expresso.ptJosé Matos Correia - 3 abr. 13:49

Novo Governo, regras (ainda) indefinidas

Novo Governo, regras (ainda) indefinidas

Um Governo deve, na sua composição, resultar de um equilíbrio adequado entre capacidade política e competência técnica. E, a essa luz, parece evidente que, ao menos no que toca aos Ministros que ontem tomaram posse, esse equilíbrio foi atingido

Antecipavam muitos (e, porventura, desejavam alguns…) que, tendo em conta a delicada situação que o País atravessa, a reduzida maioria de que o Governo dispõe no Parlamento e o horizonte de dificuldades que isso necessariamente representa, seria muito difícil a Luís Montenegro constituir uma equipa de qualidade. Enganaram-se, porém. Porque o novo Primeiro-Ministro foi capaz, uma vez mais, de surpreender pela positiva. Como o tinha feito, por exemplo, na construção de uma estratégia política vencedora ou na manutenção do “não é não” face ao Chega.

Julgo que ninguém discordará da ideia de que um Governo deve, na sua composição, resultar de um equilíbrio adequado entre capacidade política e competência técnica. E, a essa luz, parece evidente que, ao menos no que toca aos Ministros que ontem tomaram posse (pois que ainda não é conhecida a lista dos Secretários de Estado), esse equilíbrio foi atingido. E tanto assim é, que as críticas foram muito limitadas e os elogios vieram, inclusive, de sectores políticos da oposição.

Sejam quais forem as envolventes com que se defronte, a dimensão de gestão política é, por natureza, nuclear em qualquer Executivo. Porque dela depende o acerto e coerência na sua actuação. Mas também porque a política apresenta, neste particular, algumas similitudes com o desporto – muitas desafios são perdidos, não pelo mérito do adversário, mas pelos erros não forçados do próprio.

Nos governos minoritários, porém, essa dimensão é ainda mais delicada, por força do permanente “estado de negociação” a que a situação obriga.

Ora, parece-me inquestionável que o núcleo político do novo Governo é muito bem conseguido, agregando pessoas que, para além de possuírem experiência governativa, manifestamente “sabem da poda”.

Por sua vez, é igualmente notório que a competência técnica abunda. Porque os escolhidos têm provas dadas, seja no plano interno, seja até, em muitos casos, no domínio internacional.

É verdade que, como nos ensina a sabedoria popular, e tem sido amplamente referido pelos comentadores, recorrendo á conhecida alegoria dos melões, só o futuro nos dará uma resposta definitiva. Mas, para início, reitero, não está nada mal. Que é muito mais do que se podia dizer de outros Governos, como, por exemplo, o que ontem cessou funções.

Um outro aspecto merecedor de avaliação positiva (e ainda que a lei orgânica do Governo não seja, também, conhecida), prende-se com a sua estrutura e, nela, com a alocação de competências.

Em artigo que aqui publiquei, em Março de 2022, manifestei a minha perplexidade com algumas escolhas feitas a este nível por António Costa, como a retirada da condução dos assuntos europeus da órbita do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a colocação do Secretário de Estado respectivo na dependência directa do Primeiro-Ministro ou a entrega da responsabilidade primeira em matéria de gestão dos fundos europeus e do PRR à Ministra da Presidência (coadjuvada por um Secretário de Estado do Planeamento), à qual cabia, ao mesmo tempo, a responsabilidade pela coordenação política do Executivo.

Tanto quanto nos é dado perceber, ambos os erros estão em vias de ser corrigidos, uma vez que parece óbvio que o novo Ministro dos Negócios Estrangeiros, conhecedor profundo (como poucos entre nós), das questões europeias, retomará a tutela dessa decisiva dimensão da acção governativa. E que os fundos europeus ficarão sob responsabilidade do novo Ministro Adjunto e da Coordenação Territorial, também ele com créditos governativos firmados nessa área.

Não posso, ainda assim, deixar de manifestar dúvidas quanto a um aspecto. Refiro-me à agregação, num mesmo departamento governamental, da educação (incluindo o ensino superior), da ciência e da inovação. É que, estando em causa sectores – todos eles - cruciais para o nosso futuro, existem riscos de que o titular da pasta, mesmo tratando-se, como é o caso, de pessoa de inquestionável capacidade e conhecimento, seja ultrapassado pela dimensão hercúlea da tarefa. Mas, cá estaremos para ver. E se necessidade houver de introduzir correcções, não tenho dúvidas de que tal sucederá.

Deixo uma nota, ainda, sobre os discursos do Presidente da República e do Primeiro-Ministro na cerimónia de tomada de posse, que me pareceram, ambos, de bom nível.

O Presidente da República evitou, acertadamente, a lógica dos recados, optando por fazer uma leitura objectiva dos condicionamentos e dos desafios com que o novo Governo tem de lidar – um panorama internacional instável, que pode, inclusive, agravar-se; uma governação económica e social interna que deve concentrar-se em resolver os muitos problemas que existem e em não os gerar, lá onde eles não ocorrem; a necessidade de construir consensos políticos na Assembleia da República, mais previsíveis (leia-se, com o Partido Socialista) nas questões institucionais e estruturantes, e menos previsíveis (isto é, numa possível geometria variável) nas demais situações (incluindo na viabilização orçamental); a urgência de agir e de cumprir compromissos.

Pelo seu lado, o Primeiro-Ministro foi assertivo nas mensagens que deixou. Antecipando o teor do programa de Governo, disse, em termos gerais, ao que vinha. Desmistificou a teoria dos “cofres cheios” que o anterior Governo apregoou. Iniciou o processo de esvaziamento das bandeiras do Chega, anunciando negociações para a construção de uma agenda de combate à corrupção e sublinhando que, em matéria de imigração, não podemos estar, nem de portas fechadas, nem de portas escancaradas. Instou o Partido Socialista a definir se quer ser um partido de oposição democrática ou uma força de bloqueio democrático. Garantiu, da parte do Governo, humildade, espírito patriótico e capacidade de diálogo e exigiu o mesmo das oposições.

A contar de ontem, o jogo começou. Mas as regras estão ainda longe de definidas. Vamos ver, pois, como todos os jogadores se comportam.

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