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Morreu Vítor Bandeira, o aventureiro que ajudou a fundar o Museu Nacional de Etnologia

Morreu Vítor Bandeira, o aventureiro que ajudou a fundar o Museu Nacional de Etnologia

Viajante inveterado, arqueólogo autodidacta, recolheu mundo fora, em África, Ásia e na América do Sul, peças que compõem uma porção considerável da colecção do Museu Nacional de Etnologia.

Descreveram Vítor Bandeira como “artista e erudito, amador de arte e antiquário”. A que se pode acrescentar um forte desejo de mundo e de aventura, um carácter irrequieto, curiosamente aliado a uma serenidade budista, diríamos, que tornava impossível remeter-se às fronteiras da sua cidade, Lisboa, e do país e do tempo que o viu nascer, Portugal, 1931. Qualidades que confluíram naquele que foi o seu grande contributo para a cultura portuguesa.

Falecido esta quinta-feira aos 92 anos, soube o PÚBLICO por fonte próxima, Vítor Bandeira é uma das grandes figuras do Museu Nacional de Etnologia (MNE) – podemos considerá-lo, ainda que de forma oficiosa, um dos fundadores da instituição —, responsável pela recolha de cerca de cinco mil artefactos ali expostos, africanos, asiáticos e sul-americanos. “Tantas Vida Numa Vida”, assim se intitulava, resumo perfeito, um perfil de Bandeira assinado por Alexandra Lucas Coelho no PÚBLICO em 2014.

No início dos anos 1960, este antigo trapezista no Lisboa Ginásio Clube, estudante de Belas Artes, possível arquitecto que fora posteriormente sócio num antiquário, viajando até França, Inglaterra e Holanda para adquirir peças para revenda em Lisboa, decidira que, em vez de procurar em segunda mão as peças etnográficas, aquelas que mais admirava entre as antiguidades que vendia, melhor seria ir ao encontro delas à sua origem. Vendeu a sua quota no antiquário no Príncipe Real, em Lisboa, comprou um jipe e partiu com a sua mulher de então e um amigo francês. Deserto do Sara, Senegal, Mali, Costa do Marfim, Guiné Equatorial.

Meses depois, regressava a Portugal com uma colecção generosa o suficiente para que um amigo de infância, o escultor Lagoa Henriques, lhe propusesse a montagem de uma exposição no Porto. O poeta Eugénio de Andrade deslumbra-se com o que vê e fala com Jorge Dias, fundador do MNE. “O Jorge Dias foi ver, falou comigo, gostámos muito um do outro e o museu acabou por me comprar as peças. Criou-se uma grande amizade”, recordava Vítor Bandeira ao PÚBLICO na entrevista supracitada. Uma grande amizade e uma colaboração que perduraria no tempo.

Partiria depois para a Amazónia com o objectivo de criar uma colecção para o museu, o que fez ao longo de um ano, seguindo a sua metodologia habitual: instalando-se no seio das populações junto das quais adquiria as peças, convivendo, investigando, acumulando documentação fotográfica e fílmica igualmente preservada no MNE. Arqueólogo autodidacta, viajante inveterado, recolheria também peças para a colecção na Ásia, em países como Indonésia, Tailândia, Japão, Sri Lanka ou Birmânia. Sete esculturas de carácter religioso adquiridas nessas viagens, no início da década de 1970, foram mostradas ao público pela primeira vez em 2017, na exposição De Regresso à Luz.

Morava num apartamento na Costa da Caparica, bem lá no alto, num 10.º andar com vista aberta para o mar. O interior, por sua vez, era um reflexo do mundo que tornou seu, decorado com peças das muitas terras que calcorreou. Foi lá que, recordando a sua primeira digressão africana, confessou a Alexandra Lucas Coelho: “Eu já gostava de coisas africanas. Tinha de as vender para fazer outra viagem. No fundo, do que eu gostava mesmo era de viajar.”

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