expresso.ptJosé Carlos de Oliveira - 3 abr. 15:55

Uma carta a Garcia

Uma carta a Garcia

“Precisa-se, e precisa-se com urgência, de um homem capaz de levar uma mensagem a Garcia” – Elbert Hubbard, 22 de Fevereiro de 1889

Era uma vez um cineteatro que durante 14 anos chamou Lisboa às artes do Cinema, do Teatro e de espectáculos insubstituíveis; e a desfrutar dos espaços arquitectados para a conversa prazenteira e, muitas vezes, acalorada sobre as Artes e outras coisas da vida. A 8 de Novembro de 1951, estreava o Teatro, com a opereta “As Três Valsas” (1951), com Laura Alves e João Villaret. E, no enorme ecrã enquadrado por dois painéis de Maria Keil, o filme “O Facho e a Flecha”, de Jacques Tourneur, com Burt Lancaster e Virginia Mayo.

No Monumental deslumbrei-me e aprendi muito com filmes referenciais, como a antecipação do provocador 2001 - Odisseia no Espaço e o seu Also Sprach Zarathustra de Richard Strauss, e no intimista e muito belo Teatro vivi um momento único com Vinícius de Moraes, Nara Leão e Baden Powell, por exemplo. Como depois vivi, vivemos, o choque da extinção absoluta do conceito e do edifício, como se a cidade e o País pudessem revogar marcas essenciais da caracterização arquitectónica do que em determinada altura exprimimos. O edifício foi abaixo.

Quando hoje ainda existem três salas desactivadas no edifício, e no resto do País se vão extinguindo outras que nos traziam cinema de matrizes diversas, preparava-se a extinção daquelas, não fosse a intervenção do então Ministro da Cultura Pedro Adão e Silva. Sem que o problema esteja resolvido, abriu-se, no entanto, caminho a uma cirurgia, não menos, do novo Governo, que deverá ser aconselhada e, já agora, monitorizada por um conhecedor experiente dos mecanismos e condições indispensáveis a este novo conjunto de salas, nunca integradas em estruturas verticais, que assim reforcem e ampliem, sem fragilizar, o que vem sendo feito pelos Cinemas S. Jorge, Ideal e Nimas - este último, com resultados notáveis de espectadores – 62 mil em 2023 e agora a crescer - para filmes provenientes de outras matrizes e cinematografias firmes, que enfrentam eficazmente o espectáculo gratuito e, no entanto, muito caro de cinematografias hegemónicas nossas conhecidas, num esforço notável do Produtor Paulo Branco. Estas estruturas, a que os cinemas Monumental se deveriam juntar, devem, no entanto, ter os apoios firmados, do Estado - mas alinhados pelos resultados da bilheteira, sem o que se estará a premiar os que trabalham e conseguem resultados, também para novos públicos, pelos que pouco se esforçam ou, esforçando-se, não o conseguem.

Por isso, a decisão do ex-ministro Pedro Adão e Silva em travar a sua desafetação das salas Monumental merece o aplauso do sector, porque a cidade precisa de "ter cinemas com porta para a rua, que garantam a diversidade da programação", disse ainda o ministro: “Uma eventual desafectação iria em contraciclo com as políticas culturais, em Portugal e na União Europeia, atualmente orientadas para apoiar a atividade de exibição cinematográfica em sala”.

A IMPORTÂNCIA DAS PEQUENAS SALAS

Em Lisboa só existem três salas de exibição regular fora dos centros comerciais: o Cinema Ideal, no Chiado, reaberto pela Midas Filmes em 2014; o Cinema Nimas, explorado por Paulo Branco; e o City Alvalade, explorado pela exibidora Cinema City. Em breve, o Cinema Batalha no Porto abre o ciclo de Jane Campion com retrospetiva das nove longas-metragens de Jane Campion e de quase todas as suas curtas. O ciclo inclui os êxitos "O Piano" ou "O poder do cão" — que lhe valeu um Óscar. No cinema Ideal, estreou recentemente o filme-concerto de Ryuichi Sakamoto | Opus (2023) e por lá passam outros tantos. E lembro também, para fechar a ouro que o Cinema Nimas está a passar Jean Luc Godard, Robert Bresson e Sergei M. Eisenstein.

PS: A propósito de ficção realista – que é a minha tendência -, permito-me citar a intervenção de Ricardo Costa no Jornal da Noite de 26 de Março, sobre os trabalhos da Assembleia da República para a eleição do Presidente da Mesa: “Bem-vindos ao futuro”.

José Carlos de Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

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