando, enquanto Presidente de uma futura ULS, liderou e se empenhou no processo de elaboração do respectivo plano de negócio. Pelo contrário, há a percepção pública e intra-institucional que este seria um modelo no qual se revia e que assumia como válido e meritório. E nem poderia ser de outra forma quando a sua nomeação ocorreu num quadro de confiança e alinhamento com o Director Executivo do SNS que, precocemente, foi claro no caminho que desenhou para o futuro do SNS e das suas organizações, nomeadamente as hospitalares, tudo fazendo para se rodear de elementos que dessem corpo a essa visão. A primeira nomeação foi mesmo a do novo Conselho de Administração do CHULN (futura ULS Santa Maria), começando pelo anúncio da escolha para Presidente.
Não deixa de ser curioso que, no período de 10 meses, se tenham, aparentemente, desvirtuado os pergaminhos de elevada competência que presidiram à escolha da Senhora Ministra por parte do Director Executivo do SNS, escolha que motivou à data alguma estranheza face à ausência de qualquer experiência em gestão hospitalar.
Esta será apenas uma de múltiplas contradições, discrepâncias e desvios comunicacionais que estiveram patentes no curto período de menos de um ano que a Prof.ª Ana Paula Martins dedicou ao estágio no SNS, em antecipação do seu projecto político.